(consultório que surge habitualmente às sextas-feiras no diário 'As Beiras' e que hoje, surpreendentemente, terá sido substituído, sem qualquer justificação prévia, por um consultório jurídico que versa sobre matéria de direitos do consumidor. Que ilações tirar?)
Ai encova no meio? Vá à fábrica!
Que coisa fenomenal
Em termos de garantias
Sem cultura empresarial
Resta um ror de arrelias…
“Comprei um colchão em casa que supunha de referência, em Agosto de 22.
O facto é que ao servir-me do colchão, cedo me dei conta de que cedia ao peso e encovava a meio.
Reclamação ainda no primeiro mês. Recusa formal. O problema tem-se vindo a agravar e, perante nova reclamação, ouviu-se algo de estarrecedor: “encova no meio? Vá à fábrica! Não fomos nós que o fizemos. A reclamação é dirigida à fábrica. Não se aceita a devolução.”
Cumpre apreciar:
1. Rege neste domínio a Lei Nova da Compra e Venda de Consumo (DL 84/2021), de 18 de Outubro.
2. Com efeito, o contrato celebrou-se entre fornecedor e consumidor: que não com o fabricante (compra e venda em estabelecimento).
3. O que diz a Lei Nova (n.º 1 do art.º 12)?
“ O fornecedor [o vendedor] é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.”
4. E de que remédios pode lançar mão o consumidor? Eis o que diz o n.º 1 do art.º 15:
“ Em caso de falta de conformidade do bem… o consumidor tem direito:
a) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem;
b) À redução proporcional do preço; ou
c) À resolução do contrato (i. é, a pôr termo ao contrato com a devolução do bem e a restituição do preço).
5. Como a não conformidade se detectou logo nos primeiros 30 dias, teria o direito à devolução do bem e à restituição do preço (Lei Nova: art.º 16):
“Nos casos em que a falta de conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato.”
6.Responde em primeira linha o vendedor. Excepcionalmente, poderá o consumidor voltar-se contra o produtor (n.º 1 do art.º 40):
Responsabilidade directa do produtor
“Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o fornecedor [aquele com quem contratou], o consumidor… pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição...”
7. O consumidor não poderá exigir do produtor a redução adequada do preço nem a pôr termo ao contrato com as consequências daí resultantes.
8. Logo, o consumidor não tem de se dirigir ao produtor. Pode fazê-lo, é claro, no interesse próprio, mas é o fornecedor que tem de assumir o risco e as dores do negócio fracassado por virtude de o bem se apresentar com uma não conformidade que o torna inidóneo para o fim a que se destina.
9. Para além do mais, ao consumidor se confere ainda o direito a uma indemnização pelos danos que a situação decorrente do colchão defeituoso lhe acarretar, de harmonia com o n.º 1 do artigo 12 da LDC – Lei de Defesa do Consumidor.
EM CONCLUSÃO
1. O vendedor responde em primeira linha, por força de lei, pela não conformidade dos bens de consumo (DL 84/21: n.º 1 do art.º 12)
2. Se a não conformidade for detectada nos primeiros 30 dias o consumidor tem o denominado direito de rejeição: pode, desde logo pôr termo ao contrato (DL 84/21: art.º 16
3. Pode, porém, accionar excepcionalmente o produtor, só - e tão só - para exigir a reparação ou a substituição (DL 84/21: n.º 1 do art.º 40)
4. Com os compassos de espera observados, pode exigir do vendedor uma indemnização pelos danos materiais e morais entretanto causados (L 24/96: n.º 1 do art.º 12)
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Portugal
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