Que posição assumiu, em 2018, a Provedora de Justiça ante as linhas de valor acrescentado que os cidadãos suportariam da sua bolsa no âmbito das comunicações com a Administração Pública?
Das notícias que ao tempo vieram a lume, destaque para:
“A Provedora de Justiça chama a atenção para a circunstância de vários serviços públicos e empresas detidas pelo Estado continuarem a usar linhas telefónicas de custos acrescidos (com os prefixos 707) como meio de contacto com os utentes, em desrespeito à legislação em vigor. Situação semelhante acontece com diversas empresas privadas.
Após ter recebido várias queixas sobre os custos acrescidos associados à utilização destas linhas telefónicas, a Provedora de Justiça dirigiu-se ao Governo, defendendo que não é legal a utilização de linhas de telefone de custos acrescidos pela administração pública como meio de contacto pelos cidadãos.
A Provedora defendeu ainda que não é permitida a utilização de números de telefone de custos acrescidos no âmbito de relações jurídicas de consumo, designadamente linhas de apoio e de assistência técnica pós-venda disponibilizadas por operadores económicos privados e pelo sector empresarial do Estado.
Na sequência dessa intervenção da Provedoria de Justiça, alguns serviços públicos deixaram de utilizar os números 707. É o caso da Direcção-Geral do Consumidor, do Instituto da Segurança Social e da ADSE. A Autoridade Tributária e Aduaneira deu conta de ter cessado o funcionamento da linha telefónica com o prefixo 707, mas esse número continua a constar como meio de contacto em notificações dirigidas aos contribuintes.
O Governo assegurou ainda que continuam a ser desenvolvidos esforços no sentido de dar resposta às questões colocadas pela Provedora de Justiça e informou que, por exemplo, a “Linha da Juventude” deixará de ser 707 e passará a ser gratuita no segundo trimestre deste ano. A CP e os CTT comunicaram, por seu turno, que estão a estudar alternativas para substituir as linhas telefónicas com custos acrescidos para os clientes.
Por comparação com a tarifa-base, a utilização de contactos telefónicos com o prefixo 707 pode ser especialmente penalizadora para utentes e consumidores em chamadas mais demoradas, como sucede frequentemente em caso de pedidos de esclarecimento ou de assistência técnica pós-venda. “
O artigo 11 do DL 135/99, de 22 de Abril, dispunha no seu artigo 11:
Linhas de atendimento telefónico
1 - Nos serviços e organismos da Administração Pública, onde as circunstâncias o justifiquem, são afectadas exclusivamente a pedidos de informação apresentados pelos utentes, uma ou mais linhas telefónicas, designadas por linhas azuis, cuja instalação e manutenção deve ser prioritária.
2 - As linhas azuis devem ser adaptadas ou instaladas de modo a não permitir a realização de chamadas internas ou para o exterior, garantindo assim a sua total disponibilidade para o público.
3 - As linhas azuis devem ser apetrechadas com um dispositivo especial para atendimento de chamadas por ordem de entrada, bem como para a sua gravação, nos períodos de encerramento dos serviços, para posterior resposta.
4 - Sempre que possível e se justifique, o serviço deve ponderar a instalação de linhas de atendimento específico de custos reduzidos ou nulos para o utente.
5 - A existência destas linhas de atendimento é de referência obrigatória em todas as comunicações e suportes informativos externos, bem como nos anuários telefónicos.
O artigo 11-A do diploma em referência foi aditado pelo DL 73/2014, de 1 de Maio, nestes termos:
Artigo 11.º-A
«Linha do Cidadão»
1 - É criada uma linha de atendimento central do cidadão, designada por «Linha do Cidadão», constituída por um número curto e facilmente memorizável, atribuído nos termos do Plano Nacional de Numeração.
2 - A «Linha do Cidadão» permite ao cidadão, através da marcação de um número único, ter acesso ao universo dos serviços públicos prestados pela Administração Pública Central que tenham serviços de atendimento telefónico nacionais.
3 - Através de resolução do Conselho de Ministros, são identificadas as linhas de atendimento telefónico da Administração Pública que se filiam na «Linha do Cidadão», e são regulados os termos dessa filiação, a entrada em funcionamento da «Linha do Cidadão» e a sua gestão.
