Aparelho
auditivo: preço de venda – 5 000 €
Cinco
anos depois: pena de morte decretada, que a
tecnologia é finita.
Alternativa:
reparação? Não! A compra de um outro…
Preço
de venda (sempre a subir): 6 000 €
Para atenuar possíveis efeitos imediatos na
bolsa: crédito acoplado…
“Obsolescência é a qualidade do que é obsolescente ou obsoleto: que está a cair em
desuso, a tornar-se antiquado.”
“Do latim obsolescentĭa, particípio presente neutro plural substantivado de obsolescĕre, «cair em desuso».”
A obsolescência programada é, na essência, a pré-determinação do ciclo de vida de um produto. Como se, ao
nascer, se inscrevesse, no Registo,
a concreta data do seu passamento. Como
se o produto, no momento do lançamento no mercado, se fizesse acompanhar já de uma certidão de óbito…
A obsolescência
de um dado
produto consiste na “desclassificação tecnológica do material industrial, motivada pela
aparição de um material mais moderno”.
Sendo o resultado natural da inovação & desenvolvimento
tecnológicos (com o que de intenção nisso se possa aparelhar),
representa em si um enorme problema se se manifestar precocemente ou, o
que é pior, se for - de caso pensado - programada.
Em qualquer das hipóteses, a desactualização (e a depreciação sob qualquer das perspectivas) dos
equipamentos electrónicos, p. e.,
ocorre em momento temporal anterior ao expectável em vista da sua vida útil
normal.
Entre a obsolescência precoce [ou prematura] e
a obsolescência programada é na intencionalidade do
fenómeno que se funda a diferença:
o a obsolescência
programada é determinada pelos produtores, como forma de promover o acesso dos
consumidores a novos produtos, mais elaborados, tecnologicamente mais
avançados e, em princípio, com uma mais adequada “performance”;
o a obsolescência
precoce assenta na natureza intrínseca dos materiais empregues na produção
que fenecem, se esgotam, caducam num dado lapso temporal…
Noções que têm de ser entendidas cum grano salis
(com “algum desconto”)…
A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, para valer desde 28 de Maio
pretérito, reza no n.º 7 do seu artigo 9.º:
“É vedada ao profissional a adopção de quaisquer
técnicas através das quais o mesmo visa reduzir deliberadamente a duração de
vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de
bens.”
Vale dizer: “é proibida a obsolescência prematura”.
De acordo com o European Environmental Bureau, o
tempo de vida útil de um smartphone, v. g., por forma a estar em relativo equilíbrio com os ciclos
naturais e humanos de reposição de recursos, deveria situar-se entre os 25 e os 232 anos.
O tempo de vida útil de um smartphone
é hoje de 3 anos.
Os custos ambientais e económicos desta
discrepância são gigantescos e incomportáveis.
A França desde 2015 que consagrou uma tal proibição no
seu Code
de la Consommation.
E aplicou, em 2020, à Apple
uma multa de 25 milhões € por obsolescência programada: os iPhones 6, 7
e SE tornaram-se mais lentos depois da actualização do sistema operacional.
Como resultado, os consumidores viram-se forçados a mudar de bateria ou até de
equipamento.
Os dispositivos ora em
vigor no Código francês de Consumo, com as alterações decorrentes
de lei de Novembro de 2021, perfilam-se como segue:
“É proibida a prática da
obsolescência programada, que se define pelo uso de técnicas, inclusive de software,
pelas quais o responsável pela colocação de um produto no mercado visa deliberadamente
reduzir a sua vida útil.” (art.º L441 - 2)
“É proibida qualquer técnica,
incluindo software, pela qual um
comerciante pretenda impossibilitar a reparação ou o recondicionamento de um
dispositivo ou limitar a restauração de todas as funcionalidades de tal
dispositivo fora de seus circuitos aprovados.
…
Considera-se a reparabilidade do produto uma das
características essenciais do bem ou serviço conforme definido nos artigos L.
111-1 a L. 111-7 deste Código.” ( art.º L441-3)
“É proibido qualquer acordo ou
prática cujo objectivo seja limitar o acesso de um profissional de reparação ou
reutilização a peças sobressalentes, instruções, informações técnicas ou
qualquer outro instrumento, equipamento ou software
que permita a reparação de produtos.” ( art.º L441-4)
“Se o fabricante projectou o dispositivo
para casos de auto-reparação e forneceu as instruções de segurança adequadas
para que o consumidor realize a
auto-reparação, não pode ser responsabilizado por danos ocorridos durante o
processo, na medida em que esse dano esteja
ligado à inabilidade do utilizador ou ao incumprimento por parte deste
das instruções para a reparação do produto.” (art.º L441-5)
A obsolescência
programada alimenta o consumo excessivo, bem como a superprodução, contribui
para o aumento dos resíduos, para a intensificação da poluição, bem como para o
aumento do desperdício de matérias-primas e energia.
Esta sofisticada
técnica alimenta artificialmente o crescimento.
Os tempos parece que
mudaram: não são os produtores a dar o mote, é a política!
É aguardar para ver!
Mário Frota
presidente emérito
da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal