sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

 


SEGUROS: ‘SIMULAR’ É UMA COISA,

COMUNICAR É OUTRA LOISA…

 

“Um contrato de seguro com cláusulas que nunca mais acabam; algumas que por não as entender exigem uma explicação.

No entanto, quando me entregaram a apólice, disseram-me contraditoriamente: “assine, está aí tudo, o resto procure no sítio da internet”…

Confusa porque, para além da extensão do conteúdo, fico em branco quando se trata de saber das coberturas e suas exclusões”.

 

Apreciada a questão, cumpre dizer o que segue:

1.    A Lei das Condições Gerais dos Contratos obriga, neste particular, as seguradoras a cumprir dois deveres essenciais: comunicar e informar.

 

2.    A comunicação tem de ser efectuada:

 

·         na íntegra

·         de modo adequado

·         com a antecedência necessária (atenta a sua extensão e complexidade) para que se torne possível o seu conhecimento pleno e efectivo (DL 446/85: art.º 5.º).

 

3.    A informação tem de ser séria, rigorosa, objectiva e adequada (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 8.º; DL 446/85: art.º 6.º).

 

4.    Se se omitir quer a comunicação quer a informação, as cláusulas consideram-se excluídas dos contratos singulares (DL 446/85: als. a) e b) do art.º 8.º).

 

5.    A lei, nestes casos, também estabelece os efeitos:

 

5.1.        Ou os contratos singulares se mantêm, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis (as que constam da Lei dos Contratos de Seguro) (DL 446/85: n.º 1 do art.º 9.º);

5.2.        Ou serão nulos quando, não obstante o recurso a tais elementos, ocorrer uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa- fé (DL 446/85: n.º 2 do art.º 9.º).

 

6.    Interessante e ilustrativo, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  8 Março de 2022 (Tibério Nunes da Silva)  que reza o seguinte:

“I - Estando apenas provado que, “por proposta subscrita pelo autor este declarou terem-lhe sido prestadas todas as informações relevantes para a subscrição do contrato de seguro celebrado, nomeadamente, as suas principais características, âmbito das garantias e exclusões”, que “o autor declarou terem-lhe sido explicadas e colocadas à disposição no ato da celebração, as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro, as quais também lhe serão entregues, em qualquer data, numa loja da tranquilidade”, “declarando, ainda, que tomou conhecimento que, para sua maior comodidade, as condições gerais e especiais aplicáveis se encontram, ainda, disponíveis, a todo o tempo, para consulta ou impressão no sítio da internet www.tranquilidade.pt”, não se encontra preenchido o dever de comunicação adequada de molde a que o autor/aderente ficasse em condições de se inteirar do conteúdo das clausulas contratuais gerais com a antecedência necessária.

II - Dos factos provados não resulta demonstrado, de forma inequívoca, que ao autor foi dado prévio conhecimento do teor das clausulas gerais a que aderiu, ou colocado em condições de se inteirar do seu conteúdo para, de forma esclarecida, subscrever o contrato de seguro.

III - A mera declaração do aderente confessando terem-lhe sido prestadas, pelo proponente, todas as informações relevantes para subscrever o contrato de seguro celebrado, não tem o efeito de desvincular a seguradora do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de comunicação integral das clausulas contratuais gerais, imposto pelas normas do art.º 5.º do DL 446/85.

…”

CONCLUSÃO

1.    Não basta uma cláusula do estilo (“o autor declarou terem-lhe sido explicadas e colocadas à disposição no ato da celebração, as condições gerais aplicáveis à apólice de seguro, as quais também lhe serão entregues, em qualquer data, numa loja da tranquilidade”) para se considerar regularmente celebrado um contrato de adesão.

2.    Tal não preenche nem o dever de comunicação nem o da informação que incumbe, no caso, à seguradora (DL 446/85: art.ºs 5.º e 6.º).

3.    Donde, a exclusão do clausulado (DL 446/85: als. a) e b) do art.º 8.º).

4.    E, eventualmente, a nulidade do contrato, se for o caso (DL 446/85: n.º 2 do art.º 9.º).

 

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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