(23 de Agosto de 2024)
Fugir com o ‘rabo à seringa’, lavando as mãos ‘à Pilatos’…
“Um folheto de um dos híper: entre outras ofertas, a de “leitão assado – cuvete 7,99 € / unid. – 500 g – 15,98 Kg”.
Desloquei-me, a mais de 4 Km. de casa, e “dei com o nariz na porta”: “aqui não vendemos; só no outro híper: o do Retail Park.”
No folheto, em letra microscópica: “os artigos… poderão não estar disponíveis em todas as lojas. Consulte as lojas aderentes em intermarche…”
Retail Park, a cerca de 14 Km: “Nós só vendemos o da tabela: leitão até 5 Kg. 28,99 €, acima de 6 Kg., 22,99 €…
O do folheto eclipsou-se. 36 Km a “apanhar bonés”…
Não é ‘mangar com o pagode’?”
Fugir com o ‘rabo à seringa’,
Lavando as mãos ‘à Pilatos’…
É como tragar uma pinga
Em uma malga p’ra gatos…
Eis o que se nos oferece dizer::
1. Informação é informação total: séria, rigorosa, objectiva e adequada (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 8.º).
2. “Não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao fornecedor que compete proporcionar-lhe condições para tal.” (STJ - 02.02.22: Cons.ª Clara Sotto Mayor)
3. Em conformidade com a Lei,
“São em absoluto proibidas … as [condições] gerais que: … se encontrem redigidas com um tamanho de letra inferior a 11 ou a 2,5 milímetros, e com um espaçamento entre linhas inferior a 1,15» (DL 446/85: al. i) do artigo 21).
4. A letra do folheto não obedece a tal: logo, é absolutamente proibida a condição geral ali aposta e a sua violação constitui contra-ordenação económica muito grave; tratando-se de grande empresa, a coima varia entre 24 000 e 90 000 € (DL 446/85: n.º 1 do artigo 34-A; DL 9/2021: sub. v, al. c) do art.º 18).
5. A publicidade-isco (ou chamariz) constitui prática comercial desleal (enganosa):
“São consideradas enganosas, em qualquer circunstância…: propor a aquisição de bens ou serviços a um determinado preço e, com a intenção de promover um bem ou serviço diferente, recusar posteriormente apresentar aos consumidores o bem ou o serviço publicitado.” (DL 57/2008: al. f) do art.º 8.º).
6. Contra-ordenação económica grave a decorrente de tal: para uma grande empresa, como no caso, coima de 12 000 a 24 000 € (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: v. al. b) do art.º 18).
7. A forma leviana como se publicita os produtos, dizendo-se, no que toca a preços, que os valores indicados podem não estar correctos “por erro tipográfico “, procurando daí lavar as mãos como Pilatos, reflecte bem a ausência de uma cultura empresarial de respeito pela dignidade do consumidor e pelas leis em vigor.
8. O consumidor deve lavrar o seu protesto no Livro de Reclamações (suporte papel ou formato electrónico) (DL 156/2005: art.ºs 4.º e 5.º B)
9. Competente para a instrução dos autos e para a aplicação das coimas é a ASAE – a autoridade reguladora do mercado em geral.
10. Pelos prejuízos decorrentes da deslocação – os 36 km - e pelos danos morais sofridos, competente é o Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo, no qual cumpre instaurar a acção indemnizatória correspondente.
EM CONCLUSÃO
a. A informação a dispensar pelo fornecedor ao consumidor tem de ser séria, rigorosa, objectiva e adequada (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 8.º)
b. Não é o consumidor que tem de ir em busca de informação complementar: é a empresa que tem de a prestar na íntegra (Lei 24/96: idem; n.º 1 do art.º 9.º)
c. As condições gerais dos contratos terão de obedecer ao tamanho mínimo de letra que a lei ora impõe (2,5 mm), sob pena de coima por contra-ordenação económica muito grave (DL 446/85: al. i) do art.º 21, n.º 1 do art.º 34-A)
d. A coima por contra-ordenação económica muito grave para uma grande empresa (250 ou mais…) é de 24 000 a 90 000 € (DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-A; DL 9/2021: sub. v, al. c) do art.º 18)
e. A prática adoptada para atrair consumidores e lhes impingir outro produto mais caro é desleal (DL57/2008: al. f) do art.º 8.º)
f. A contra-ordenação daí decorrente tem-se como grave e a coima situa-se entre os 12 000 e os 24 000 (grandes empresas) (DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. v, al. b) do art.º 18)
g. Reclamação deduzida no Livro respectivo (DL 156/2005: art.ºs 4.º e 5.º - B)
h. Recurso ao Tribunal Arbitral territorialmente competente em busca de indemnização pelos prejuízos sofridos (Lei 144/2015).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DOCONSUMO - Portugal
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