ESCRITOS
QUE AINDA NÃO TRESANDAM…
… O panorama da água em determinados municípios do País
A Lei de 20
de Agosto de 2009 que estabelece o
regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água, de
saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos urbanos prevê, num dos
seus dispositivos, que a gestão de tais serviços é atribuição dos
municípios e pode ser por eles prosseguida isoladamente ou através de
associações de municípios ou de áreas metropolitanas, mediante sistemas
intermunicipais, de harmonia com o que nela se prescreve.
Os
municípios desde sempre exerceram, com proficiência, tais atribuições e a forma
como, em geral, o fizeram não suscitava reparos de maior.
Na
eficiência, afinal, a rotina de um serviço que não sobressaía porque em
sintonia com os objectivos que se lhes cometera e com o quotidiano dos
munícipes.
Mercê de
circunstâncias, que talvez merecessem cuidada análise, a ineficiência
sobreveio, os prejuízos avolumaram-se e, menos por apetência do que para se
libertarem de encargos e demais exigências funcionais, municípios houve que
outorgaram a empresas intermunicipais a gestão corrente dos serviços, como
aconteceu com a Lousã e uma mancheia (ou duas) de municípios aderentes. Que
entregaram tais desígnios a uma empresa intermunicipal do denominado Pinhal
Interior.
O princípio,
em si, poderá não ser recomendável, já que aos municípios, a cada um de per si,
cumpriria lograr as vias para que, em gestão equilibrada, se servissem os
interesses próprios das populações a que se adscrevem. Nem será, desde logo,
condenável.
Pior é que,
no distanciamento face às populações que serve, uma empresa do jaez destas se
torne pesada na sua estrutura, com uma gestão demasiado onerosa, que os
consumidores pagarão obviamente na sua factura regular, indiferente às
especificidades locais e, no limite, uma porta aberta para a concessão em
exploração a privados de um bem do domínio público que a todos e a cada um
importa.
Desde logo,
os interesses dos consumidores não estão directamente acautelados porque da
estrutura de gestão, que se saiba, não há uma representação dos próprios
munícipes-consumidores, através de instituição criada ou a criar, que “são os
olhos do dono que guardam a vinha”…
Depois,
porque a novidade está no “rebentar da escala” porque surge não só o
agravamento de preços da água como a criação ou recriação de taxas sem
correspondência com serviços prestados.
Confira-se o
que, a propósito, nestes últimos dias, consumidores mais despertos e
interventivos se fizeram eco nas páginas dos matutinos de Coimbra,
designadamente a elevação dos preços da água nos dois primeiros escalões e o
débito de taxas de saneamento básico em aldeias que não dispõem de rede de
saneamento, o que prefigura uma ilegalidade manifesta porque as populações
(cerca de 80%) suportarão o preço de um serviço que não é efectivamente
prestado.
Como, numa
primeira aproximação, a contratação de serviços aos privados (o serviço de
atendimento às populações foi cometido aos CTT, sem que, ao que se saiba, num
domínio com particulares exigências, os empregados dessa empresa privada tenham
recebido formação específica para poderem estar à altura das solicitações dos
consumidores…).
O que é, de
si, um mau prenúncio porque de “privatização” em privatização se chega à
privatização total.
Recorde-se o
caso das águas na Figueira da Foz, cuja concessão por 30 anos Santana Lopes deu
a uma empresa – a Águas da Figueira, S.A. –, agravando a vida dos munícipes,
directa e reflexamente, mas em que as rendas que a Câmara Municipal hoje recebe
(cerca de 300 mil euros) não chegam para pagar os consumos de água do próprio
Município que ascendem ao dobro (600 mil euros)…
Distorções
destas e tantas mais que, com o decurso do tempo, decerto ocorrerão, obrigam a
que os munícipes-consumidores se concertem e oponham o bem fundado dos seus
argumentos e direitos contra o que, afinal, os não serve de todo e constitui um
flagrante desvio da gestão dos bens de domínio público, como a água, que é,
além do mais, DIREITO HUMANO que, como tal, deve ser perspectivado, em extensão
e profundidade.
Que só é
direito o que for útil ao povo, no quadro de princípios e valores em que as
comunidades se fundam…
O mais são
interesses destituídos de interesse!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
Águas: procedimentos à margem da
Constituição e das leis
Enorme alarido se gerou a propósito de procedimentos
que a APIN – empresa intermunicipal do Pinhal Interior - adoptou tão logo
iniciou a sua actividade, nos começos do ano.
