(artigo rejeitado pel’ ‘as Beiras’, diário publicado em Coimbra e em que colaboramos há um ror de anos, a pretexto de que a sua linha editorial não permite artigos em verso. Dada a sua utilidade e actualidade, não queremos deixar de o dar à estampa nos nossos suportes: este artigo deveria ter saído hoje, data da nossa colaboração mensal em tema de “consumidores somos todos nós”)
Quem cala já não consente
Diz a lei com tal fragor
Que só nisso é que dissente
Quem ‘confunde’ o consumidor…
Em artigos de opinião é costume nosso abordar temas genéricos ou específicos sem particularizações.
Desta feita, ante o despudor com que circula, um pouco por toda a parte, emoldurada, uma ínvia opinião veiculada pela subsidiária de uma multinacional belga com visos de afronta ao ordenamento jurídico pátrio, entendemos dar expressão a uma íntima revolta, em verso, na convicção de que os editores nos não vedem a forma singular adoptada.
É que… a Deco-Proteste, Lda. (uma sociedade mercantil que alardeia ostensivamente, entre nós, o estatuto de associação de consumidores, que, aliás, jamais possuiu, sem que as autoridades, “maxime” o Ministério Público, reprimam um tal embuste de que lhe advêm acrescidas vantagens) tem para aí a circular, em distintos restaurantes, “informação” havida como veraz, a propósito do “couvert” (é assim que a lei o designa), em que, afinal e de forma resumida, assevera com ‘funda’ convicção:
“quem cala, consente, quem trinca, consente mais, e não poderá reclamar, quando detetar na conta, as entradas que não pediu.”
Será assim, pergunta-se? E de todo o não é, quanto é de nosso parecer, numa fidedigna interpretação da lei.
Daí que houvéssemos pretendido dissipar as dúvidas de uma forma singular, como se fora um vulgar artigo de opinião, ainda que em verso.
Da lei:
“Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.” (DL 10/2015: n.º 3 do art.º135).”
Aliás, em decorrência de um princípio plasmado na Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em sede de “protecção dos interesses económicos do consumidor” (n.º 4 do art.º 9.º):
“ O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”
E, na sequência, um outro preceito e correspondentes cominações em termos de ilícito de mera ordenação social (DL 24/2014: art.º 28):
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.”
Ora, ponderemos…
Direitos do Consumidor,
Direitos do quotidiano!
Só com adequado rigor
Se cumpre dever mediano
Consumidor nesta terra
É fardo que não se aceita
Antes mobilizado p’rá guerra
Que aturar esta ‘seita’…
Não há pena mais cruel
Nem destino mais atroz
Que instituição infiel
A ‘abafar-nos’ a voz
Reparem, pois, na blasfémia
Que é ter as leis a favor
E com uns graus de alcoolémia
“Turvar-se” o consumidor
Não há embuste maior
Nem patranha mais abjecta
Que enredar o consumidor
Numa fraude tão completa
É nisso que de há muito investe
Esta ‘sonsa’ empresa belga,
Que como Deco-Proteste
Tem os ‘trejeitos’ de melga…
Como empresa, visa o lucro
Espezinha o consumidor
E neste lúgubre sepulcro
Vai-lhe infligindo mais dor…
E ora de novo investe
De forma mal-afamada
A estrangeirada Proteste
Que ao Direito diz: NADA!
E o que diz, ademais,
Se na real gana lhe der
Co’ umas vírgulas a mais?
A respeito do ‘couvert’?
“Quem cala consente
Quem trinca consente mais
E não poderá reclamar
Quando detectar na conta
As entradas que não pediu”
Quem cala já não consente
Diz a lei com tal fragor
Que só nisso é que dissente
Quem ‘confunde’ o consumidor…
E o que então dizemos nós?
“Couvert” não solicitado
Inda que nos doa a voz
Pagamento recusado…
Se o couvert for aviado,
Sem para tanto instado,
Ainda que ‘abocanhado,’
Pagamento rechaçado…
É de lei, está lá chapado
Não o deturpe a Proteste
Que consumidor enganado
É aposta em que investe!
Agrada ao fornecedor
No que colherá vantagens
Menospreza o consumidor
Como na saga das “viagens”…
Que farsa, que alegoria
E que estranho reboliço
Foi em plena pandemia
Já tudo levou sumiço…
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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