Artigo PROCON RS
PORTUGAL
CONTEÚDOS E
SERVIÇOS DIGITAIS
NOVA LEI EM PERSPECTIVA
I
GENERALIDADES
O regime do fornecimento de conteúdos e
serviços digitais está em vias de ser transposto para o ordenamento jurídico
pátrio, de harmonia com o que consta do projecto de Decreto-Lei n.º 1049/XXII/21, do 1.º de Julho
transacto.
E corresponde a um normativo emanado do Parlamento Europeu -
a Directiva (UE) n.º 2019/770, de 20 de Maio.
Os contratos de
fornecimento de conteúdos e serviços digitais passarão, por conseguinte, a
estar disciplinados de modo estrito, entre nós, como nos demais Estado-membros
da União Europeia. Com o início de vigência protraído para o 1.º de Janeiro de
2022.
O regime jurídico a que a enunciada
directiva confere relevância visa oferecer adequada resposta à célere evolução
tecnológica observada neste domínio de molde garantir o enquadramento devido às
questões suscitadas no desenvolvimento do conceito e suas repercussões no
ordenamento.
Ora, por conteúdos e serviços digitais
se entende, designadamente, os programas informáticos, as aplicações,
os ficheiros
de vídeo, de áudio e de música, os
jogos digitais, os livros
electrónicos e outras publicações electrónicas, bem como serviços digitais que permitam a criação, o tratamento ou o armazenamento de
dados em formato digital ou o respectivo acesso, nomeadamente o software
enquanto serviço, de que são exemplo a partilha de ficheiros de vídeo e
áudio e outro tipo de alojamento de ficheiros, o processamento
de texto ou jogos disponibilizados no ambiente de computação em nuvem,
bem como as redes sociais.
Como o previne o preâmbulo da Directiva
UE 2019/770, de 20 de Maio de 2019, do Parlamento Europeu e do Conselho, “uma vez que há várias maneiras de fornecer um
conteúdo ou serviço digital, como
por exemplo através de um suporte
material, de descarregamentos feitos pelos consumidores para os seus dispositivos,
de difusões em linha, de concessão
de acesso a unidades de armazenamento de conteúdos digitais ou de acesso
ao uso de redes sociais”, o presente instrumento deverá aplicar-se
independentemente do meio utilizado para a sua transmissão ou para permitir o
acesso aos conteúdos ou serviços digitais.
Exclui-se, porém, a sua aplicação aos serviços
de acesso à Internet.
“A fim de corresponder às expectativas dos
consumidores e de proporcionar aos fornecedores
de conteúdos digitais um regime jurídico simples e bem definido, a dos Conteúdos e Serviços Digitais deverá
ser igualmente aplicada aos conteúdos digitais fornecidos num suporte material,
tais como os DVD, os CD, as chaves USB e os cartões de memória,
bem como ao próprio suporte material,
desde que… funcione exclusivamente como meio de disponibilização de conteúdos
digitais.”
No entanto, em lugar da aplicação das
suas disposições à obrigação que pende sobre o fornecedor e aos meios de
ressarcimento ao consumidor em caso de não fornecimento, entende-se de
aplicar o disposto na Directiva Direitos
do Consumidor no que tange às obrigações que se prendem com a entrega
de bens e os meios de ressarcimento em caso de
incumprimento.
Além disso, as disposições da designada
directiva acerca, entre outros, do direito
de retractação e da natureza do contrato ao
abrigo do qual são fornecidos os bens, deverão igualmente continuar a
aplicar-se a tais suportes materiais e aos conteúdos digitais neles fornecidos.
O projecto, no capítulo de que se trata, desdobra-se em 2
secções, a saber:
§ I - Do fornecimento e da
conformidade dos conteúdos e serviços digitais
§ II - Responsabilidade do
fornecedor, ónus da prova e direitos do consumidor
A
primeira das secções versa
sucessivamente sobre:
§ Obrigação de fornecimento de
conteúdos e serviços digitais
§ Conformidade dos conteúdos e
serviços digitais
§ Requisitos subjectivos de
conformidade
§ Requisitos objectivos de conformidade
§ Integração incorrecta dos
conteúdos ou serviços digitais
§ Direitos de terceiros
restritivos da utilização de conteúdos ou serviços digitais
A
segunda secção consagra a disciplina
atinente a:
§ Responsabilidade do fornecedor
pelo não fornecimento e pela não conformidade
§ Ónus da prova nos conteúdos
e serviços digitais
§ Direitos do consumidor em
caso de não fornecimento
§ Direitos do consumidor em
caso de não conformidade
§ Obrigações do fornecedor em
caso de resolução do contrato
§ Obrigações do consumidor em
caso de resolução do contrato
§ Prazos e modalidades de
reembolso pelo fornecedor
§ Alterações aos conteúdos ou
serviços digitais
II
BREVE
REFERÊNCIA AOS REQUISITOS DE CONFORMIDADE
Os requisitos de
conformidade desdobram-se em subjectivos:
Eis os subjectivos:
São conformes com o contrato, os
conteúdos ou serviços digitais que:
§ Correspondam
à descrição, à quantidade e à qualidade e detenham a funcionalidade, a
compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características previstas no
contrato;
§ Sejam
adequados à finalidade específica,
previamente acordada, a que o consumidor os destine;
§ Sejam
fornecidos com todos os acessórios e instruções, inclusivamente de instalação,
e suporte ao consumidor, tal como exigidos pelo contrato; e
§ Sejam
actualizados, de acordo com o estipulado no contrato.
