sábado, 9 de agosto de 2025

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR


 MANTÉM O CONTRATO, AUMENTA O PREÇO, QUE COISA CHULA! “MOITA CARRASCO” QUE É PELO CASCO QUE SE VÊ A MULA…

 “Tenho, no apartamento em…, a Meo como operadora da Internet. O preço, no contrato, por 24 meses, era de € 43,95. A fidelização terminou em Junho e em Julho aparece-me uma factura de € 57,98 pelo mesmo serviço.

A Meo diz que como acabou a fidelização o valor daquele serviço passava a ser o normal enquanto eu não negociasse com ela outro valor.

Parece-me ilegal, pois mantendo-se o mesmo contrato a Meo não podia alterar unilateramente o montante a pagar sem me dar previamente conhecimento de que pretendia alterar o contrato.

Das cláusulas: “o contrato renova-se automaticamente, podendo o cliente denunciar o contrato em qualquer momento, após tal renovação, mediante pré-aviso máximo de 1 (um) mês relativamente à data de produção de efeitos da denúncia”.

Que se lhe afigura?”

 

Ante os factos, importa dizer:

 

1.    O preço é elemento essencial do contrato (Código Civil: art.º 874 e al. c) do art.º 879; Lei 24/96: al. c) do n.º 1 do art.º 8.º).

 

2.    O acréscimo do valor inicialmente acordado, por basilar, não poderá ocorrer sem prévia negociação: a iniciativa incumbe à empresa que não ao consumidor (cfr. por analogia o n.º seguinte).

 

3.    Se se tratasse de preço adicional:

 

“1 - Antes de o consumidor ficar vinculado pelo contrato ou oferta, o fornecedor… tem de obter o acordo expresso do consumidor para qualquer pagamento adicional que acresça à contraprestação acordada relativamente à obrigação contratual principal do fornecedor… .

2 - A obrigação de pagamentos adicionais depende da sua comunicação clara e compreensível ao consumidor, sendo inválida a aceitação pelo consumidor quando não lhe tiver sido dada a possibilidade de optar pela inclusão ou não desses pagamentos adicionais.

3 - …

4 - Incumbe ao fornecedor … provar o cumprimento do dever de comunicação estabelecido no n.º 2.

5 - O disposto… aplica-se à compra e venda, à prestação de serviços, aos contratos de fornecimento de serviços públicos essenciais de água, gás, eletricidade, comunicações eletrónicas e aquecimento urbano e aos contratos sobre conteúdos digitais. (Lei 24/96: artigo 9.º - A).

 

4.    Ademais, numa negociação dominada pela boa-fé, haveria que ter em conta a amortização dos equipamentos, razão por que os valores exigidos teriam de ser inferiores aos originais (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 9.º).

 

5.    Por acórdão de 14 de Novembro de 2013, pela pena do Conselheiro João Trindade, o Supremo Tribunal de Justiça decretara, aliás, de forma douta e congruente:

“V - Alegando a operadora que a fixação da cláusula de permanência mínima (cláusula penal de fidelização) é justificada pelos custos incorridos com as infra-estruturas para prestação do serviço e com os equipamentos entregues ao cliente, é a mesma desproporcionada se abarca, não apenas o período de fidelização inicial, em que tais custos foram recuperados, mas também o período de renovação automática subsequente.”

 

6.    A pretender manter o contrato, reclame, recuse-se a pagar a factura (com um acréscimo de mais de 30% em relação ao preço inicial) e exija, para além de eventual renegociação do preço, a redução do montante anteriormente satisfeito correspondente à amortização dos valores das infra-estrutras e dos equipamentos originais que se mantêm, aliás, sem alteração.

 

7.    Para além de se tratar de prática negocial desleal, de sua natureza enganosa, por omissão, a cobrança de valor superior ao devido é susceptível de fazer incorrer o infractor em crime de especulação passível de prisão e multa (DL 28/84: art.º 35).

 

EM CONCLUSÃO

 

a.    Contrato de comunicações electrónicas que se prorrogue, de harmonia com o seu clausulado, impõe à empresa encete negociações prévias com vista à redefinição do preço e eventualmente do teor dos serviços.

 

b.    Não é lícito à empresa estabelecer unilateralmente o preço, mormente se a sua revelação se fizer só e tão só no mês subsequente à prorrogação, à revelia dos interesses do cliente.

 

c.    Ao preço inicialmente acordado haverá que deduzir, por elementar, o valor da amortização das infra-estruturas e equipamentos que ocorreu durante a fidelização.

 

d.    Se o valor for superior, para o mesmo serviço, como no caso (+ 30%), sem a dedução exigível, a que acrescerá a inflação, se for o caso, o infractor comete, ao que se nos afigura, crime de especulação passível de prisão e multa.

 

 

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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