A União Europeia aposta
na longevidade dos produtos, numa concertação adequada com os seus
Estados-membros, de molde a não estancar a inovação e o desenvolvimento
tecnológicos.
Por Resolução de 4 de
Julho de 2017, o Parlamento Europeu entendera eleger um sem-número de
objectivos, entre os quais figura o do:
f.
Reforço do direito à garantia legal
de conformidade
Realce, pois, para as directrizes que carreia à Comissão Europeia (o executivo europeu) em ordem
a fundar a confiança dos consumidores:
o
o reforço da protecção do consumidor,
no que toca em especial aos produtos cujo período de utilização razoavelmente
expectável seja mais longo,
o
o desenvolvimento de uma abordagem
holística da regulamentação dos produtos, face à normativa da concepção ecológica
e do direito dos contratos, em
particular no que tange aos produtos que se prendam com a energia,
o
a consagração de uma obrigação de
informação da garantia legal no contrato de compra e venda, para além da
promoção de programas genéricos de informação ao consumidor,
o
a simplificação da prova do acto de
compra para o consumidor, associando a garantia ao objecto e não ao comprador,
encorajando uma generalização dos recibos electrónicos e dos regimes de
garantia digital.
Os trabalhos
preparatórios de transposição da Directiva n.º 2019/770, de 20 de Maio,
atinente a “certos aspectos dos contratos de compra e venda de
bens”, não são ainda, entre nós, conhecidos.
A Espanha entendeu
ampliar a garantia de dois (2) para tês (3) anos por normativo recente
Em Portugal parece haver movimentações no seio do Parlamento,
não se sabe se consequentemente ou não.
O PL - Projecto de Lei (37/XIV), ali
pendente, com data de 04 de Novembro de 2019 e a chancela do PCP, prescreve no
n.º 1 do seu art.º 2.º:
“As garantias dadas pelos fabricantes de
grandes e pequenos electrodomésticos, viaturas e dispositivos electrónicos têm
a duração mínima de dez anos. “
Conquanto
se relativize, no art.º 7.º, em termos de adequação temporal, o sentido e
alcance da norma, como segue:
“4 anos de garantia mínima obrigatória a partir
de 2020;
5 anos … a
partir de 2022 e
10
anos … a partir de 2025.”
As
disposições afiguram-se-nos irrealistas, dada a vacatio nos seus termos
estimada: não se passa abruptamente, a dar de barato que se haja planeado a
vida do bem, dos 2 anos para os 4 anos de garantia…
Seria
algo de extremamente penalizante para os produtores e para as concepções dos
produtos imperantes.
Ademais,
o paralelismo com a dos imóveis (salvaguardadas as devidas proporções) é algo
de clamoroso: garante-se uma torradeira por 10 anos; um imóvel para a vida por
5…
Nem
sequer se ousou, que se saiba, bulir com a “vaca sagrada” da garantia dos
imóveis (que o Supremo considerara, com votos de vencido embora, em 1997, ser
de 6 (seis) meses (leu bem: 6 meses!) e que remonta, na versão actual (5 anos)
à Lei de Defesa do Consumidor, em cujo anteprojecto figurara distinta dimensão:
de 10 anos...
O
texto vale sobretudo pelo debate susceptível de suscitar. Na esteira, de resto,
da resolução do Parlamento Europeu de 2017.
Vale ainda
por envolver a comunidade jurídica na discussão dos termos da Directiva de 20
de Maio de 2019, supracitada, sob o tema ”certos aspectos dos contratos de compra e venda de
bens”.
E em cujo
n.º 1 do art.º 10 se inscreve um prazo de 2 anos, a título de garantia de
conformidade.
Sem se
escusar, no n.º 3, de preceituar que “os Estados-membros podem manter ou introduzir
prazos mais longos” que os ali enunciados, nesse passo se afirmando como
directiva minimalista.
Mas
há diferenças a realçar: não se pode meter “no mesmo saco” um pequeno
electrodoméstico e um automóvel de gama média/alta…
E
tal nem se tem ponderado.
Sem
obtemperar que as circunstâncias actuais levaram à extinção de determinados
mesteres: a reparação dos electrodomésticos quase inexiste e, em dadas
hipóteses, os encargos excedem os preços de venda dos produtos novos…
No
entanto, reflectindo melhor, em presença dos actuais dados do direito posto,
parece não ser tão descabido o lapso de vida exigível aos produtos, recoberto
pela garantia de conformidade, como o que o projecto encerra: o diploma legal
em vigor (DL 67/2003), na al. e) do
n.º 3 do art.º 6.º, em sede de “acção
directa”, permite que o produtor, ao ser demandado directamente pelo
adquirente, se exima de responsabilidades desde que o produto haja sido posto
em circulação há mais de 10 anos. Aí se estribando eventualmente o projecto em
análise para superar as normas permissivas que o Parlamento Europeu, na
directiva, estatuiu como mínimas, em matéria de garantia. Quando, em rigor, se
deveria ter ido mais além, em termos de harmonização normativa no quadro do EEE…
Mas
há contributos de partidos outros à iniciativa do PCP:
.
O PAN apresentou
um PL – o 116/XIV –, demasiado vago e sem limites temporais, relegando para o
Governo a sua fixação.
.
O BE, no PL 119/XIV, reduz a 5 anos
a garantia, com escalonamento no tempo, mas comete o erro pueril de equiparar
um “corta-unhas” a um imóvel, já que tende a conferir a
móveis e imóveis a mesma garantia legal (os 5 anos)…
.
O PEV, no PL 120/XIV, contempla
móveis (os 10 anos, consignados no PL do PCP) e imóveis (conferindo-lhe a
confortável garantia de 20 anos).
De
momento, há uma pausa no debate, aliás, requerida por um dos grupos
parlamentares.
A
discussão neste particular será sumamente salutar.
Que
o debate que se propuserem travar conduza a resultados que, no seio do Mercado
Interior, a todos premeiem. Mas que as garantias assentem em bases concretas
que saiam do papel e se materializem no dia-a-dia com a aquiescência dos
produtores que têm, afinal, de estar deste lado da barricada!
Só
assim o mercado se regenerará e o consumo sustentável (precedido de uma
produção e distribuição sustentáveis) se tornará gradualmente consoladora
realidade.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra