De Nogueira do Cravo (Oliveira do Hospital) para o Mundo! Para uma projecção de vulto em distintos areópagos internacionais!
Jorge Liz foi uma singular figura que cumpre, a justo título,
homenagear, em momento em que há notícia do seu infausto passamento,
que, aliás, aconteceu já há dias, em Lisboa.
Jorge Liz deixou-nos pouco depois de completar, a 28 de Dezembro
pretérito, 81 anos. E passeou o seu talento por um sem-número de palcos
em que “o interesse geral” era susceptível de se afirmar, em tudo
pugnando pela consecução de tão nobres objectivos que lhe eram
superlativamente caros. Com uma presença actuante tanto no Parlamento
Nacional como no Europeu, como em instituições de nomeada no firmamento
geral, em que imprimiu de forma decisiva o cunho do seu carácter de
Homem Universal!
Finou-se o melhor de todos nós: e, ao afirmá-lo, não o fazemos nem por
displicente condescendência póstuma, nem como fria hipocrisia de quem é
já “saudade” porque insusceptível de interferir directamente no
quotidiano; não se trata, pois, de mera figura de retórica, antes de
uma asserção que se funda num perfil e num curriculum invejáveis,
insuperáveis! E pela influência que daí emerge para os tempos vindouros!
Jorge Liz, como apreciava que o tratassem, foi figura de primeiro plano –
intra como extra muros – no domínio da promoção dos interesses e da
política de consumidores.
Cedo se interessou pelos magnos problemas dos direitos dos
cidadãos-consumidores e a eles consagrou uma parte apreciável da sua
vida.
Formou-se na Universidade Clássica de Lisboa e de imediato se votou à
advocacia, mantendo em aberto a sua inscrição na Ordem dos Advogados por
quatro décadas, de início de meados dos anos 90 do século passado a
2016.
E desempenhou um ror de missões de subido interesse público, no País e
fora dele, pelo País e em favor do interesse de todos nós.
Foi Representante de Portugal na OCDE e no GATT.
E deputado da Nação por largo tempo e, como independente, em certo
período. Deputado ao Parlamento Europeu em duas legislaturas, havendo
presidido a uma das suas Comissões.
Consultor Principal no ITC (UNCTAD/GATT). Conselheiro no Comité
Economico e Social Europeu, em representação da sensibilidade dos
consumidores, ao longo de anos, com notáveis peças em delicados temas de
sumo interesse em que interveio, de que se destaca o da Publicidade
Infanto-Juvenil, em que se notabilizara como arauto de uma assepsia dos
ordenamentos contra a exploração das camadas mais jovens, por
inconfessáveis interesses do mercado que entenderam desde sempre
envolvê-las para as fidelizar para as marcas e produtos . Mas também no
que tange aos meios de resolução alternativa de conflitos, como na
resolução em linha e em tantos outros temas como o do candente acesso ao
crédito pelos consumidores.
Desempenhou ainda revelantes funções na administração de empresas
públicas, como presidente da Companhia de Seguro de Créditos e ainda da
Empresa Pública do Século e do Diário Popular.
Foi destacado membro da Administração da Alta Autoridade para a
Comunicação Social, ao tempo, entidade reguladora da comunicação social,
em Portugal.
Pertenceu aos quadros da Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor e
notabilizou-se pelas acções colectivas (inibitórias) sob o tema das
condições gerais dos contratos / cláusulas abusivas, cujo patrocínio
assegurara, rompendo quando lhe coarctaram a possibilidade de mover,
como o pretendera, dezenas de acções contra as seguradoras por mor dos
interesses então supervenientes e em que de todo se não revia.
Homem de um rosto só, de firmes convicções, de recto agir, de valores
que não dos interesses míseros e mesquinhos em redor dos quis outros
gravitam ou em que vicejam…
A partir de então passou a colaborar intensamente com a apDC – DIREITO
DO CONSUMO -, sediada em Coimbra, tendo desempenhado relevante papel
ainda quando, em vésperas da constituição da AIDC – Associação
Internacional de Direito do Consumo / IACL – International Association
for Consumer Law, se associou ao I Congresso Europeu sobre Condições
Gerais dos Contratos que, sob a égide da então Comunidade Económica
Europeia e do presidenteda sua Comissão, Jacques Delors, e de Mário
Soares, presidente de Portugal, houve lugar em Coimbra, por iniciativa
nossa, em Maio de 1988.
