A DIRECTIVA ANTI-SLAPP
E SEUS PRESSUPOSTOS
(Directiva 2014/1069/EU, de 11 de Abril de 2014)
CONTINUAÇÃO
PARTE IV
(43) No contexto transfronteiriço, é igualmente importante reconhecer a ameaça das SLAPP de países terceiros que visam jornalistas, defensores dos direitos humanos e outras pessoas envolvidas na participação pública com domicílio na União. As SLAPP em países terceiros podem dar lugar a indemnizações excessivas impostas contra pessoas envolvidas na participação pública. Os processos judiciais em países terceiros são mais complexos e onerosos para os visados pelas SLAPP. A fim de proteger a democracia e o direito à liberdade de expressão e de informação na União, e evitar que as garantias previstas na presente directiva sejam comprometidas pelo recurso a processos judiciais noutras jurisdições, é importante assegurar protecção contra pedidos judiciais manifestamente infundados e abusivos contra a participação pública em países terceiros. Cabe aos Estados-Membros optar por recusar o reconhecimento e a execução de uma decisão judicial de um país terceiro por serem manifestamente contrários à ordem pública ou com base num motivo de recusa distinto.
(44) A presente directiva cria um novo critério especial de determinação da jurisdição, a fim de assegurar que os visados pelas SLAPP com domicílio na União dispõem de uma via de recurso eficaz na União contra processos judiciais abusivos contra a participação pública intentados num órgão jurisdicional de um país terceiro por um demandante com domicílio fora da União. Esse critério deverá aplicar-se independentemente de a decisão ter sido proferida ou de a decisão ser definitiva, uma vez que os visados pelas SLAPP podem sofrer danos ou incorrer em custos desde o início do processo judicial e, possivelmente, mesmo sem que tenha sido proferida nenhuma decisão, como em caso de desistência do pedido. No entanto, os Estados-Membros deverão poder decidir limitar o exercício da jurisdição enquanto o processo estiver pendente no país terceiro, em conformidade com o direito nacional, por exemplo, prevendo a suspensão do processo no Estado-Membro. Este critério especial de jurisdição permite que os visados pelas SLAPP com domicílio na União peçam, nos órgãos jurisdicionais do seu domicílio, uma indemnização pelos danos e custos incorridos ou razoavelmente previstos no âmbito do processo intentado perante o órgão jurisdicional do país terceiro. Este critério especial de jurisdição tem como objectivo dissuadir as SLAPP em países terceiros contra pessoas com domicílio na União e a decisão proferida nesse processo deverá poder ser aplicada, por exemplo, caso um demandante com domicílio fora da União possua bens na União. A disposição da presente directiva relativa a esse critério especial de jurisdição não deverá ter por objecto a lei aplicável nem o direito substantivo em matéria de indemnizações propriamente ditas.
(45) A presente directiva não deverá prejudicar a aplicação de convenções e acordos bilaterais e multilaterais entre um Estado terceiro e a União ou um Estado-Membro celebrados antes da data de entrada em vigor da presente directiva, incluindo a Convenção de Lugano de 2007, nos termos do artigo 351 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
(46) Os Estados-Membros deverão disponibilizar num único local, no chamado «balcão único», as informações sobre as garantias processuais, as medidas correctivas e as medidas de apoio existentes, a fim de proporcionar às pessoas visadas pelas SLAPP um acesso fácil e gratuito a informação específica que as possa ajudar a encontrar todas as informações relevantes. Habitualmente, as pessoas que são visadas pelas SLAPP sofrem graves repercussões financeiras, danos psicológicos e à sua reputação. Causar tais danos é um dos objectivos dos demandantes das SLAPP quando intentam processos judiciais abusivos contra a participação pública. Por conseguinte, as informações prestadas através do balcão único deverão incluir os mecanismos de apoio existentes, por exemplo, informações sobre as organizações e associações pertinentes que prestam assistência jurídica ou financeira e apoio psicológico aos visados pelas SLAPP. A presente directiva não define a forma desse balcão único.
(47) O objectivo da publicação das decisões judiciais pertinentes é sensibilizar para as SLAPP e disponibilizar fontes de informação sobre as mesmas aos tribunais, aos profissionais da justiça e ao público em geral. A publicação deverá respeitar o direito nacional e da União em matéria de protecção de dados pessoais e pode ser assegurada através de canais adequados, como as bases de dados judiciais existentes ou o Portal Europeu da Justiça. A fim de limitar os encargos administrativos, os Estados-Membros deverão ser obrigados, pelo menos, a publicar as decisões dos tribunais nacionais de recurso ou da mais alta instância.
(48) O tipo de dados a recolher pelos Estados-Membros nos termos da presente directiva, quando disponíveis, centra-se num número limitado de elementos-chave, como o número de processos judiciais abusivos contra a participação pública, classificados por tipos de demandados e demandantes, e os tipos de pedidos apresentados para instaurar esses processos judiciais. Estes dados são necessários para monitorizar a existência e o crescimento em número das SLAPP na União, fornecendo às autoridades e a outras partes interessadas informações para quantificar e compreender melhor as SLAPP e ajudá-las a prestar o apoio necessário aos visados pelas SLAPP. A disponibilidade de dados seria facilitada pela digitalização da justiça.
(49) A Recomendação (UE) 2022/758 da Comissão é dirigida aos Estados-Membros e prevê um conjunto abrangente de medidas, nomeadamente formação, sensibilização, apoio aos visados por processos judiciais abusivos contra a participação pública e recolha de dados, bem como comunicação e monitorização de processos judiciais intentados contra a participação pública. Ao elaborar um relatório sobre a aplicação da presente directiva, tendo igualmente em conta o contexto nacional de cada Estado-Membro, incluindo a aplicação da Recomendação (UE) 2022/758, a Comissão deverá elaborar um resumo separado do relatório, num formato facilmente acessível, que contenha informações essenciais sobre a utilização nos Estados-Membros das garantias previstas na presente directiva. A Comissão deverá publicar o relatório e o resumo através dos canais adequados, incluindo o Portal Europeu da Justiça.
(50) A presente directiva deverá aplicar-se sem prejuízo da protecção conferida por outros instrumentos do direito da União que estabeleçam regras mais favoráveis às pessoas singulares e colectivas envolvidas na participação pública. Em particular, a presente directiva não pretende reduzir nem restringir direitos como o direito à liberdade de expressão e de informação, nem pretende tão pouco prejudicar de modo algum a protecção oferecida pela Directiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho transposta para o direito nacional. No que respeita às situações abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente directiva e da Directiva (UE) 2019/1937, deverá aplicar-se a protecção oferecida por ambos os actos.
(51) As regras em matéria de competência judiciária e lei aplicável nos casos previstos nos Regulamentos (UE) n.º 1215/2012 e (CE) n.º 864/2007 poderão ser pertinentes nas SLAPP. Por conseguinte, é importante que qualquer futura revisão desses regulamentos avalie também os aspectos específicos das SLAPP quanto às regras em matéria de competência e lei aplicável.
(52) A presente directiva respeita os direitos fundamentais, a Carta, e os princípios gerais do direito da União. Assim, a presente directiva deverá ser interpretada e aplicada em conformidade com esses direitos fundamentais, nomeadamente o direito à liberdade de expressão e de informação, bem como os direitos a um recurso efectivo, a um tribunal imparcial e ao acesso à justiça. Ao aplicar a presente directiva, todas as autoridades públicas envolvidas deverão alcançar, em situações em que se verifique um conflito entre os direitos fundamentais pertinentes, um equilíbrio justo entre os direitos em causa, em conformidade com o princípio da proporcionalidade.
(53) Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo n.º 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo ao TUE e ao TFUE, a Dinamarca não participa na adopção da presente directiva e não fica a ela vinculada nem sujeita à sua aplicação.
(54) Nos termos do artigo 3.º do Protocolo n.º 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao TUE e ao TFUE, a Irlanda notificou por ofício de 6 de Julho de 2022 a sua intenção de participar na adopção e na aplicação da presente directiva.
(55) Atendendo a que os objectivos da presente directiva não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados-Membros, devido às diferenças entre os regimes jurídicos processuais nacionais, mas podem, devido ao facto de a presente directiva estabelecer normas mínimas comuns para as garantias processuais nacionais de natureza civil e comercial com incidência transfronteiriça, ser mais bem alcançados ao nível da União, a União pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.º do TUE. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente directiva não excede o necessário para alcançar esses objectivos…
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