Em plena pandemia, o legislador entendeu contemplar de novo a situação factual das comunicações com os serviços da administração publica.
Eis o que então legislou.
O que dispõe a Lei 7/2020, de 10 de Abril, na versão original, no seu artigo 9.º?
1 - As entidades públicas e empresas que prestam serviços públicos estão impossibilitadas de disponibilizar:
a) Números especiais de valor acrescentado com o prefixo «7», para contacto telefónico dos consumidores;
b) Apenas números especiais, números nómadas com o prefixo «30», ou números azuis com o prefixo «808», para contacto telefónico dos consumidores.
2 - Todas as entidades públicas e empresas que prestam serviços públicos que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais, com os prefixos indicados no número anterior, devem proceder à sua substituição por números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei.
3 - São abrangidos pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração Pública central, regional ou local, as empresas que prestam serviços públicos essenciais, designadamente de fornecimento de água, energia eléctrica, gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados, comunicações electrónicas, serviços postais, recolha e tratamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos urbanos e transporte de passageiros e as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.
4 - Tendo em conta a especificidade do serviço prestado pela linha SNS 24, o Ministério da Saúde deve no prazo máximo de 60 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei, substituir o número do SNS 24 de prefixo «808» por um número especial, assegurando a sua total gratuitidade para os utentes.”
O facto é que – tendo entrado em vigor a lei em 11 de Abril de 2020 – o prazo dado no n.º 4 precedente expiraria em 9 de Junho de 2020.
E, sem considerar o mais, nada se fez no que tange ao SNS que continua a responder pelo 808 24 24 24.
Em 14 de Julho de 2021, pelo DL 59/2021, mais de um ano depois da entrada em vigor das alterações constantes da Lei n.º 7/2020, de 10 de Abril [09 de Junho de 2020], os n.ºs 2 e 3 do art.º 9.º transcrito no passo imediatamente anterior passaram a ter a seguinte redacção:
“2 — Todas as entidades públicas que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais, com os prefixos «808» e «30», devem proceder à criação de uma alternativa de números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei.
3 — São abrangidas pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração Pública central, regional ou local e as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.”
E o artigo passou a oferecer a seguinte redacção:
Lei 7/2020, de 10 de Abril
Artigo 9.º
Linhas telefónicas
1 - As entidades públicas estão impossibilitadas de disponibilizar:
a) Números especiais de valor acrescentado com o prefixo «7», para contacto telefónico dos consumidores;
b) Apenas números especiais, números nómadas com o prefixo «30», ou números azuis com o prefixo «808», para contacto telefónico dos consumidores.
2 - Todas as entidades públicas que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais, com os prefixos «808» e «30», devem proceder à criação de uma alternativa de números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei.
3 - São abrangidas pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração Pública central, regional ou local e as empresas concessionárias da Administração Pública central, regional ou local.
4 - Tendo em conta a especificidade do serviço prestado pela linha SNS 24, o Ministério da Saúde deve no prazo máximo de 60 dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei, substituir o número do SNS 24 de prefixo «808» por um número especial, assegurando a sua total gratuitidade para os utentes.”
O facto é que, volvido todo este tempo, o número do SNS 24 continua a ser o 808 24 24 24.
E nos lugares da Rede onde a informação é prestada, lê-se ainda:
“A Linha SNS 24, disponibiliza:
Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento em situação de doença, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), ou via chat para pessoas com necessidades especiais;
Aconselhamento Terapêutico para esclarecimento de questões e apoio em matérias relacionadas com medicação, através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local);
Assistência em Saúde Pública, nomeadamente temas relacionados com a Gripe, Verão/Calor e Emergências/Intoxicações, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), formulário de contacto, correio electrónico e fax;
Informação Geral de Saúde, nomeadamente a localização das unidades de saúde englobadas na rede de prestação do Serviço Nacional de Saúde, bem como farmácias, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), formulário de contacto, correio electrónico e fax.”
Seria bom que se pusesse ordem no caos.
E se economizasse nas leis e nas confusões instaladas.
A chamada é gratuita ou tem preço? Em que ficamos?
Coimbra, aos 29 de Agosto de 2022
Sem comentários:
Enviar um comentário