A 24 de Outubro de 2018, a Itália surpreende a própria Europa. A notícia ultrapassa fronteiras:
“A autoridade italiana da concorrência, com base no Código de Defesa do Consumidor, multa a Apple em 10 milhões € e a Samsung em 5 milhões € por "práticas comerciais desleais", ao forçarem os consumidores a realizar actualizações de software com afecção da vida útil dos telemóveis, encurtando-a.
As duas empresas sofreram a primeira sanção no mundo por "obsolescência programada": redução propositada da vida dos produtos para que o consumidor os substitua por novos modelos.”
A França, em 2020, aplicou de análogo modo uma multa de 25 milhões € à Apple por obsolescência programada, já que deixara os iPhones 6, 7 e SE mais lentos depois de actualizar o sistema operacional para versões 10.2.1 e 11.2.
Em razão de o sistema operacional haver tornado os dispositivos muito mais lentos, os consumidores foram forçados a substituir a bateria ou até os próprios aparelhos.
A obsolescência é crime de lesa-cidadania!
A obsolescência é crime contra a economia!
Obsolescência é “a qualidade de obsolescente ou obsoleto; do que está a cair em desuso, a tornar-se antiquado.”
A obsolescência programada é, por essência, a pré-determinação do ciclo de vida de um produto. Como se, ao nascer, se inscrevesse já, na sua matriz, a data precisa do seu passamento, do seu decesso.
Como se o produto, no momento do seu lançamento no mercado, se fizesse acompanhar já de uma certidão de óbito, com a data pré-definida do seu termo…
O jornalista André Rubim Rangel indagou-nos há dias, em entrevista a um jornal do Grande Porto:
“Este ano, numa crónica de jornal, escreveu sobre “a hipocrisia da sustentabilidade e a escassa durabilidade dos bens”. Quer explicar-nos do que se trata, sucintamente, e que desafios deixa?”
A resposta, sem rebuços:
“Se se ampliasse em 5 anos a vida de alguns produtos, poupar-se-ia 12 milhões de toneladas de equivalente CO2 com efeito estufa e, dessa forma, retirar-se-ia de circulação 15 milhões de veículos automóveis movidos a energias fósseis.
Em vez de uma garantia legal robusta, fixou-se em 2019 o mínimo em dois anos, cumprindo aos Estados-membros ampliá-la, a seu bel talante: 23 mantiveram-na; Suécia, Espanha e Portugal fixaram-na nos três anos; a Finlândia, manteve o “tempo útil de vida”. E Portugal? No terceiro ano, inverte o ónus: cabe ao consumidor o encargo da prova da não conformidade (a avaria, o vício, a pane, a inadequação entre o anunciado e o satisfeito) no momento da entrega do bem. É de uma “prova diabólica” que se trata: o consumidor não a consegue superar e a garantia de três reduz-se, com ínfimas excepções, a dois anos.
De cada vez que legisla, a Comissão Europeia promete rever a garantia por escassa. Não ousa, porém, fazê-lo. E cede escandalosamente perante o lóbi dos fabricantes. Hipocrisia ou fraqueza?”
A Europa surpreende-nos quando do Gabinete Europeu do Ambiente [European Environmental Bureau] se assevera convictamente que o tempo de vida útil de um ‘smartphone’, por forma a equacionar um relativo equilíbrio com os ciclos naturais e humanos de reposição de recursos, se deveria situar entre os 25 e os 232 anos.
A realidade, porém, é outra e bem distinta: a “vida útil” de um ‘smartphone’ não ultrapassa os 3 anos…
Não ousamos, como no Brasil (ainda com divergências entre autores), considerar que a garantia se afira pela vida útil do produto. Quando nem sequer há ali uma grelha técnica com a vida útil estimada.
Entre nós, ao invés, há como que uma definição ao estatuir-se na Lei da Compra e Venda de Consumo que
“o produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens… durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respetivo bem”.
A Directiva “Capacitação dos Consumidores”, por transpor, considera o óbvio: as práticas de obsolescência precoce, programada ou não, reflectem-se inexoravelmente no ambiente: provocam um excessivo acréscimo de resíduos e um significativo aumento de energia e de materiais.
A directiva em epígrafe estatui a proibição de se ocultar informação ao consumidor de que uma atualização de software terá um impacto negativo no funcionamento de bens com elementos digitais ou na utilização de conteúdos ou serviços digitais.
E dá outras provisões para que se “dê mais vida às coisas para dar mais vida à vida, afinal”!
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal

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