sexta-feira, 2 de junho de 2023

CONSULTÓRIO do CONSUMIDOR


(consultório que surge habitualmente às sextas-feiras no diário 'As Beiras' e que hoje, surpreendentemente, terá sido  substituído, sem qualquer justificação prévia, por um consultório jurídico que versa sobre matéria de direitos do consumidor. Que ilações tirar?)

 Ai encova no meio? Vá à fábrica!

 

Que coisa fenomenal

Em termos de garantias

Sem cultura empresarial

Resta um ror de arrelias…

 

“Comprei um colchão em casa que supunha de referência, em Agosto de 22.

O facto é que ao servir-me do colchão, cedo me dei conta de que cedia ao peso e encovava a meio.

Reclamação ainda no primeiro mês. Recusa formal. O problema tem-se vindo a agravar e, perante nova reclamação, ouviu-se algo de estarrecedor: “encova no meio? Vá à fábrica! Não fomos nós que o fizemos. A reclamação é dirigida à fábrica. Não se aceita a  devolução.”

 

Cumpre apreciar:

1.    Rege neste domínio a Lei Nova da Compra e Venda de Consumo (DL 84/2021), de 18 de Outubro.

 

2.    Com efeito, o contrato celebrou-se entre fornecedor e consumidor: que não com o fabricante (compra e venda em estabelecimento).

 

3.    O que diz a Lei Nova (n.º 1 do art.º 12)?

 “ O  fornecedor [o vendedor]  é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.”

4.    E de que remédios pode lançar mão o consumidor? Eis o que diz o n.º 1 do  art.º 15:

“ Em caso de falta de conformidade do bem…  o consumidor tem direito:

a) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem;

b) À redução proporcional do preço; ou

c) À resolução do contrato (i. é, a pôr termo ao contrato com a devolução do bem e a restituição do preço).

5.         Como a não conformidade se detectou logo nos primeiros 30 dias, teria o direito à devolução do bem e à restituição do preço (Lei Nova: art.º 16):

“Nos casos em que a falta de conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato.”

6.Responde em primeira linha o vendedor. Excepcionalmente, poderá o consumidor  voltar-se contra o produtor (n.º 1 do art.º 40):

 

 

Responsabilidade directa do produtor

“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o fornecedor [aquele com quem contratou], o consumidor… pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição...”

7. O consumidor não poderá exigir do produtor a redução adequada do preço nem a pôr termo ao contrato com as consequências daí resultantes.

8. Logo, o consumidor não tem de se dirigir ao produtor. Pode fazê-lo, é claro, no interesse próprio, mas é o fornecedor que tem de assumir o risco e as dores do negócio fracassado por virtude de o bem se apresentar com uma não conformidade que o torna inidóneo para o fim a que se destina.

9. Para além do mais,  ao consumidor se confere ainda o direito a uma indemnização pelos danos que a situação decorrente do colchão defeituoso lhe acarretar, de harmonia com o n.º 1 do artigo 12 da LDC – Lei de Defesa do Consumidor.

EM CONCLUSÃO

1.    O vendedor responde em primeira linha, por força de lei, pela não conformidade dos bens de consumo (DL 84/21: n.º 1 do art.º 12)

2.    Se a não conformidade for detectada nos primeiros 30 dias o consumidor tem o denominado direito de rejeição: pode, desde logo pôr termo ao contrato (DL 84/21: art.º 16

3.    Pode, porém, accionar excepcionalmente o produtor, só - e tão só - para exigir a reparação ou a substituição (DL 84/21: n.º 1 do art.º 40)

4.    Com os compassos de espera observados, pode exigir do vendedor uma indemnização pelos danos materiais e morais entretanto  causados (L 24/96: n.º 1 do art.º 12)

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal

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