terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Serviços Públicos | Contratos Privados


Pagar primeiro,

Reclamar depois

É pôr o carreiro

À frente dos bois…

 

Reclame primeiro, pague depois!

“Apresentaram-me uma conta muito elevada de água. E exigem que a pague. Só que os valores não correspondem nem ao meu consumo habitual nem ao meu consumo real, que é irrisório. É que, dizem-me, nos serviços públicos só se pode reclamar… depois de pagar. E é isso o que consta do contrato.”

Apreciando e opinando:

  1. Para os serviços públicos vigora, em geral, a máxima proveniente do direito romano: “solve et repete” (“pague primeiro, reclame depois!)!
  2. Porém, para os serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás natural, comunicações electrónicas…), cujos contratos têm a peculiaridade de ser contratos de consumo, a regra que vigora é a dos contratos privados: cada um dos contraentes tem o direito de recusar a prestação enquanto o outro não cumprir devidamente as suas obrigações.
  3. Se o fornecedor se propuser cobrar a mais, se não especificar o montante exigido, se não apresentar a factura de harmonia com a lei, é lícito ao consumidor não pagar, reclamando no livro respectivo ou perante a entidade a que compete apreciar o diferendo ou perante um qualquer órgão de resolução judicial ou extrajudicial de conflitos de consumo.
  4. As empresas concessionárias vêm, porém, com o eventual beneplácito dos reguladores, impondo nos contratos, à revelia de princípios e normas, que se pague primeiro, reclamando-se depois.
  5. Esta cláusula é naturalmente abusiva. Está incursa nas proibições da Lei das Condições Gerais dos Contratos. E, por isso, deve ser excluída ou por imposição dos reguladores  ou por reacção dos consumidores.
  6. Se houver resistência dos fornecedores, é de recorrer aos tribunais arbitrais de consumo ou aos julgados de paz. Tribunais arbitrais de conflitos de consumo aos quais os fornecedores hoje se não podem furtar. Pedindo-se, logo e como medida cautelar, que o fornecedor não use o “corte” como meio de coagir a pagar, definindo-se os termos do que deve pagar, se for o caso.
  7. Ademais, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais confere aos consumidores o direito à quitação parcial: o de só pagar o devido, recusando o mais. E o fornecedor tem de dar quitação do que se pagar (passar o documento que prova o pagamento ou recebimento da importância respectiva).

 

CONCLUSÃO:

a.    O consumidor não tem de pagar uma factura cujo valor não corresponda ao que consumiu.

b.    Pode, com efeito, reclamar, primeiro, pagando só – e tão só - após resolução definitiva  da reclamação por se estar perante contratos de consumo, que são por sua natureza privados.

c.    E pode pagar o devido, se for o caso, facto de que o fornecedor dará quitação parcial.

d.    Se do contrato constar a cláusula “pague primeiro, reclame depois”, pode invocar a sua nulidade, por abusiva, perante o tribunal arbitral, o julgado de paz ou qualquer outra instância.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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