segunda-feira, 13 de março de 2023

ANTE A ESPIRAL DE PREÇOS ESPECULATIVOS, BRAÇOS CRUZADOS EM PORTUGAL

Nos primeiros dias de Janeiro, e na sequência de anteriores tomadas de posição a propósito de tema tão candente, escrevêramos para uma mancheia de jornais um artigo que circulou também como nota para a comunicação social.

 Para além de alguns dos jornais a que oferecemos colaboração regular, decerto com escassa expressão, nenhum dos órgãos de invulgar grandeza o acolheu nem as ideias nele expressas.

 E o que exprimimos então, como o havíamos, aliás, feito antes?

 Algo que mantém uma actualidade instante.

 Só agora, nos seus quotidianos comentários ao dia-a-dia dos portugueses, o Chefe de Estado se pronunciou, porém, de forma equívoca, por duas vezes.

 Fala-se em especulação de forma leviana sem que se esclareça quem quer que os preços são de livre fixação em um sistema de economia de mercado em que a concorrência impere.

 Diferentemente, o que decorre da cobrança em valor superior ao que conste de rótulos, letreiros, listas. Aí, sim, aí há especulação. E das 1 100 inspecções levadas a cabo, ao que diz Pedro Portugal Gaspar, figura-mor da ASAE, 6% das ocorrências redundam em especulação, que como crime contra a economia que é, como tal serão autuadas.

 Nem os habituais comentadores nem os economistas, a que determinados órgãos recorrem, descodificam o tema e o tornam mais perceptível.

 Nem os jornalistas, mormente os das televisões, ao menos os que temos ouvido, sabem realmente do que falam ao referirem-se à especulação, de tal sorte que entendem, uns quantos, que se o produto aumenta 50% já se está perante um crime de especulação.

 E de todo que não é. Porque as grandes insígnias como os merceeiros de bairro quanto as vendedeiras das feiras e mercados são livres de estabelecer os preços que entenderem, conquanto que não cobrem para além do que marcado se achar.

 Nem o Regulador do Mercado em geral tem atribuições e competências para fiscalizar a estrutura de preços das empresas porque os preços não são tabelados, como se aludiu.

São livres.

 O Governo, sobretudo o Governo, tem andado a dormir na forma, como sói dizer-se.

 A contenção dos preços em situação anómala deveria ter sido decretada quando se detectaram os primeiros indícios de que os preços dispararam desmesuradamente…

 Não se trata de limitar as margens de lucro no comércio grossista e no retalhista de todos os produtos, mas dos de um cabaz basilar que há que definir e ultrapassará decerto os 19 ou 20 géneros que servem de base a que as estatísticas revelem regularmente os índices de preços no consumidor, vulgo, inflação.

 E em tudo isso há que contar com o fenómeno da reduflação, que atinge já um número avultado de produtos, como se tem vendo sistematicamente a denunciar. Nem as distracções em geral, em que a unidade-padrão, mesmos nas insígnias de marca, como nos estabelecimentos de menor dimensão, se transferiu do quilo (1.000 gramas) para os 800 gramas, como forma de iludir a realidade, numa estratégia mercadológica que colhe porque os consumidores nem sempre são esclarecidos nem se lhes depara, por outro lado, alternativa.

 Eis o que a tal propósito escrevêramos:

 

 O IVA a zeros em Espanha

Contempla o essencial

Co’ a nossa forma tacanha

Não vingava em Portugal

 O Governo gere a actual situação como se a Europa não estivesse em guerra e o mercado funcionasse regularmente, em termos ideais,  em concorrência perfeita.

Já aquando da eclosão da pandemia, o Governo reagiu tarde e a más horas a fim de sustar o açambarcamento e a especulação que se registavam em extensão e profundidade em todas as fileiras do mercado.

Os produtos atingiram preços excessivos, mormente no segmento dos de higiene e saúde (álcool gel, produtos gelificantes, instrumentos outros) e dos equipamentos de protecção individual.

Importa não ignorar que um oxímetro, instrumento de medida do oxigénio no sangue, cujo preço antes orçava os 4, 50 €, passou a custar 70, 80, 90 €.

Em Coimbra e alhures, as farmácias vendiam-nos, segundo registos em nosso poder, a 77,70 €, corria o ano de 2021.

Os preços dos géneros alimentícios atingem hoje montantes incomportáveis.

E os valores que aparecem à luz do dia nos media, fornecidos por uma empresa que se  diz operar no mercado de consumo, nem sempre se têm por fidedignos… Mas o Governo permanece mudo e quedo à subida em espiral dos preços sem que se abalance a pronunciar-se, em gesto sumamente reprovável.

O Governo não pode ignorar a escalada de preços que se regista desde que há já cerca de um ano a guerra eclodiu na Ucrânia.

Em vez de se propor cobrar das grandes insígnias da distribuição alimentar os tais lucros caídos dos céus, o Governo  deveria, em nosso entender, como temos vindo a sustentar:

1.º -  Definir um cabaz de produtos essenciais tendo em vista um padrão médio de subsistência de todos e cada um;

2.º - Estabelecer um regime de preços máximos, nos comércios grossista e retalhista, tal como fez para os produtos de higiene, saúde e equipamentos de protecção individual (15% + 15% do preço base), restrito aos géneros constantes do cabaz essencial;

3.º - Deixar cair o propósito de taxar os lucros excessivos por inutilidade superveniente;

4.º A situação manter-se-ia enquanto a guerra durasse e se registassem perturbações na grande distribuição .

Não se ignore que o Estado beneficia, a um duplo título, da situação ocorrente, ou seja, dela tira proveito a dobrar, como a ninguém parece escapar: os impostos que cobra sobre os produtos cada vez mais caros e os que passará de forma extraordinária a cobrar, a título de “lucros excessivos”, mediante fórmula que aprovou num dos últimos Conselho de Ministros. E em que considerou não só os lucros emergentes da electricidade como dos  combustíveis, como ainda os arrecadados pelas mega-empresas da fileira alimentar.

É deplorável o que se está a passar. E o facto revela quão distante está o Governo de uma política que minore os efeitos gravosos de uma situação irremediável que carece de medidas de fundo e atinge inapelavelmente os consumidores. No actual estado de coisas, o Governo parece “assobiar para o lado”. E o Presidente, de declaração em declaração, parece incentivar a que se avolume o aprovisionamento dos depósitos do Banco Alimentar Contra a Fome… à custa de quantos se vêem já com “a borda debaixo de água”, como se a solidariedade entre pobres fosse a solução quando o Estado enche os cofres em razão do sucessivo agravamento dos preços no consumidor.

A Espanha eliminou o IVA de alguns dos produtos essenciais como forma de minorar os efeitos catastróficos das subidas de preços.

Em Portugal, tal nunca daria resultado, como se viu, aliás, com a redução no IVA na restauração, em que os preços, em vez de baixarem, subiram… nestas contradições em que são hábeis determinadas castas de empresários no espaço degradado que habitamos.

E constitui crime de lesa-consumidores o permitir-se que os preços, em situação de crise manifesta, como é a que segue seu curso, subam vertiginosamente quando se não aplica, para situações excepcionais, qualquer medida de contenção, como as que preconizamos e o Governo tem à mão, mas teimosamente não adopta.

Aliás, o Estado, como se advertiu, tira duplamente vantagem da situação: arrecada mais receitas de impostos sobre os produtos essenciais ante a escalada que se regista e prepara-se para lançar um imposto extraordinário sobre os tais lucros “caídos do céu”, como a água em abundância que daí vem jorrando depois da seca extrema por que passaram determinadas regiões do país.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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