“Procurei-me aconselhar-me com uma pessoa que julgava saber destas coisas e o que me disse deixou-me meia desconfiada. Que agora não se pode pôr termo ao contrato em caso de qualquer avaria durante o período da garantia. Que ou se repara ou, se a reparação for demasiado cara, há no limite a troca do bem.
Para tirar as coisas a limpo, gostaria de saber se é realmente assim: é que a avaria deu-se-nos primeiros dias após a compra e já não tenho confiança na marca e, por isso, quero devolver o bem e receber de volta o dinheiro.”
Apreciada a questão, cumpre responder:
1. Ante uma qualquer não conformidade, eis o que diz a Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo:
“1 — Em caso de não conformidade do bem, …, o consumidor tem direito:
a) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem;
b) À redução proporcional do preço; ou
c) À resolução [extinção] do contrato.
2 — O consumidor pode escolher entre a reparação ou a substituição do bem, salvo se o meio escolhido para a reposição da conformidade for impossível ou, em comparação com o outro meio, impuser ao fornecedor custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo:
a) O valor que os bens teriam se não se verificasse a não conformidade;
b) A relevância da não conformidade; e
c) A possibilidade de recurso ao meio de reposição da conformidade alternativo sem inconvenientes significativos para o consumidor.
3 — O fornecedor pode recusar repor a conformidade dos bens se a reparação ou a substituição forem impossíveis ou impuserem custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias…
4 — O consumidor pode escolher entre a redução proporcional do preço, … , e a resolução [extinção] do contrato, …, caso:
a) O fornecedor:
i) Não tenha efectuado a reparação ou a substituição do bem;
ii) Não tenha efectuado a reparação ou a substituição do bem [nos 30 dias subsequentes e sem grave inconveniente para o consumidor];
iii) Tenha recusado repor a conformidade dos bens nos termos do número anterior; ou
iv) Tenha declarado, ou resulte evidente das circunstâncias, que não vai repor os bens em conformidade num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor;
b) A não conformidade tenha reaparecido apesar da tentativa do fornecedor de repor os bens em conformidade;
c) Ocorra uma nova falta de conformidade; ou
d) A gravidade da não conformidade justifique a imediata redução do preço ou a resolução [extinção] do contrato de compra e venda.
5 — …
6 — O consumidor não tem direito à resolução [extinção] do contrato se o fornecedor provar que a não conformidade é mínima.
7 — O consumidor tem o direito de recusar o pagamento de qualquer parte remanescente do preço ao fornecedor até que este cumpra os deveres previstos na lei.
8 — O disposto no número anterior não confere ao consumidor o direito à recusa de prestações que estejam em mora.
9 — …
10 —… (DL 84/2021: art.º 15)
2. Nos casos em que a não conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata … resolução [extinção] do contrato: é o denominado direito de rejeição (DL 84/2021: art.º 16).
3. Por conseguinte, se a não conformidade (o vício, a avaria, a deficiência…) se detectar nos primeiros 30 dias, pode desde logo pôr termo ao contrato, como indeclinável direito seu.
4. Não tem, pois, razão quem a informou que agora “não se pode pôr termo ao contrato em caso de qualquer avaria durante o período da garantia”.
5. A extinção [resolução] do contrato está ao seu alcance desde que comprovadamente se verifiquem os pressupostos da lei.
EM CONCLUSÃO
1. Em caso de não conformidade do bem com o contrato, o primeiro dos remédios é ou a reparação ou a substituição, que preferem a quaisquer outros (DL 84/2021: n,º 2 do art.º 15).
2. No entanto, em dadas circunstâncias é possível lançar mão da extinção do contrato como forma de se pôr termo à situação com que o consumidor se confronta (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 15)
3. Se a não conformidade ocorrer nos primeiros 30 dias pós-entrega, o consumidor pode pôr desde logo termo ao contrato com a devolução da coisa e a restituição do preço pago (DL 84/2021: art.º 16.º)
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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