“Sou pessoa de idade avançada.
Impuseram-me a factura
digital.
Só agora me dei conta de que a
Meo me estava a cobrar por um serviço que não requisitei: o “waitingring”, de
música; e a activação do canal - “Caça e Pesca”. Nem sequer sei activar canais…
Com esta brincadeira” já me
levaram, num só ano, 96 €…
Foi uma filha, que se ‘zangou’
comigo, por gastos excessivos, por andar por aí a “assinar” canais, que me deu
a saber da coisa …
À fé de quem sou: “nada fiz, sou
inocente!”
Não há lei que me proteja
desta indecência?”
Eis o que se nos oferece
dizer:
1.
É de um “serviço-surpresa” que se trata, não encomendado e que excede o pacote
original: algo que engrossa a factura, em patente desvio à legalidade.
2.
É um crime de burla:
“Quem, com intenção de obter para si ou para
terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que
astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem,
ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três
anos ou com pena de multa” (Cód. Penal: art.º 217).
3. É um
ilícito de consumo:
«O consumidor não
fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e
expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de
contrato válido…» (Lei 24/96: n.º 4
do artigo 9.º).
5. Previsto
ainda na Lei das Práticas Comerciais:
“É agressiva, em qualquer
circunstância e, como tal proibida, a prática que consista em exigir o pagamento imediato ou diferido de
bens e serviços … que o consumidor não tenha solicitado...» (DL
57/2008: al. f) do art.º 12.º).
6. E na
lei que proíbe outras práticas negociais:
«É
proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não
solicitado de bens ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor
(…)» (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 28).
7. A Lei-Quadro
de Defesa do Consumidor reforça tais proibições:
«1 - Antes de o consumidor
ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor… tem de obter o [seu]
acordo expresso para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação
acordada relativamente à obrigação contratual principal do [próprio]
fornecedor….
2 - A obrigação de pagamentos
adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor,
sendo inválida a [sua] aceitação quando não lhe tiver sido dada a possibilidade
de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.
…
4 - Incumbe ao fornecedor de
bens ou prestador de serviços provar o cumprimento do dever de comunicação
estabelecido no n.º 2.
5 - O disposto no presente artigo aplica-se à
compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de
serviços públicos essenciais de água, gás, electricidade, comunicações
electrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais.»
(Lei 24/96: art.º 9.º - A).
8. Configura
ainda crime de especulação: moldura
de 6 meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84:
art.º 35).
11[MF1] .
A Lei das Comunicações Electrónicas também o prevê:
1 - … as empresas [de] comunicações só podem
exigir aos [consumidores] o pagamento de bens ou serviços que não sejam de
comunicações eletrónicas e não façam parte da oferta que o consumidor
contratou, quando estes tenham prévia, expressa e especificamente autorizado a
realização do pagamento de cada um dos referidos bens ou serviços, através de
declaração em qualquer suporte duradouro.
…
3 - Incumbe às empresas…
provar que o [consumidor] autorizou a realização do pagamento dos bens ou
serviços de terceiros que lhe hajam sido cobrados, …, sob pena de não lhe
poderem exigir esse pagamento ou, no caso de este já ter sido realizado,
deverem restituir o valor cobrado.” (Lei 16/2022: art.º 125).
EM
CONCLUSÃO
a.
A lei proíbe a dispensa de produtos e serviços
não solicitados e sua cobrança (Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º, art.º 9.º - A;
DL 57/2008: al. f) do art.º 12; DL 24/2014: art.º 28; Lei 16/2022: art.º 125).
b.
Tal prática configura crime de burla (prisão
até 3 anos ou multa) e de especulação (prisão de 6 meses a 3 anos e multa não
inferior a 100 dias) (Cód. Penal: art.º 217; DL 28/84: art.º 35).
Tal é, salvo melhor juízo, o
nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal