às
"hábeis" mãos dos operadores de serviços de interesse económico geral
(serviços públicos essenciais)
(Artigo
publicado hoje, 1.º de Fevereiro, no Portal do PROCON RS, Porto Alegre, Rio
Grande do Sul, Brasil, por deferente convite do Dr. Diego Ghiringhelli de
Azevedo, director da Escola Superior de Defesa do Consumidor do Estado do Rio
Grande do Sul)
A
FACTUALIDADE DENUNCIADA
Avultado
número de consumidores denunciam uma situação factual que obriga a reflectir
sobre os seus termos:
“Pese
embora tenha invocado a prescrição da dívida e, bem assim, a caducidade do
prazo para recurso à via judicial (seis meses após a prestação do serviço), fui
agora informado pela operadora de comunicações electrónicas a que me vinculei –
a MEO - que as facturas iriam permanecer em dívida na base de dados na medida
“em que a dívida continua a existir enquanto obrigação natural, apenas tendo
deixado de ser exigível judicialmente” e que “… o processo de contencioso
referente a esta conta foi entregue à agência de cobrança INTRUM Portugal...”.
Fui,
entretanto, informado, pela referenciada “agência de cobranças” de que teria de
pagar a dívida para que não avançassem com o processo.
Com
efeito, as ameaças, as intimidações, o assédio, afinal, não cessam!”
II
A
APRECIAÇÃO DA SITUAÇÃO 'SUB JUDICE'
Situações
do jaez destas estão a ser sucessivamente denunciadas e o facto é que, com os
meios expeditos de cobrança judicial, teme-se que dívidas que prescreveram em
2009, 2010, 2012, 2014, 2016 venham a ser, 'contra legem', exigida
judicialmente à revelia dos superiores interesses dos consumidores e de uma
linear e correcta aplicação das normas legais vigentes.
1.
Dever primeiro a que se adscreve qualquer partícipe no mercado é a observância
da cláusula geral da boa-fé, nas vertentes por que se desdobra: subjectiva e
objectiva.
2.
Aliás, no pórtico da Lei dos Serviços Públicos Essenciais inscreve-se de modo
impressivo um tal princípio-regra:
“O
prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames
que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a
importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger.”
3.
Invocada a prescrição, judicial ou extrajudicialmente, remanesce uma obrigação
natural: a dívida jamais poderá ser exigida através de acção ou injunção. Daí a
contradição, ao ameaçar-se o consumidor com a instauração de novo procedimento
judicial, como consta do nefando rol de intimidações…
4.
Obrigação natural é a que se funda num mero dever de ordem moral ou social,
cujo cumprimento não é judicialmente exigível: se satisfeita, corresponderá a
um dever de justiça. No caso vertente, no confronto entre a segurança e a
justiça, prevalece a segurança jurídica.
5. A
criação de uma LISTA NEGRA DOS DEVEDORES DE OBRIGAÇÕES NATURAIS é um artifício
e é uma aberração, em vista das consequências que se assacam às dívidas
prescritas que apagam as obrigações jurídicas.
6.
Ademais, expõem os consumidores e os seus dados pessoais a uma empresa estranha
ao tráfego negocial e, nessa medida, há também uma clara violação do
Regulamento Geral de Protecção de Dados, que cumpre, a justo título, denunciar.
7. Se
a empresa de comunicações electrónicas tiver efectuado uma qualquer cessão de
dívidas a esse cobrador (qualificado ou não), infringe o Código Civil que, no
seu artigo 577 (é que o crédito está, pela própria natureza da prestação,
ligado à pessoa do credor), o proíbe.
8. Se
o consumidor se recusar a pagar, porque invocada a prescrição, não pode daí
sofrer qualquer desvantagem, a saber, explicitamente,
8.1.
Nem a suspensão do serviço;
8.2.
Menos ainda a extinção do contrato;
8.3.
Eventuais exigências de caução ou outras garantias para poder continuar a fruir
do serviço;
8.4.
A recusa de celebração de um outro contrato…
8.5.
A inserção em qualquer lista de baixo teor reputacional (a origem do fenómeno
está no credor, que não no devedor: a prescrição não é um favor, é um direito,
em homenagem à segurança jurídica).
9. O
facto de não haver sido cobrada a dívida, no lapso de tempo a tanto consignado,
é imputável – só e tão só - à empresa, aos seus procedimentos, aos seus
métodos, à sua negligência, à sua incompetência, logo, não poderão daí advir consequências
negativas para os consumidores.
10.
Ademais, o tratamento de tais dados só seria lícito, nos termos do Regulamento
2016/679, se necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o
responsável pelo tratamento estivesse sujeito, o que não é o caso.
11. O
assédio (as ameaças, as intimidações), para além de prática negocial agressiva,
prevista na Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008, constitui crime, nos
termos do artigo 154-A do Código Penal, passível de prisão até 3 anos ou multa,
se outra mais grave não couber.
12.
Para além de o facto constituir ainda um crime de ofensa à reputação económica
do consumidor (DL 28/84: art.º 41) passível de com pena de prisão de 1 ano e
multa não inferior a 50 dias.
III
CONCLUSÕES
1.
Invocada a prescrição de uma dívida, qualquer que seja, remanesce uma
“obrigação natural”, insusceptível de cobrança judicial.
2. A
constituição de uma lista negra de devedores de obrigações naturais é um
delírio que exige a pronta intervenção dos psiquiatras do direito e uma
ilicitude que berra com o Regulamento Geral de Protecção de Dados, e que urge
denunciar à Comissão Nacional de Protecção de Dados e à Autoridade Nacional de
Comunicações para os devidos efeitos.
3. O
assédio (a perseguição) constitui, para além de prática negocial ilícita, crime
passível de prisão até 3 anos e, para tanto, deve ser denunciado ao Ministério
Público.
4.
Como o crime de ofensa à reputação económica passível de 1 ano de prisão e
multa não inferior a 50 dias.
Mário
Frota
Presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal