quarta-feira, 12 de junho de 2024

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DOS DISTINTOS PODERES CONTRA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO


 A DIRECTIVA ANTI-SLAPP

E SEUS PRESSUPOSTOS

 

(Directiva 2014/1069/EU, de 11 de Abril de 2014)

 

CONTINUAÇÃO

PARTE III

 

(29) Os pedidos apresentados no âmbito de processos judiciais abusivos contra a participação pública podem ser tanto totalmente infundadas como sê-lo apenas parcialmente, o que significa que uma acção não tem necessariamente de ser totalmente infundada para que o processo seja considerado abusivo. Por exemplo, a violação, mesmo de importância menor, de direitos de personalidade que possa dar azo a um pedido de indemnização por perdas e danos modesto nos termos da legislação aplicável, pode ainda assim ser abusivo, caso se solicite uma indemnização ou uma medida correctiva manifestamente excessivas. Por outro lado, se os demandantes em processos judiciais intentarem acções que sejam fundamentadas, os processos não deverão ser considerados abusivos para efeitos da presente directiva.

(30) Quando as SLAPP têm uma dimensão transfronteiriça, a complexidade e os desafios para os demandados aumenta, uma vez que estes têm de fazer face a processos noutras jurisdições, por vezes em várias jurisdições ao mesmo tempo. Por sua vez, tal resulta em custos e encargos adicionais, com consequências ainda mais negativas. Deverá considerar-se que uma questão tem incidência transfronteiriça a menos que ambas as partes estejam domiciliadas no mesmo Estado-Membro que o tribunal em que foi intentada a acção e todos os outros elementos pertinentes para a situação em causa estejam localizados nesse Estado-Membro. Cabe ao tribunal determinar os elementos pertinentes para a situação em causa em função das circunstâncias particulares de cada caso, tendo em conta, por exemplo, se for caso disso, o ato específico de participação pública ou os elementos específicos que indicam um possível abuso, em especial quando são instaurados vários processos em mais do que uma jurisdição. Essa determinação pelo tribunal deverá ser levada a cabo independentemente dos meios de comunicação utilizados.

(31) Os demandados deverão poder requerer as seguintes garantias processuais: uma caução para cobrir as custas do processo, e, se for caso disso, para cobrir eventuais indemnizações, o indeferimento liminar de pedidos manifestamente infundados, e medidas correctivas, a saber, a condenação em custas e sanções ou outras medidas adequadas que se mostrem igualmente eficazes. Tais garantias processuais deverão ser aplicadas em conformidade com o direito a um recurso efectivo e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.º da Carta, dando-se ao tribunal discricionariedade, em casos específicos, para analisar devidamente a questão em apreço, permitindo assim o indeferimento célere de pedidos manifestamente infundados sem restringir o acesso efectivo à justiça.

(32) Os Estados-Membros deverão assegurar que todas as garantias processuais previstas na presente directiva estejam à disposição das pessoas singulares ou colectivas contra as quais tenham sido intentadas acções judiciais devido ao seu envolvimento na participação pública e que o exercício dessas garantias não seja indevidamente onerante. Cabe ao direito nacional estabelecer ou manter as regras específicas de procedimento, a forma e os métodos como o órgão jurisdicional ao qual foi submetida a questão deverá tratar os pedidos de garantias processuais. Por exemplo, os Estados-Membros poderão aplicar as normas processuais civis em vigor em matéria de tratamento de elementos de prova, a fim de avaliar se estão reunidas as condições para a aplicação das garantias processuais, ou poderão estabelecer normas específicas a esse respeito.

(33) A fim de assegurar que os pedidos de prestação de caução e indeferimento liminar sejam tratados com celeridade, os Estados-Membros podem fixar prazos para a realização das audiências ou para que o tribunal tome uma decisão. Podem também adoptar regimes semelhantes aos procedimentos relativos às medidas cautelares. A fim de concluir o processo o mais rapidamente possível, os Estados-Membros deverão, nos termos do seu direito processual nacional, empenhar-se para assegurar que, caso o demandado tenha pedido medidas correctivas ao abrigo da presente diretiva, a decisão sobre essa aplicação seja tomada com celeridade, nomeadamente recorrendo aos procedimentos já existentes ao abrigo do direito nacional para o tratamento acelerado.

(34) Em alguns processos judiciais abusivos contra a participação pública, os demandantes retiram ou alteram deliberadamente acções ou articulados a fim de evitar que a parte vencedora seja ressarcida das custas. Essa táctica jurídica poderá, em alguns Estados-Membros, deixar o demandado sem a possibilidade de ser reembolsado das custas do processo. Por conseguinte, tais retiradas ou alterações, se estiverem previstas no direito nacional, e sem prejuízo do poder das partes para dispor sobre o processo, não deverão afectar a possibilidade de o demandado pedir medidas correctivas contra processos judiciais abusivos contra participação pública, em conformidade com o direito nacional. Tal não prejudica a possibilidade de os Estados-Membros preverem que as garantias processuais possam ser utilizadas oficiosamente.

(35) A fim de proporcionar um nível de protecção mais eficaz, as associações, as organizações, os sindicatos e outras entidades que, de acordo com os critérios estabelecidos no respectivo direito nacional, tenham um interesse legítimo em salvaguardar ou promover os direitos das pessoas envolvidas na participação pública, deverão poder apoiar o demandado em processos judiciais intentados relativamente à participação pública, com a aprovação do demandado. Esse apoio deverá poder garantir que, nesses processos, se possam fazer valer os conhecimentos especializados específicos dessas entidades, contribuindo, deste modo, para que o tribunal possa avaliar se um processo é abusivo ou se um pedido é manifestamente infundado. Poderá, por exemplo, assumir a forma de prestação de informações relevantes para o processo, intervenção a favor do demandado no processo judicial ou qualquer outra forma prevista no direito nacional. As condições em que as ONG poderão apoiar o demandado e os requisitos processuais para a prestação de tal apoio, designadamente, quando relevante, os prazos, deverão ser regidos pelo direito nacional. Tal deverá aplicar-se sem prejuízo dos direitos de representação e intervenção existentes garantidos por outras normas da União ou nacionais. Os Estados-Membros que não disponham de critérios relativamente a interesses legítimos, podem aceitar que as entidades em geral possam apoiar o demandado em conformidade com a presente directiva.

(36) A fim de proporcionar ao demandado uma garantia adicional, deverá ser possível exigir uma caução para cobrir as custas estimadas do processo, que podem incluir as despesas de representação legal incorridas pelo demandado e, se previsto no direito nacional, a indemnização estimada. No entanto, é necessário encontrar um equilíbrio entre essa medida e o direito de acesso à justiça do demandante. O órgão jurisdicional chamado a pronunciar-se deverá poder considerar adequado que o demandante preste caução se existirem elementos que indiciem que o processo é abusivo ou se existir o risco de o demandado não ser reembolsado, ou considerando a situação económica das partes ou outros critérios deste tipo estabelecidos no direito nacional. Exigir uma caução não implica uma decisão judicial quanto ao mérito do caso, mas serve de medida cautelar para garantir os efeitos de uma decisão final que determine a existência de um abuso processual e que cubra as custas e, se previsto no direito nacional, os potenciais danos causados ao demandado, em especial se existir algum risco de danos irreparáveis. Deverá caber aos Estados-Membros decidir se o tribunal deve ordenar uma caução por iniciativa própria ou a pedido do demandado. Sempre que o direito nacional assim o preveja, deverá ser possível exigir que seja prestada caução em qualquer fase do processo judicial.

(37) A decisão que concede um indeferimento liminar deverá ser uma decisão quanto ao mérito, tomada após uma análise adequada. Os Estados-Membros deverão adoptar novas normas ou aplicar as normas já previstas no direito nacional, de modo a que o órgão jurisdicional possa decidir indeferir pedidos manifestamente infundados logo que receba as informações necessárias para fundamentar a decisão. Esse indeferimento deverá ter lugar na fase mais incipiente possível do processo, mas pode ocorrer em qualquer fase deste, em função do momento em que o tribunal tenha recebido as referidas informações, nos termos do direito nacional. A possibilidade de conceder um indeferimento liminar não obsta à aplicação das normas nacionais que permitam aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar a admissibilidade de uma ação mesmo antes do início do processo.

(38) Se o demandado tiver pedido o indeferimento do pedido por este ser manifestamente infundado, o órgão jurisdicional deverá tratar o pedido com celeridade, nos termos do direito nacional, para agilizar a avaliação do carácter manifestamente infundado do pedido, tendo em conta as circunstâncias específicas do processo.

(39) Em consonância com os princípios gerais do processo civil, incumbe ao demandante que intenta uma acção contra uma pessoa singular ou colectiva envolvida na participação pública o ónus da prova de que o pedido é fundado. Se o demandado tiver pedido um indeferimento liminar, o demandante, a fim de evitar um indeferimento liminar, deverá ter de fundamentar o pedido pelo menos de forma a permitir ao tribunal concluir que este não é manifestamente infundado.

(40) As decisões de provimento dos pedidos de indeferimento liminar deverão ser passíveis de recurso. As decisões de não provimento dos pedidos de indeferimento liminar poderão ser também passíveis de recurso, em conformidade com o direito nacional.

(41) Caso o tribunal considere que o processo é abusivo, as custas deverão incluir todos os tipos de custas do processo relativamente às quais o direito nacional preveja a possibilidade de condenação, inclusive as despesas totais da representação legal incorridas pelo demandado a não ser que sejam excessivas. Caso o direito nacional não preveja a condenação na totalidade das despesas de representação legal que excedam o que está previsto nas tabelas legais de honorários, os Estados-Membros deverão assegurar que o demandante suporte integralmente essas despesas por outros meios previstos no direito nacional. No entanto, as despesas totais de representação legal não deverão ser atribuídas se forem excessivas, por exemplo, se tiverem sido acordados honorários desproporcionais. O tribunal deverá tomar as decisões sobre custas em conformidade com o direito nacional.

(42) O principal objectivo de dar aos órgãos jurisdicionais a possibilidade de aplicar sanções ou outras medidas adequadas igualmente eficazes é dissuadir potenciais demandantes de instaurarem processos judiciais abusivos contra a participação pública. Outras medidas adequadas, incluindo o pagamento de uma indemnização por danos ou a publicação da decisão judicial, quando previstas no direito nacional, deverão ser tão eficazes como sanções. Se o tribunal tiver considerado que o processo é abusivo, essas sanções ou outras medidas adequadas igualmente eficazes deverão ser determinadas caso a caso, deverão ser proporcionais à natureza do abuso identificado e aos elementos que o indicam e deverão ter em conta o potencial efeito prejudicial ou dissuasor desse processo na participação pública ou na situação económica do demandante que se aproveitou do desequilíbrio de poder. Cabe aos Estados-Membros decidir como deverão ser pagos os montantes monetários.

(continua)

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