sexta-feira, 22 de setembro de 2023

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR


(Diário ‘As Beiras’, Coimbra, 22 de Setembro de 2023)

“Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?!”

 

De uma consumidora de Alenquer:

“A oficina recusa-se a reparar uma avaria que provocou. Em vésperas de inspecção, pedi que colocassem um espelho no veículo. Ficou mal colocado. O vidro agora não desce todo. Só até meio... Ninguém mexeu no interior da porta. A oficina não assume a responsabilidade. E até o espelho, que comprei como novo, é usado e tem riscos… O que posso fazer, já que recorri a uma tal “D…”  que me  diz que tenho de me entender com a oficina? A oficina já nem o telefone me atende!”

 É que a reparação

Tem também uma  garantia

São 3 anos sem excepção

E sem qualquer ‘amnistia’…

 

1.    Afigura-se-nos que se está primacialmente perante uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação a cargo da oficina de reparação automóvel.

 2.    “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (Código Civil: art.º 798).

 3.    No entanto, a Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 2021, em cujo corpo se consagra a garantia das coisas móveis e imóveis, define:

“O presente [regime] aplica-se aos bens [reparados] no âmbito de um contrato de prestação de serviços”(DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do seu art.º 3.º).

4.      De harmonia ainda com o que nela se dispõe:

“o profissional é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.” (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12): 3 anos, pois, de garantia em resultado do serviço prestado.

5.      Perante a recusa do prestador de serviço em repor a conformidade do bem por meio da reparação, é lícito à consumidora pôr termo ao contrato, expedindo  notificação nesse sentido e exigindo a restituição do montante pago (DL 84/21: iii al. a) do n.º 4 do art.º 15; ).

 6.      O direito de pôr termo ao contrato (de o resolver, como diz a lei) exerce-se mediante declaração dirigida ao profissional em que se transmite um tal propósito: por carta, correio electrónico ou qualquer outro meio susceptível de prova (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 20).

 7.      O que  obriga, no caso,  a oficina a reembolsar, em 14 dias, o consumidor do preço pago pela reparação não conforme (DL 84/2021: n.º 6 do art.º 20).

 8.      Se o montante do preço pago não for devolvido em 14 dias, comete o profissional um ilícito de mera ordenação económica grave cuja coima vai de € 1.700 a € 3.000 por se tratar, no caso, de uma micro-empresa (menos de 10 trabalhadores), susceptível de variar, pois, consoante a dimensão da empresa (DL 84/21: n.º 6 do art.º 20; al. e) do n.º 1 do art.º 48).

 9.      A reclamação perante a recusa da oficina deduzir-se-á no Livro de Reclamações disponível na empresa ou em suporte electrónico (DL 156/2005: art.º 4.º)

 10.  Se a oficina, entretanto, resistir à pretensão da consumidora, e não houver hipótese outra de solucionar o diferendo, é de recorrer ao Tribunal de Conflitos de Consumo de Lisboa, solicitando a reparação dos prejuízos materiais e morais em que tiver incorrido (Lei 63/2019: art.º 3.º).

EM CONCLUSÃO

a.     É de cumprimento defeituoso que se trata, o que impõe ao devedor (oficina) a obrigação de reparar o prejuízo causado (Código Civil: art.º 798).

 b.    No entanto, a Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo, em vigor, aplica-se não só à compra e venda como a outras modalidades contratuais, designadamente ao contrato de prestação de serviços (DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º).

 c.     A reparação goza, pois, de análogo modo, da garantia de três anos (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12).

 d.    Se a reparação for recusada após serviço defeituoso, há que pôr termo ao contrato com a restituição do preço pago (DL84/2021: iii al. a) do n.º 4 do artigo 15)

 e.    Restituição em 14 dias sob pena de contra-ordenação económica grave, no caso (micro-empresa), de € 1.700 a  € 3.000 (DL 84/2001: e) do n.º 1 do art.º 48).

 f.     A reclamação deduzir-se-á no Livro respectivo (DL 156/2005: art.º 4.º).

 g.    No limite, recurso ao Tribunal Conflitos de Consumo de Lisboa para se dirimir o litígio (Lei  24/96: n.º 2 do art.º 14).

 

 Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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