“Depois de o carro ter ido, nos termos da garantia, sucessivas vezes para reparação da embraiagem (é a sexta vez e o defeito permanece…), sem que o problema se resolva, pergunto se posso pôr termo ao contrato, devolvendo o veículo e obtendo de volta o dinheiro pago.”
Cumpre dizer:
1. Já se definiu, aliás, no Supremo Tribunal de Justiça (Cons.ª Maria da Graça Trigo: 17 de Dezembro de 2015) algo que suscitou enorme controvérsia, a saber:
“…
II - A colocação de um veículo na oficina ou oficinas autorizadas da rede da
marca do automóvel constitui um facto concludente que permite deduzir a vontade
de exigir a reparação dos defeitos “sem encargos”, faculdade que é atribuída
pelo art.º 4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, em alternativa à possibilidade de
exigir a substituição do bem, ou a redução do preço, ou a resolução do
contrato.
III - Tendo a autora optado pelo direito à reparação do veículo automóvel, não goza mais do direito a invocar tais defeitos ou a falta de conformidade do bem como fundamento para exigir a substituição do automóvel, qualquer que seja o momento que se considere.
IV - Efectuadas sucessivas reparações no veículo e tendo o respectivo custo sido suportado pela ré representante da marca, os direitos da autora encontram-se extintos não por caducidade mas pelo cumprimento.
V - Pretendendo a autora preservar a faculdade de exigir a substituição do veículo por outro equivalente, não podia tê-lo entregue em oficina autorizada da rede da marca do automóvel; ou, tendo-o feito, cabia-lhe ter feito prova de que a reparação fora feita contra sua vontade e de que, aquando da recepção do automóvel, informara as RR. de que não prescindia da faculdade de, em alternativa, à reparação do bem, optar por um dos três direitos que o art.º 4.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, prevê.”
2. Mas no STJ, a 02 de Maio de 2015 (Cons.º João Camilo), se decretara, ao que parece, coisa aparentemente em oposição e, quanto a nós, bem:
“ Tratando-se de compra e venda de um automóvel novo de gama média / alta que após várias substituições de embraiagem, de software e de volante do motor, continuava a apresentar defeitos na embraiagem, pode o consumidor recusar nova proposta de substituição de embraiagem – a terceira – e requerer a resolução (a extinção) do contrato, sem incorrer em abuso de direito.”
3. A Lei da Compra e Venda de Consumo estabelece agora de forma exaustiva o que segue:
“O consumidor pode escolher entre a redução proporcional do preço (art.º 19) e a resolução (a extinção) do contrato (art.º 20), caso:
• a) O fornecedor
• i) Não tenha efectuado a reparação ou a substituição do bem;
• ii) Não tenha efectuado a reparação ou a substituição do bem em condições e em prazo razoável (em princípio, em 30 dias);
• iii) Tenha recusado repor a conformidade dos bens nos termos do número anterior; ou
• iv) Tenha declarado, ou resulte evidente das circunstâncias, que não vai repor os bens em conformidade num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor;
• b) A [não] conformidade tenha reaparecido apesar da tentativa do fornecedor de repor os bens em conformidade;
• c) Ocorra uma nova [não] conformidade; ou
• d) A gravidade da [não] conformidade justifique a imediata redução do preço ou a resolução (a extinção) do contrato de compra e venda (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 15).
EM CONCLUSÃO
a. À luz da Lei da Compra e Venda de Consumo se, após tantas reparações, o vício persistir, o consumidor tem o direito de pôr termo ao contrato (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 15).
b. Se se puser termo ao contrato, o efeito daí resultante consiste na devolução do veículo ao vendedor e na restituição ao consumidor do valor pago (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 20).
c. O vendedor deve efectuar o reembolso através do meio de pagamento análogo ao usado pelo consumidor, no prazo de 14 dias a contar da data da extinção do contrato, sob pena de mora (DL84/2021: n.º 5 do art.º 20).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:
Enviar um comentário