Pagar primeiro,
Reclamar depois
É pôr o carreiro
À frente dos bois…
Reclame primeiro, pague depois!
“Apresentaram-me uma conta muito elevada de água. E exigem que a pague. Só que os valores não correspondem nem ao meu consumo habitual nem ao meu consumo real, que é irrisório. É que, dizem-me, nos serviços públicos só se pode reclamar… depois de pagar. E é isso o que consta do contrato.”
Apreciando e opinando:
- Para os serviços públicos vigora, em geral, a máxima proveniente do direito romano: “solve et repete” (“pague primeiro, reclame depois!)!
- Porém, para os serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás natural, comunicações electrónicas…), cujos contratos têm a peculiaridade de ser contratos de consumo, a regra que vigora é a dos contratos privados: cada um dos contraentes tem o direito de recusar a prestação enquanto o outro não cumprir devidamente as suas obrigações.
- Se o fornecedor se propuser cobrar a mais, se não especificar o montante exigido, se não apresentar a factura de harmonia com a lei, é lícito ao consumidor não pagar, reclamando no livro respectivo ou perante a entidade a que compete apreciar o diferendo ou perante um qualquer órgão de resolução judicial ou extrajudicial de conflitos de consumo.
- As empresas concessionárias vêm, porém, com o eventual beneplácito dos reguladores, impondo nos contratos, à revelia de princípios e normas, que se pague primeiro, reclamando-se depois.
- Esta cláusula é naturalmente abusiva. Está incursa nas proibições da Lei das Condições Gerais dos Contratos. E, por isso, deve ser excluída ou por imposição dos reguladores ou por reacção dos consumidores.
- Se houver resistência dos fornecedores, é de recorrer aos tribunais arbitrais de consumo ou aos julgados de paz. Tribunais arbitrais de conflitos de consumo aos quais os fornecedores hoje se não podem furtar. Pedindo-se, logo e como medida cautelar, que o fornecedor não use o “corte” como meio de coagir a pagar, definindo-se os termos do que deve pagar, se for o caso.
- Ademais, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais confere aos consumidores o direito à quitação parcial: o de só pagar o devido, recusando o mais. E o fornecedor tem de dar quitação do que se pagar (passar o documento que prova o pagamento ou recebimento da importância respectiva).
CONCLUSÃO:
a. O consumidor não tem de pagar uma factura cujo valor não corresponda ao que consumiu.
b. Pode, com efeito, reclamar, primeiro, pagando só – e tão só - após resolução definitiva da reclamação por se estar perante contratos de consumo, que são por sua natureza privados.
c. E pode pagar o devido, se for o caso, facto de que o fornecedor dará quitação parcial.
d. Se do contrato constar a cláusula “pague primeiro, reclame depois”, pode invocar a sua nulidade, por abusiva, perante o tribunal arbitral, o julgado de paz ou qualquer outra instância.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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