E, no plano da docência no ensino superior, desempenhou funções, como
convidado, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e na
Universidade Autónoma.
Desempenhou funções, ultimamente, como juiz-árbitro no Centro de
Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros, em Lisboa,
após haver deixado o Comité Económico e Social Europeu, em que fora
figura de proa e nele se destacara.
Foi ainda prelector em variadíssimos cursos de formação em Direito do
Consumo, alguns dos quais promovidos pela apDC – Direito do Consumo, de
Portugal.
Participou, como conferencista, em inúmeras manifestações científicas
para que o convidáramos, sempre com uma visão diferente, crítica e
recentrada das coisas em homenagem ao bem comum e, como primacial
preocupação, a dos homens, mulheres e crianças do nosso tempo. Tanto em
Portugal como no Brasil. A última das quais – XIII Jornadas Nacionais de
Direito do Consumo, promovidas pela Delegação de Trás-os-Montes da
apDC (Prof.ª Rute Couto), em Junho do ano transacto,– sob o tema
‘Consumo Sustentável’ ( com uma notável intervenção acerca da “Transição
Ecológica e Consumidores: algumas noções fundamentais”), em que nos
surpreendeu com uma crítica visão sobre as políticas de consumidores da
União Europeia acantonadas na Nova Agenda Europeia do Consumidor
(2021/25).
Colaborador permanente da RPDC – Revista Portuguesa de Direito do
Consumo, editada em Coimbra, e da Revista Luso-Brasileira de Direito do
Consumo, editada em Curitiba, concorrendo com os seus originais para o
prestígio internacional de que gozam ambos os títulos.
Com uma obra original sobre conflitualidade de consumo, foi agraciado em
1998 com o Prémio Jacques Delors[“Conflitos de consumo : uma
perspectiva comunitária de defesa dos consumidores / Jorge Pegado Liz.-
[Lisboa] : Centro de Informação Jacques Delors, [1998] (Prémio Jacques
Delors para o melhor estudo académico sobre temas comunitários)].
Autor de uma mancheia de obras e de largas centenas de artigos em
jornais e revistas nacionais e estrangeiras, é senhor de um enorme
prestígio pelas teses originais que desenvolveu ao longos dos inúmeros
anos que se consagrou a uma tal temática.
A apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal, preparara um Livro de Homenagem
a Jorge Liz, há já tempo, para o que recolhera a colaboração de um
sem-número de figuras públicas nacionais e internacionais. Com a crise
que se declarara e tivera uma decisiva influência na subsistência da
própria instituição, um tal preito de homenagem, com a merecida
exteriozação pública, não se concretizou, afinal: seria uma surpresa,
mas disso nos fizemos eco, a título de mero conforto, numa das
derradeiras conversas que com ele mantivémos.
Não mais teremos a nosso lado quem tanto sabia estimular quantos –
distraídos do mais – se votam a estas coisas a que poucos, muito poucos,
conferem alguma importância!
Estamos, é facto, mais pobres: no que isto, com efeito, representa para
quem o tinha como oráculo no seu enciclopédico saber sobre estas
coisas, como luzeiro, como norte!
Pretendeu, por último, transferir a sua preciosa biblioteca para a apDC,
mas circunstâncias extraordinárias não permitiram o fizesse
tempestivamente, relacionadas já com o seu precário estado de saúde.
Fica, pois, o nosso eterno reconhecimento!
Que repouse, enfim, o tribuno, o incansável arauto dos direitos dos
consumidores por que pugnava incessantemente em Portugal, na Europa e no
Mundo!
Jorge Liz, “requiescat in pace”!
Até à eternidade!
*Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal