segunda-feira, 5 de junho de 2023

QUEM CALA JÁ NÃO CONSENTE, DIZ A LEI COM TAL FRAGOR…


(artigo rejeitado pel’ ‘as Beiras’, diário publicado em Coimbra e em que colaboramos há um ror de anos, a pretexto de que a sua linha editorial não permite artigos em verso. Dada a sua utilidade e actualidade, não queremos deixar de o dar à estampa nos nossos suportes: este artigo deveria ter saído hoje, data da nossa colaboração mensal em tema de “consumidores somos todos nós”)

 

Quem cala já não consente

Diz a lei com tal fragor

Que só nisso é que dissente

Quem ‘confunde’ o consumidor…

 

Em artigos de opinião é costume nosso abordar temas genéricos ou específicos sem particularizações.

Desta feita, ante o despudor com que circula, um pouco por toda a parte, emoldurada, uma ínvia opinião veiculada pela subsidiária de uma multinacional belga com visos de afronta ao ordenamento jurídico pátrio, entendemos dar expressão a uma íntima revolta, em verso, na convicção de que os editores nos não vedem a forma singular adoptada.

É que… a Deco-Proteste, Lda. (uma sociedade mercantil que alardeia ostensivamente, entre nós, o estatuto de  associação de consumidores, que, aliás, jamais possuiu, sem que as autoridades, “maxime” o Ministério Público, reprimam um tal embuste de que lhe advêm acrescidas vantagens) tem para aí a circular, em distintos restaurantes, “informação” havida como veraz, a propósito do “couvert” (é assim que a lei o designa), em que, afinal e de forma resumida, assevera com ‘funda’ convicção:

quem cala, consente, quem trinca, consente mais, e não poderá reclamar, quando detetar na conta, as entradas que não pediu.”

Será assim, pergunta-se? E de todo o não é, quanto é de nosso parecer, numa fidedigna interpretação da lei.

Daí que houvéssemos pretendido dissipar as dúvidas de uma forma singular, como se fora um vulgar artigo de opinião, ainda que em verso.

Da lei:

Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.” (DL 10/2015: n.º 3 do art.º135).

Aliás, em decorrência de um princípio plasmado na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em sede de “protecção dos interesses económicos do consumidor” (n.º 4 do art.º 9.º):

 O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

E, na sequência, um outro preceito e correspondentes cominações em termos de ilícito de mera ordenação social (DL 24/2014: art.º 28):

“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.”

Ora, ponderemos…

 

Direitos do Consumidor,

Direitos do quotidiano!

Só com adequado rigor

Se cumpre dever mediano

 

Consumidor nesta terra

É fardo  que não se aceita

Antes mobilizado p’rá guerra

Que aturar esta ‘seita’…

 

Não há pena mais cruel

Nem destino mais atroz

Que instituição infiel

A ‘abafar-nos’ a voz

 

Reparem, pois, na blasfémia

Que é ter as leis a favor

E com uns graus de alcoolémia

“Turvar-se” o consumidor

 

Não há embuste maior

Nem patranha mais abjecta

Que enredar o consumidor

Numa fraude  tão completa

 

É nisso que de há muito investe

Esta ‘sonsa’ empresa belga,

Que como Deco-Proteste

Tem os ‘trejeitos’ de melga…

 

Como empresa, visa o lucro

Espezinha o  consumidor

E neste lúgubre sepulcro

Vai-lhe infligindo mais dor…

 

E ora de novo  investe

De forma mal-afamada

A estrangeirada Proteste

Que ao Direito diz: NADA!

 

E o que diz, ademais,

Se na real gana lhe der

Co’ umas vírgulas a mais?

A respeito do ‘couvert’?

 

“Quem cala consente

Quem trinca consente mais

E não poderá reclamar

Quando detectar na conta

As entradas que não pediu”

 

Quem cala já não consente

Diz a lei com tal fragor

Que só nisso é que dissente

Quem ‘confunde’ o consumidor…

 

E o que então dizemos nós?

“Couvert” não solicitado

Inda que nos doa a voz

Pagamento recusado…

 

Se o couvert for aviado,

Sem para tanto instado,

Ainda que ‘abocanhado,’

Pagamento rechaçado…

 

É de lei, está lá chapado

Não o deturpe a Proteste

Que consumidor enganado

É aposta em que investe!

 

Agrada ao fornecedor

No que colherá vantagens

Menospreza  o consumidor

Como na saga das  “viagens”…

 

Que farsa, que  alegoria

E que estranho reboliço

Foi em plena pandemia

Já tudo levou sumiço…

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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