A APIN agrupa 11 municípios, tendo-se-lhe cometido a
gestão e a distribuição predial de águas às populações neles domiciliadas.
A cobrança de taxas de saneamento e de resíduos
sólidos urbanos a quem não dispõe de tais serviços constitui, na realidade,
algo que gera natural revolta em quantos são atingidos pela medida.
Para além da facturação de consumos mínimos e de
alugueres de contador, ainda que com um outro qualquer pseudónimo.
Com efeito, a LSPE
– Lei dos Serviços Públicos Essenciais - estabelece no seu artigo 8.º:
1. Proibida a imposição e a cobrança
de consumos mínimos.
2. Proibida ainda a cobrança de:
§ Qualquer importância a título de
preço, aluguer, amortização ou inspecção periódica de contadores ou outros
instrumentos de medição dos serviços prestados;
§ Qualquer outra taxa de efeito
equivalente à adopção das medidas referenciadas no ponto anterior,
independentemente da designação empregue;
§ Qualquer taxa que não tenha uma
correspondência directa com um encargo em que a entidade prestadora do
serviço efectivamente incorra…
§ Qualquer outra taxa não subsumível aos
pontos anteriores que seja contrapartida de alteração das condições de
prestação do serviço ou dos equipamentos utilizados para esse fim, excepto
quando expressamente solicitada pelo consumidor.
A lei, no
entanto, é expressa em considerar que “não constituem consumos mínimos… as
taxas e tarifas devidas pela construção, conservação e manutenção dos sistemas
públicos de água, de saneamento e resíduos sólidos…”
Ora, com a
imaginação delirante que em dados momentos se apossa de certos actores, ante
as proibições se entendeu, nos municípios, recriar outras figuras, em
substituição das que o legislador neutralizara em 1996 (consumos mínimos) e
2008 (aluguer do contador).
E vai daí
apareceram taxas com distinta nomenclatura:
§ taxas de
disponibilidade com múltiplas variantes
§ taxas de
facturação
§ taxas de
fiscalização
§ taxas de
volumetria
§ taxas de
potência contratada…
§ taxas de
emissão das facturas
§ taxas ou quotas de disponibilidade: fixa e variável
§ taxas ou quotas de serviço: fixo e variável
§ taxas de
potência
§ taxas de volumetria
§ termos
fixos naturais
§ parte fixa, parte variável
§ …
E assim, de modo ilícito, as entidades
gestoras arrecadam consideráveis montantes de que não abrem mão, seja a que
título for.
Ora, como o regime é contratual e tais
serviços se inserem no mercado de consumo, estas entidades estão naturalmente
abrangidas pela Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984, pelo que tais
actos configuram crimes de especulação passíveis de penas de prisão e
multa (artigo 35).
Mas a Constituição da República também
consagra, no seu artigo 60, os princípios por que se rege a tutela da posição
jurídica do consumidor.
Ora, o princípio da protecção dos
interesses económicos do consumidor postula o corolário segundo o qual “o
consumidor pagará só o que consome na exacta medida do que e em que consome”.
Por tal princípio se afere o equilíbrio do
orçamento doméstico do consumidor.
Por conseguinte, quando os serviços ou as
empresas entendem, por comodidade sua e menor consideração pelo consumidor,
lançar na factura consumos estimados, isto é, consumos calculados em função
sabe-se lá do quê (muitos dos operadores falam do histórico…), tais
procedimentos são anómalos e ferem a Constituição da Republica.
Ora, os consumos estimados são susceptíveis
de gerar quer subfacturação (se o consumo real for superior), quer
sobrefacturação (se o consumo real for inferior).
Qualquer
dos procedimentos afecta o equilíbrio
dos orçamentos domésticos: na subfacturação, os encontros de contas
poderão reservar surpresas para as economias de escassa dimensão, provocando
desequilíbrios difíceis de suplantar; na sobrefacturação, há como que um
empréstimo, não remunerado, mês após mês, à empresa, com a subtracção das
diferenças da bolsa do consumidor e com reflexos no seu dia-a-dia.
Ora, a
estimativa de consumo viola flagrantemente o princípio e, nessa medida, a
eventual regra que nisso consinta, plasmada em regulamentos emanados do
Regulador ou nos diplomas do governo, é inconstitucional, devendo como tal
ser declarada.
Quase um
quarto de século depois da promulgação da LSPE, os atropelos sucedem-se e os
serviços de abastecimento de água ou as empresas de distribuição predial
passam pelos princípios e pelas regras com “cão por vinha vindimada”!
Há que pôr
côbro a isto. Terminantemente!
Mário
Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
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