“Oferta de uma excursão a Elvas e Badajoz.
No destino, uns testes de audição. E a venda de aparelhos adequados à perda de audição de cada um de nós.
Pagamento através de um contrato de crédito passado a escrito. O valor por 60 prestações (5 anos). Foi o único contrato assinado.
Não me sinto bem. O aparelho não me parece afinado. É intenção devolver. Ainda vou a tempo? Ouvi dizer que teria 14 dias para o fazer.”
Ante uma tal formulação, eis o que se nos oferece dizer:
1. O contrato de compra e venda celebrado no decurso de uma excursão constitui uma modalidade do contrato fora de estabelecimento (DL 24/2014: subal. v da al. i) do art.º 3.º).
2. Um contrato celebrado em tais condições tem de ser reduzido a escrito, ou seja, de papel passado (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
3. Ora, ao que diz o consulente, o contrato de compra e venda não foi reduzido a escrito, logo está ferido de nulidade (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º; Cód. Civil: art.º 220)
4. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, para além do seu conhecimento oficioso pelo tribunal (Cód. Civil: art.º 286).
5. A nulidade importa a restituição da coisa e a devolução do preço (Cód. Civil: art.º 289).
6. A invalidade (a nulidade ou a anulabilidade) ou a [retractação] do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no contrato de crédito coligado; logo, o contrato de crédito cai e o consumidor não fica obrigado perante a sociedade financeira (DL 133/2009: n.º 2 do art.º 18).
7. Se o contrato de compra e venda fora de estabelecimento fosse válido (por observar a forma escrita) e dele constasse, como cláusula, a do direito de retractação (o de dar o dito por não dito), o consumidor disporia de 30 (trinta) dias, e não 14 (catorze), para o exercício de um tal direito (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 10.º).
8. Se do contrato tal cláusula não constasse, passaria a dispor de 12 meses que acresceriam aos 30 dias iniciais após a entrega da coisa para o exercício do direito de retractação (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 10.º).
EM CONCLUSÃO
a. Um contrato celebrado no decurso de uma deslocação proporcionada pelo fornecedor subsume-se na categoria de contrato fora de estabelecimento (DL 24/2014: subal. v da al. i) do art.º 3.º).
b. Tal contrato tem de ser reduzido a escrito, sob pena de nulidade (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 9.º).
c. O contrato em análise é, pois, nulo.
d. A nulidade do contrato repercute-se no contrato de crédito, validamente celebrado: o contrato de crédito cai, liberando o consumidor de quaisquer encargos (DL 133/2009: n.º 2 do art.º 18).
e. A nulidade é invocável a todo o tempo, donde não haver restrições de tempo a tal propósito (Cód. Civil: art.º 286).
f. Se o contrato fosse válido, o período de ponderação ou reflexão para o exercício do direito de retractação seria, não de 14, mas excepcionalmente de 30 dias (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 10.º).
g. Se do contrato não constasse o direito de retractação e seus termos, o período para o exercício do direito alargar-se-ia por 12 meses que acresceriam aos 30 dias iniciais (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 10.º).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota

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