Breve resenha do índice de reclamações do segmento que mais fustiga os consumidores em Portugal:
Em 2021 as reclamações deduzidas perante a Autoridade Nacional das Comunicações somaram 128 500.
Em 2022 operou-se uma redução: 109 700.
Em 2023 (I sem.tre) os valores atingem já 54 100.
Há que não esquecer as cifras negras (as dos que reclamam pelo telefone ou verbalmente nas lojas e cujos registos não figuram em tal cômputo).
Talvez se possa estimar esse fluxo de reclamações em número superior aos dos registos.
Em 2022, os métodos de contratação dominaram as reclamações e foram o único ponto a padecer de significativo acréscimo: 20 mil reclamações sobre os procedimentos negociais.
As principais reclamações fundam-se em processos pouco transparentes e práticas contratuais ilícitas, provocadas quiçá pelo intuito de amarrar os consumidores a contratos de longa duração, ainda que vinculados aos concorrentes.
Destaque para activação de serviços sem consentimento, fundamento de reclamação que, aliás, mais aumentou contra a NOS e a MEO.
As reclamações acerca da impossibilidade de vedar a activação automática de pacotes de dados móveis ocupam o segundo lugar e, como actor principal, a VODAFONE.
Não se esqueça que o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 02 de Fevereiro de 2022, condenou a Vodafone por comunicações activadas sem expressa solicitação dos consumidores: o montante indemnizatório estima-se em 4 mil milhões de euros, reportados a quatro anos de práticas ilícitas perpetradas pela empresa.
No que tange aos contratos celebrados por telefone, mormente por iniciativa das operadoras, os atropelos à lei são manifestos:
Um simples telefonema
A enredar ignorantes
É a bandeira, é o lema
Destes ‘hábeis’ con ‘tratantes’…
Atente-se: telefonema da MEO, uma simpática brasileira como interlocutora, conversa amena sobre a pretensa “renovação do contrato”…
O cidadão surpreende-se, Dá-se conta de que, para além de outros ‘mimos’, a empresa entendera “renovar o contrato desde 2020”, numa ofensa sem precedentes a regras elementares, sem expresso consentimento do consumidor, dispondo-se a apresentar agora novas condições de uma (re)refidelização.
Eis que o consumidor ousa pedir as condições da oferta para as confrontar com as da concorrência e ajuizar da sua conveniência em contratar.
Que não, peremptoriamente, não! Teria de as aceitar verbalmente de imediato e só se expediria ulteriormente o clausulado por correio virtual.
Lei das Condições Gerais dos Contratos (art.º 5.º):
“1 - As ‘condicões gerais dos contratos’ devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.”
Há, desde logo, clara violação do preceito.
Lei dos Contratos à Distância (n.º 8 do art.º 5.º), por força do n.º 1 do art.º 121 da Nova Lei das Comunicações Electrónicas:
“Quando o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito à [empresa]”.
Logo, nestas circunstâncias, nem sequer há contrato. A simples aceitação oral não vincula, não obriga, não procede.
Mas é essa a prática do antigo monopólio… e de outros mais.
Trata-se de manifesto desrespeito pelos consumidores e pela lei que rege as relações jurídicas neste domínio. Tem de haver consentimento expresso por escrito: livre, esclarecido e ponderado.
Mas a MEO talvez aja assim porque é mais fácil fazer crer ao consumidor que fica logo ‘amarrado’ ao contrato, que não poderá “romper”, do que lhe conferir a hipótese de aceder às ofertas da concorrência, num esforço para se proteger e à sua bolsa.
Quando, mesmo depois do consentimento expresso, ao consumidor se concedem 14 dias para reflectir e se retractar (dar o dito pelo não dito) se tal constar do clausulado. E, se de todo não constar, disporá de 12 meses que acrescem aos 14 dias iniciais… para se “desamarrar de todo” do contrato em que o querem enredar!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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