“Em circulação por uma das auto-estradas do País, a velocidade regular, saiu-me um javali, disparado da berma, e o inevitável aconteceu. Não pude evitar a colisão e os prejuízos são consideráveis.
As viaturas de socorro apareceram. Mas a concessionária recusa-se a indemnizar-me porque, diz, a rede de vedação, no local, não está estragada e a patrulha que circula regularmente não detectou nada de anormal no troço percorrido.”
1. No momento em que se franqueia a portagem, o consumidor estabelece, ao que se nos afigura, um contrato com a concessionária da auto-estrada.
2. Contrato que é de consumo, segundo a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor:
“Consideram-se incluídos … os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas regiões autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos.” (Lei 24/96: n.º 2 do art.º 2.º)
2.1. Logo, nestes termos e por aplicação de regras gerais, “incumbe [à concessionária] provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.” (Cód. Civil: n.º 1 do art.º 799).
3. Os tribunais consideravam, nestes casos, que se estava não perante responsabilidade contratual, porque não havia qualquer contrato, qualificando a eventual responsabilidade como extracontratual (fora de qualquer contrato). E daí que se impusesse ao lesado (o automobilista) a prova de que havia culpa da concessionária. O que não estava, em geral, ao seu alcance. E não o contrário, isto é, à concessionária a prova de que tudo fizera para evitar que tal ocorresse.
4. O Supremo Tribunal de Justiça já qualificou, perante casos análogos, a relação de distintos modos: tanto de responsabilidade extracontratual como contratual (ainda que de contratos com eficácia para protecção de terceiros, a saber, o contrato de concessão, se tratasse).
5. Mas houve Relações a considerar que se estava perante um contrato inominado ou até um contrato civil, o que não é, tanto quanto nos parece, patentemente o caso. Só que nem sempre se tem, nem mesmo no Supremo Tribunal de Justiça, noção do que sejam contratos de consumo… como em ensejos vários, nomeadamente em conferências de Norte a Sul do País, temos vindo a revelar com exemplos tirados dos acórdãos ali prolatados.
6. Em 2007, uma lei de 18 de Julho veio a consagrar uma presunção legal de culpa.
“1. Nas auto-estradas,…, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a:
a) Objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;
b) Atravessamento de animais;
c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.
2 - … a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.” (Lei 24/2007: art.º 12).
7. A norma foi impugnada, por inconstitucional, pela BRISA, mas o Tribunal Constitucional, em 2009, em duas decisões consecutivas, negou razão à concessionária.
7.1. Por acórdão de 09 de Setembro de 2008 do STJ se decretara já que “a prova do cumprimento genérico obrigações de vigilância e de conservação das vedações da via não basta para a demonstração da observância dos deveres, a cargo da concessionária, de garantir aos utentes a circulação em boas condições de comodidade e segurança viária.
… Quando, apesar da existência de vedações, um cão se introduz na auto-estrada, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas. E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso vertente, seja ignorada a concreta razão da introdução do animal na via.”
8. Lamentável é que a concessionária, sem mais, se escuse sistematicamente à assunção de responsabilidades e prefira a lide à composição amigável de interesses.
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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