sexta-feira, 24 de maio de 2024

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

 


(edição semanal regular: 24 de Maio de 2024)

 

UM SEGURO COMO PRESSUPOSTO DA GARANTIA

É COISA QUE DE HÁ MUITO NÃO SE VIA…

 

 “Soube que uma das lojas do Fórum Coimbra obriga a um contrato de seguro para activar a garantia dos bens de consumo que comercializa.

A garantia está condicionada à celebração de um seguro com o prémio anual igual ao do valor do produto.

Esta exigência é legal?”

  

1.    A garantia legal não carece de “estímulos”: é inerente, no caso, aos bens de consumo, tal como a Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo – LCVBC - o estabelece.

 

1.1.        A garantia legal é, recorde-se, de três anos (DL 84/21: n.º 1 do art.º 12).

1.2.        Garantia legal que recobre tanto os bens novos como os recondicionados e ainda os usados (DL 84/21: n.º 3 do art.º 12).

1.3.        Os usados, por acordo entre partes, poderão ter uma redução de garantia, não inferior, porém, a 18 meses (DL 84/21: Idem).

 

2.    A garantia contratual (que se diz, com impropriedade, na lei: “comercial”) acresce à legal: e pode ser gratuita ou onerosa (DL 84/21: art.º 43).

     3.    Não se deve confundir, porém, a ‘garantia contratual’ com um qualquer seguro cujo intermediário seja ou não a empresa que comercializa o produto: um seguro é um seguro, contrato acessório que os consumidores são, quantas vezes, aliciados a celebrar, e nada mais que isso,  convictos de que se trata, em geral, de uma extensão da  garantia, o que é, a todos os títulos, falacioso (DL 72/2008: em geral).

         4.    A garantia legal é imperativa (isto é, não pode ser arredada por simples vontade dos contraentes) e não admite nem cedências nem renúncia (DL 84/21: n.º 1 do art.º 51).

         5.    E, para além das cláusulas abusivas que o contrato possa conter e se analisarão à luz do Regime Jurídico das Condições Gerais dos Contratos, a lei é explícita ao referir, no n.º 1 do assinalado artigo 51, sob a epígrafe ”imperatividade”, o que segue:

“1 — Sem prejuízo do regime das [condições gerais dos c0ntratos], é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente decreto-lei.”

6.    A prática comercial que consiste em fazer depender a outorga da garantia legal de um contrato de seguro é agressiva e constitui ilícito de mera ordenação social, qualificado como grave, sendo que as coimas se situam no leque de:

 

·        Micro-empresa – de 1 700 a 3 000 €;

 ·        Pequena empresa – de 3 000 a 8 000 €

 ·        Média empresa  -  de 8 000 a 16 000 €

 ·        Grande empresa – de 12 000 a 24 000 €

 

 (DL 57/2008: al. h) do art.º 12, n.º 1 do art.º 21; DL 9/21: subal. V, al. b) do art.º 18 e al. d) do n.º 1 do art.º 19).

7.    O consumidor lesado deve lançar mão do Livro de Reclamações (físico ou electrónico) para nele lavrar o seu justificado protesto (DL 156/2005: art.º 4.º)

 

 EM CONCLUSÃO

a.     A garantia dos bens de consumo emerge directamente da lei e não está dependente de um qualquer impulso ou requisito suplementar “sina qua non” (cfr. ponto 1 supra).

 b.    A garantia contratual (que a lei cognomina como ‘comercial’) acresce à legal (não a substitui) e pode ser gratuita ou onerosa (cfr. ponto 2 supra).

 c.     A exigência da celebração de um seguro de que dependerá a garantia, para além de se tratar de cláusula abusiva e, por conseguinte, em concreto nula, constitui prática negocial agressiva, a que correspondem sanções de natureza contra-ordenacional (cfr. pontos 4 e 5 supra).

 d.    Um seguro, como eventual contrato acessório, não se confunde com uma qualquer extensão da garantia, porque é só isso e não mais que isso: “um seguro” (cfr. ponto 3 supra).

 e.    A grelha das coimas inerentes às contra-ordenações económicas graves, como no caso, é a constante do precedente ponto 6 e gradua-se em função da dimensão da empresa (cfr. ponto 6 supra).

 f.      Impõe-se, na circunstância, o recurso ao Livro de Reclamações para nele se lavrar a indispensável denúncia (cfr. ponto 7 supra).

 Tal e, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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