Informação séria e rigorosa,
Fidedigna e de recto porte
É como dos ventos-a-rosa
À cata de um certeiro Norte
“Em pleno debate, na sessão promovida pela Câmara Municipal de Matosinhos, no Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, interveio um munícipe com um inquietante problema: a Meo usa de um abominável assédio para efectuar a cobrança de um dado montante que o reclamante entende não dever e já remonta há oito anos. E a ameaça que mais o perturba é a de que se não cobrar a bem, vai cobrar a mal, já que deixou bem claro que o compelirá a pagar a dívida nos tribunais. Que, por ser “sócio”, foi à Deco-Proteste e que a advogada que o recebeu disse que teria de pagar porque a prescrição ordinária é de 20 anos. Que a Meo teria ainda mais 12 anos para cobrar a dívida. Queria saber se a informação é correcta, é verdadeira.”
Apetece em forma desajeitada de versejar, consignar aqui algo do estilo, à moda de Sócrates, o grego, que nem sequer deixava, com as suas tiradas, “tudo grego”:
Só há um bem | O conhecimento | Como também | Um padecimento: | Mal execrável | A ignorância | Deplorável | Mal ataviada | Mai-la a importância | Que lhe é dada!
Tiradas à parte, convém oferecer a solução jurídica ao caso, algo que só de forma esquemática, por mor da premura do tempo, se forneceu, na ocasião, ao cento de pessoas presentes e ao perturbado consumidor:
1. As dívidas prescrevem pela passagem do tempo. Há distintos prazos de prescrição, consoante a natureza das dívidas.
Assim,
. o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.
. prescrevem, porém, entre outros, no prazo de cinco anos:
. as rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
. os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
. as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
. as pensões alimentícias vencidas;
. quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
A lei apresenta ainda outras hipóteses, em particular no que se refere a prescrições que se fundam na presunção de cumprimento, mas que ora não vêm ao caso.
1. Para as dívidas dos serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás, comunicações electrónicas …, …) o prazo de prescrição é de 6 meses.
A Lei dos Serviços Públicos Essenciais estabelece-o no seu artigo 10.º:
“1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento.
4 - O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.
5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.”
2. Para que a prescrição seja eficaz, ou seja, para que o consumidor dela se poder prevalecer, cabe invocá-la, uma vez interpelado pelo credor para pagar. Se o consumidor não invocar em seu benefício a prescrição, teria, em princípio, de efectuar o pagamento.
3. O fornecedor poderá exigir o pagamento quer por carta, quer por meio de injunção ou acção judicial. Se o fizer por carta, o consumidor, na resposta, terá de dizer exactamente que a dívida reclamada já prescreveu.
3.1.Se se tratar de um qualquer meio judicial (acção ou injunção) é na contestação ou na oposição, respectivamente, que o consumidor invoca, em seu favor, a prescrição.
3.2. O tribunal não pode conhecer oficiosamente, por sua iniciativa, pois, da prescrição.
É o que diz o Código Civil, no seu artigo 303:
“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”.
4. É ao consumidor ou seu representante que cabe invocar a prescrição. Não pode esperar que outrem o faça por si. Menos ainda o juiz se o caso for para à barra dos tribunais.
5. O Código Civil diz, por outras palavras, que, vencido o tempo da prescrição, tem o consumidor o direito de não pagar.
Eis como o diz no seu artigo 304:
(Efeitos da prescrição)
“1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
2. Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.
3. …”.
7. No entanto, se pagar, por ignorância, distracção ou por qualquer outra circunstância, não pode o consumidor, por força de lei, exigir a devolução do montante pago (a lei chama-lhe “a repetição do indevido”: “não pode ser repetida a prestação”…).
8. Há como que uma ideia de justiça aqui, contraposta à de segurança jurídica: se pagou, embora não o devesse fazer por razões de segurança do direito, pagou bem. É justo que tenha pago. E, por isso, nada pode pedir de volta. Não poderá pedir que se lhe restitua o que indevidamente pagou.
9. No entanto, ainda que não tenha invocado a prescrição extrajudicialmente e se a acção for, entretanto, proposta, observa-se aí a caducidade do direito de acção, essa já de conhecimento oficioso, como os tribunais o admitem, que absorve a prescrição não invocada, devendo a acção improceder.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal