1. Responsabilidade contratual
2. Responsabilidade extracontratual
3. Responsabilidade paracontratual
Em sistematização que entendemos adequar-se às situações do quotidiano, sob a óptica da natureza das relações subjacentes, é possível descortinar-se na inexecução – na mora, no cumprimento defeituoso ou no incumprimento de um contrato de compra e venda ao domicílio – um caso típico de responsabilidade contratual.
Se, porém, no decurso de uma visita exploratória a um híper ou supermercado, uma gondola desabar sobre um consumidor e lhe provocar lesões corporais, independentemente da gravidade, a responsabilidade emergente é de sua natureza extracontratual. Ou ainda se, na sequência de uma tal visita, se expuser a um vexame em razão de uma ostensiva revista da mala ou de um saco.
“Cour de Cassation” (Supremo Tribunal francês)
Aresto de 20 de Setembro de 2017
Cass. 1e civ. 20-9-2017 n° 16-19.109 F-D
Um estabelecimento tem uma obrigação geral de segurança de resultado para com seus clientes.
Pela primeira vez, a Cour de Cassation (o Supremo Tribunal francês) impõe a um estabelecimento comercial, por ocasião da queda de um cliente, uma obrigação geral de segurança de resultado com base no princípio da segurança geral de produtos e serviços decorrente do Código do Consumidor.
Nos termos do antigo artigo L 221-1 do Código do Consumidor, agora artigo L 421-3, os produtos e serviços devem apresentar, em condições normais de utilização ou outras condições razoavelmente previsíveis pelo profissional, a segurança que legitimamente se pode esperar e isso não pode prejudicar a integridade física e a saúde das pessoas.
Com base nessa disposição, o Supremo Tribunal Francês, por acórdão de 20 de Setembro de 2017, determinou que uma empresa de distribuição deve a seus clientes uma obrigação geral de segurança de resultado.
Assim, censurou a decisão do tribunal de apelação que denegara razão ao demandante em acção de indemnização instaurada por um consumidor que caíra sobre um tapete antiderrapante colocado à frente de uma prateleira de supermercado, fundamentando que o referido artigo L 221-1 não estabelece qualquer regime de responsabilidade independente que permita à vítima pedir uma indemnização.
(Un magasin a envers sa clientèle une obligation générale de sécurité de résultat
Pour la première fois, la Cour de cassation met à la charge d'un magasin, à l'occasion de la chute d'un client, une obligation générale de sécurité de résultat fondée sur le principe de sécurité générale des produits et services issu du Code de la consommation.
Aux termes de l’ex-article L 221-1 du Code de la consommation, devenu l’article L 421-3, les produits et les services doivent présenter, dans des conditions normales d'utilisation ou dans d'autres conditions raisonnablement prévisibles par le professionnel, la sécurité à laquelle on peut légitimement s'attendre et ne pas porter atteinte à la santé des personnes.
Sur le fondement de cette disposition, la Cour de cassation juge qu’une entreprise de distribution est débitrice à l’égard de la clientèle d’une obligation générale de sécurité de résultat.
Elle a donc censuré la décision d’une cour d’appel qui avait rejeté l’action en réparation d’un consommateur ayant chuté sur un tapis antidérapant placé devant un rayon d’un supermarché au motif que l’article L 221-1 précité n’instaure aucun régime de responsabilité autonome permettant à une victime de solliciter des dommages-intérêts.)
Outrotanto, a título de exemplo, se o consumidor esbarrar numa superfície vítrea não assinalada e se ferir em resultado de tal.
Como, aliás, ocorreu a semana passada com uma aluna do ensino secundário de uma Escola Oficial de Seia que pereceu em resultado do acidente.
RESPONSABILIDADE PARACONTRATUAL
É susceptível de se lobrigar uma responsabilidade protocontratual ou paracontratual em determinadas hipóteses quando é lícita a acção directa por lei conferida, como no quadro das garantias e dos meios facultados ao consumidor directamente contra o produtor:
É que tal constitui excepção à eficácia inter partes do contrato subjacente à transacção (efeito externo das obrigações emergentes do contrato)
“Artigo 40.º
Responsabilidade directa do produtor
1 - Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o profissional, o consumidor que tenha adquirido um bem, conteúdo ou serviço digital que apresente uma falta de conformidade pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado, tendo em conta o valor que o bem, conteúdo ou serviço digital teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.
2 - O produtor pode opor-se ao exercício dos direitos pelo consumidor caso:
a) A não conformidade resulte exclusivamente de declarações do profissional sobre o bem, conteúdo e serviço digital e sua utilização, ou de má utilização;
b) Não tenha colocado o bem, conteúdo ou serviço digital em circulação;
c) Possa considerar-se, tendo em conta as circunstâncias, que a não conformidade não existia quando colocou o bem, conteúdo ou serviço digital no mercado;
d) Não tenha produzido o bem, conteúdo ou serviço digital nem para venda ou fornecimento, nem para qualquer outra forma de distribuição com fins lucrativos, ou não o tenha fabricado ou distribuído no quadro da sua actividade profissional; ou
e) Tenham decorrido mais de 10 anos sobre a colocação do bem, conteúdo ou serviço digital no mercado.
3 - No caso de bens recondicionados, e para efeitos do disposto no n.º 1, o consumidor apenas pode exigir directamente do produtor a sua reparação ou substituição nos casos em que o produtor seja o responsável pelo recondicionamento do bem.
4 - O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável com o produtor perante o consumidor, sendo-lhe igualmente aplicável o número anterior.”
Outro tanto no que se prende com a longevidade dos produtos, tal como decorre da Lei-Quadro de defesa do Consumidor (n.º 5 do artigo 9.º) e Lei das Garantias dos Bens de Consumo [DL 84/2021, de 18 de Outubro – art.º 21]:
“O consumidor tem direito à assistência após a venda, com incidência no fornecimento de peças e acessórios, pelo período de duração média normal dos produtos fornecidos.”
E na Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021 estabeleceu a regra, sob a epígrafe “serviço pós-venda e disponibilização de peças”, segundo a qual:
“… o produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respectivo bem.
[tal] obrigação … não é aplicável a bens cuja obrigatoriedade de disponibilização de peças esteja prevista em regulamentação da União Europeia…, a qual prevalece, nem a bens perecíveis ou cuja natureza seja incompatível com [um tal] prazo.
No caso de bens móveis sujeitos a registo [o automóvel, p. e.], o profissional deve, [durante 10 anos], garantir a assistência pós-venda em condições de mercado adequadas.
[Aquando da] celebração do contrato, o fornecedor deve informar o consumidor da existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável e, no caso dos bens móveis sujeitos a registo, da existência e duração do dever de garantia de assistência pós-venda.”
As obrigações reciprocas vinculam tanto o fornecedor quanto o produtor.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:
Enviar um comentário