Os requisitos objectivos
perfilam-se como segue:
§ Sejam
adequados ao uso a que os bens de análoga natureza se destinam;
§ Correspondam
à descrição e possuam as qualidades da amostra ou modelo que o fornecedor haja
apresentado em momento prévio ao da celebração do contrato, sempre que
aplicável;
§ Sejam
entregues com os acessórios, incluindo a embalagem, instruções de instalação ou
outras instruções, expectáveis na perspectiva do consumidor. sempre que
aplicável, e;
§ Correspondam
à quantidade e possuam as qualidades e outras características, inclusive no que
tange à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e
expectáveis nos bens do mesmo tipo. considerando, designadamente, a sua
natureza e qualquer declaração pública feita pelo fornecedor, ou em seu nome,
ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia negocial, em que se inclui
o produtor, nomeadamente na publicidade ou na etiquetagem.
De significar que
o fornecedor não fica vinculado às declarações públicas a que se refere o
último ponto em realce no passo precedente, se mostrar que:
§ Não
tinha, nem deveria razoavelmente ter, conhecimento da declaração pública em causa;
§ No
momento da celebração do contrato, a declaração pública em causa tinha sido corrigida
de forma igual ou comparável à forma por que tinha sido feita; ou
§ A
decisão de contratar não poderia ter sido influenciada por uma tal declaração.
Sempre que o
contrato estipule um único ato de fornecimento ou uma série de actos
individuais de fornecimento, o fornecedor deve assegurar que as actualizações,
incluindo as de segurança, necessárias para manter os conteúdos ou serviços
digitais em conformidade, são comunicadas e facultadas ao consumidor, durante o
período razoavelmente expectável, tendo
em conta o tipo e finalidade dos conteúdos ou serviços digitais, as
circunstâncias e natureza do contrato.
No caso de o
contrato prever o fornecimento contínuo de conteúdos ou serviços digitais, o
dever de comunicação e de fornecimento das actualizações vigora pelo período
durante o qual os conteúdos ou serviços digitais devam ser fornecidos, nos
termos do contrato.
Se o consumidor
não proceder à instalação, em prazo razoável, das actualizações que lhe forem
facultadas, o fornecedor não responderá
pela não conformidade que resulte exclusivamente da omissão de um tal dever,
desde que:
§ O
fornecedor comunique ao consumidor a
disponibilidade da actualização e as consequências da sua não instalação; e
§ A
não instalação ou a instalação incorrecta da actualização pelo consumidor não
resulte de deficiências nas instruções de instalação transmitidas pelo
fornecedor.
Se o contrato
estipular um fornecimento contínuo de conteúdos ou serviços digitais, estes
devem ser conformes durante o período
correspondente à duração do contrato.
Não se considera
existir, porém, não conformidade quando, no momento da celebração do contrato,
o consumidor tiver sido inequivocamente informado de que uma característica particular
do bem se desviava dos requisitos enunciados e houver aceite de forma expressa
e em documento separado, autónomo, tal desvio.
Salvo acordo em
contrário, os conteúdos ou serviços digitais devem ser fornecidos na versão
mais recente disponível no momento da celebração do contrato.
III
DIREITOS
DO CONSUMIDOR EM CASO DE NÃO FORNECIMENTO
Em caso de não
fornecimento dos conteúdos ou serviços digitais, o consumidor deve interpelar o
fornecedor a que proveja ao
fornecimento.
Se o fornecedor, interpelado,
não fornecer os conteúdos ou serviços digitais sem demora injustificada ou de
acordo com um prazo adicional, expressamente acordado, o consumidor tem direito
à extinção do contrato através da resolução.
Tal não obsta à imediata resolução do contrato
sempre que:
§ O
fornecedor declarar, ou resultar claramente das circunstâncias, que não irá
fornecer os conteúdos ou serviços digitais;
§ O
consumidor perca o interesse na realização da prestação, considerando a
existência de prévio acordo das partes acerca da essencialidade do prazo certo
para o seu cumprimento.
O consumidor
exerce o direito de resolução do
contrato através de uma declaração ao fornecedor em que comunique a sua
decisão de pôr termo ao contrato.
Em caso de resolução do contrato, o fornecedor
deve reembolsar o consumidor de todos os montantes pagos.
O reembolso dos
pagamentos deve ser efectuado sem demora indevida e, em qualquer caso, no prazo
de 14 dias a contar da data em que o fornecedor
tiver sido informado da decisão do consumidor de proceder à resolução do contrato.
O reembolso dos
pagamentos deve ser efectuado por meio análogo ao do adoptado pelo consumidor na transacção
inicial, salvo acordo expresso em contrário e desde que o reembolsado não
incorra em quaisquer custos como consequência do reembolso.
O fornecedor não pode impor ao consumidor qualquer encargo
referente ao reembolso.
IV
DIREITOS
DO CONSUMIDOR EM CASO DE NÃO CONFORMIDADE
Em caso de não conformidade
dos conteúdos ou serviços digitais, e de acordo com as condições neste passo
estabelecidas, o consumidor tem direito à:
§ Reposição da conformidade;
§ Redução proporcional do preço;
ou
§ Resolução do contrato.
O consumidor tem
direito à reposição da conformidade, salvo se tal for impossível, ou, impuser
ao fornecedor custos desproporcionados, tendo em conta as circunstâncias
concretas, incluindo:
§ O
valor que os conteúdos ou serviços digitais teriam se não se verificasse a não conformidade;
e
§ A
relevância da não conformidade.
O fornecedor deve repor a conformidade dos conteúdos ou
serviços digitais, de harmonia com o que se enunciou, tendo em conta a natureza
dos conteúdos ou serviços digitais e a finalidade a que o consumidor os destina
e de acordo com os seguintes requisitos:
§ Num
prazo razoável, desde o momento em que tiver sido informado da não conformidade
pelo consumidor;
§ A
título gratuito; e
§ Sem
grave inconveniente para o consumidor.
O consumidor tem
um direito de escolha entre
·
a redução proporcional do
preço
sempre que os
conteúdos ou serviços digitais forem fornecidos contra o pagamento de um preço,
e
·
a resolução do contrato, em
qualquer dos seguintes casos, quando:
§ O
profissional:
o
Não tiver reposto a conformidade
dos conteúdos ou serviços digitais, como se dispôs;
o
Tiver declarado ou resulte evidente
das circunstâncias que não irá repor os conteúdos ou serviços digitais em
conformidade num prazo razoável ou sem graves inconvenientes para o consumidor.
§ A
solução de reposição da conformidade for impossível ou desproporcionada;
§ A
não conformidade tiver reaparecido apesar da tentativa de reposição dos
conteúdos ou serviços digitais em conformidade;
§ Ocorrer
uma nova não conformidade;
§ A
gravidade da não conformidade justificar a imediata redução do preço ou a
resolução do contrato.
A redução
do preço deve ser proporcional à diminuição do valor dos conteúdos ou
serviços digitais em comparação com o que teriam se estivessem em conformidade.
Nas situações em
que o contrato estipular o fornecimento contínuo ou uma série de actos
individuais de fornecimento de conteúdos ou serviços digitais contra o
pagamento de um preço, a redução do preço é correspondente ao
período durante o qual os conteúdos ou serviços digitais se mantiveram
desconformes.
Nos casos em que o
fornecimento dos conteúdos ou serviços digitais tiver sido efectuado contra o
pagamento de um preço, o consumidor tem
direito à resolução do contrato apenas se a falta de conformidade não for
menor: há neste passo uma ideia de proporcionalidade ou, noutra formulação, de
contenção ao abuso do direito.
Cabe ao fornecedor
a prova de que a não conformidade é menor.
O consumidor
exerce o direito de resolução do contrato, como noutro passo se evidenciou,
através de uma declaração ao fornecedor em que comunique a sua decisão de pôr
termo ao contrato.
Tal declaração
pode ser efectuada, designadamente, por carta, correio electrónico, ou por
outro meio susceptível de prova, nos termos gerais.
O consumidor tem
direito de recusar o pagamento de qualquer parte remanescente do preço ou de
parte do preço até que o fornecedor cumpra as obrigações até então enunciadas.
Os direitos que se
vêm de evidenciar são transmissíveis a terceiro adquirente do conteúdo ou
serviço digital, seja a título gratuito, seja oneroso.
*
* *
Eis, pois, em
breve síntese, o regime a que o diploma em gestação sujeitará o fornecimento dos conteúdos e serviços
digitais num avanço significativo, em termos de tutela da posição jurídica
do consumido, de obtemperar.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO – Coimbra (Portugal)