A Águas do Alto Minho, S.A., que se substituiu aos municípios da região na gestão das águas, apresentou aos consumidores, em tempos, facturas de anos recuados, mormente de 2017 e 2019, cuja cobrança, em tese, as câmaras haviam negligenciado.
E as vítimas perguntavam: é normal, é regular, é legal que facturas de há vários anos, que os consumidores nem sequer sabem já se terão pago ou não, se apresentem agora a pagamento com enorme fúria em que cobrar dívidas de origem duvidosa?”
1. A prescrição, nos serviços públicos essenciais, é de seis meses (Lei 23/96: artigo 10.º).
1.1. prazo de prescrição conta-se da data do fornecimento, que corresponde ao da emissão regular da factura cuja periodicidade é mensal.
1.2. Para que a prescrição possa valer, impõe-se que o consumidor a invoque, judicial ou extrajudicialmente. Sob pena de, em princípio, tal lhe não aproveitar. Como manda, aliás, o art.º 303 do Código Civil, a saber:
“O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.”
2. A prescrição de curto prazo, como é o caso, livra o consumidor do cumprimento judicial da dívida. A dívida extingue-se. Fica residualmente uma obrigação natural.
2.1. E obrigação natural é a que se “funda”, como diz a lei, “num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível...”
2.2. A prescrição libera, liberta o consumidor, por isso se diz que é liberatória. Extingue a dívida.
2.3. É direito do consumidor. Não se trata de aproveitamento ilícito. É ditada por razões de segurança jurídica. Que se prendem, no caso, com o equilíbrio dos orçamentos domésticos. E para punir a inacção do fornecedor. Que dispõe de seis meses para cobrar voluntariamente ou propor a acção de dívida ou requerer a respectiva injunção.
3. Para além da prescrição, importa referir ainda a figura da caducidade do direito do recebimento da diferença do preço (caso se facture menos que o consumido e se entenda recuperar, mais tarde, a diferença) que é também de 6 meses (Lei 23/96: n.º 2 do artigo 10.º)
4. Independentemente destas duas figuras, a lei prevê inteligentemente que “ o prazo para a propositura da acção ou da injunção é de seis meses”. Ou seja, institui aqui a figura da “caducidade do direito de acção”.
5. Ora, a acção (ou a injunção) cai se proposta (ou requerida) para além dos seis meses do fornecimento do produto ou serviço.
6. E a caducidade do direito de acção ou de injunção é, neste passo, de conhecimento oficioso, isto é, deve o tribunal conhecê-la sem necessidade de invocação pelo interessado, pela conjugação de dois dispositivos da lei (Lei 23/96: art.ºs 10.º e 13.º).
7. Se, proposta a acção (ou requerido o procedimento de injunção) mais de 6 meses após a prestação do serviço, o tribunal reconhece que a acção caiu, não pode naturalmente prosseguir, o que faz com que a prescrição deixe de ser invocada (porque só o seria na contestação – a peça do processo em que o demandado deduz a sua defesa).
8. Sendo , em bom rigor, de conhecimento oficioso, a CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO como que “absorve” a prescrição que, a não ser invocada, nem mesmo assim deixará de produzir os seus efeitos (ou seja, os da inexigibilidade judicial da dívida, limpando-a de todo, com o que se disse acerca da tal “obrigação natural”).
9. Perante a iminência da exigência de pagamento de uma dívida prescrita, restará, em tais casos, aos consumidores, uma vez interpelados, instaurar, entretanto, uma acção de simples apreciação negativa nos tribunais arbitrais, a fim de barrar as acções ou injunções que os fornecedores, por si só ou por interposição dos cobradores de fraque, venham a instaurar ou requerer.
10. Se o consumidor se recusar a pagar uma qualquer factura por ter invocado, a justo título, a prescrição, não pode daí advir qualquer desvantagem, nomeadamente:
. nova exigência de pagamento;
. suspensão do serviço;
. extinção do contrato;
. exigência de caução ou outras garantias para poder continuar a processar-se o fornecimento ou a prestação de serviço;
. recusa de celebração de um outro contrato…
11. É vedado ao fornecedor retaliar, como, ao invés, parece estar a acontecer entre nós, cabendo, na circunstância ao consumidor, sempre que tal aconteça, requerer uma indemnização, tanto pelos prejuízos materiais como materiais que a situação lhe venha a acarretar, no tribunal arbitral de conflitos de consumo a que recorra.
EM CONCLUSÃO:
1. Decorridos seis meses sobre a regular remessa das facturas que correspondem ao período dentro do qual o fornecimento se processa, prescrevem as dívidas da água como dos demais serviços públicos essenciais, em que a água naturalmente se conta.
2. Subsiste uma residual obrigação natural, por não poder ser judicialmente exigível a dívida prescrita.
3. A remessa de facturas com dívidas prescritas, sem mais, como se s dívidas fossem judicialmente exigíveis, constitui acto de patente má-fé, proibido por lei e susceptível de impor uma indemnização ao consumidores pelos danos daí decorrentes.
Eis o que se nos oferece dizer, salvo opinião mais abalizada em contrário.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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