quarta-feira, 29 de junho de 2022

RÁDIO VALOR LOCAL DIRETO AO CONSUMO “PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR”

 


PROGRAMA

28 de Junho de 2022

 

Miguel Rodrigues

Um consumidor comprou um uma arca congeladora de grande porte numa estabelecimento de referência. E ofereciam-lhe uma extensão da garantia a que chamaram garantia comercial.

Logo que a arca teve uma “pane”, o consumidor bateu à porta do estabelecimento, mas mandaram-no para a seguradora porque o que ele tinha subscrito era um contrato de seguro.

A seguradora não quis assumir a cobertura porque diz que está excluída do contrato de seguro.

Mário Frota

Com efeito, situações destas ocorrem com mais frequência do que se supõe.

Há que distinguir a garantia legal da garantia contratual, que a lei já apelidou de garantia voluntária e hoje denomina como garantia comercial.

A garantia legal para as coisas móveis duradouras é desde o 1.º de Janeiro próximo passado de três anos.

A garantia comercial acresce à garantia legal: começa para além dos 3 anos. E terá o conteúdo que o produtor ou fornecedor oferecer e nas condições que o consumidor se propuser aceitar.

Mas não se pode confundir um contrato de seguro com uma garantia comercial.

Isso é um autêntico logro, uma fraude. E pela fraude responde o fornecedor, a empresa que contrata com o consumidor e lhe impinge um contrato de seguro em vez de lhe oferecer uma garantia complementar verdadeira e própria.

Já que o contrato de seguro abrange de modo variável determinados riscos, tem uma estrutura própria e a garantia comercial, ao invés,  está sujeita aos rigores da lei e contradistingue-se de um qualquer contrato alternativo ou substitutivo.

A garantia comercial obedece a um sem número de requisitos, imperativos, que as partes não podem nem substituir nem derrogar, afastar..

 

Miguel Rodrigues

E que requisitos são esses?

Mário Frota

A garantia comercial vincula o garante nos termos e nas condições previstas na respectiva declaração e nos da comunicação comercial veiculada tanto previamente como no momento da celebração do contrato. Aliás, em concordância com o que prescreve o n.º 5 do artigo 7.º da LDC, que reza o seguinte:

“As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário.”

Mas a Lei das Garantias dos Bens de Consumo aduz ainda [n.º 2 do seu artigo 43] que

“são ainda vinculativas para o garante as condições anunciadas em publicidade anterior ou concomitante ao momento da celebração do contrato.”, o que é uma mera repetição do que a Lei de Defesa do Consumidor estabelece.

As leis deveriam ser o mais concisas possível, dispensando a repetição à exaustão de preceitos que nada acrescentam, afinal, antes propiciam o actual quadro que é o de uma algaraviada que a ninguém aproveita  e só perturba o entendimento das normas pelas pessoas em geral…

Miguel Rodrigues

Mas se houver discordância entre a publicidade e o que consta do cupão, da declaração da garantia o que é que prevalece?

 

Mário Frota

As condições mais favoráveis ao consumidor

Sempre que as mensagens de publicidade e outros modos de comunicação comercial não sejam coincidentes ou divirjam, o consumidor beneficia das condições mais favoráveis a esse propósito enunciadas.

Exceptua-se, porém, o facto, sempre que -  em momento anterior ao da celebração do contrato – as mensagens ou outras manifestações do estilo, ínsitas na mancha da comunicação comercial hajam sido corrigidas, contanto o sejam de forma idêntica ou comparável e de molde a que não subsistam dúvidas de qualquer jaez a tal respeito.

De outro modo, se a coisa ocorrer de forma difusa ou dissimulada ou “in fraudem legis”, prevalece a publicidade veiculada anteriormente, desvalorizando-se o arremedo de rectificação com o intuito de subtrair o fornecedor ou seus prepostos às inevitáveis consequências do que nela se contém ou induz.

 

Miguel Rodrigues

Essa responsabilidade obriga o vendedor, o fornecedor. E pode haver, nesses casos, responsabilidade directa do produtor?

 

Mário Frota

Nos casos em que o produtor oferece uma garantia comercial por um dado lapso de tempo, é directamente responsável perante o consumidor pela reparação ou substituição do bem durante o período da garantia como tal configurada.

Só pela reparação ou reparação.

Não pode contra o produtor ser posto termo ao contrato, por exemplo, nem exigir-se o abatimento, a redução proporcional do preço.

Miguel Rodrigues

Mas a garantia comercial não pode ser só de boca ou constar da publicidade, como em tempos aparecia aí nos MUPIS uma marca japonesa a anunciar, sem mais, 7 anos de garantia. Como já aqui se disse “ a garantia é toda de toda a coisa”...

Mário Frota

A declaração de garantia comercial está sujeita a escrito particular.

E ou é emitida em suporte papel ou, de harmonia com as tecnologias de informação, em um qualquer outro suporte duradouro: a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatle Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor … armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução inalterada: o consumidor deve ficar munido de um documento que permita conhecer as condições da garantia do produto ou serviço contratado.

Miguel Rodrigues

E essa declaração tem de ser entregue ao consumidor no  momento da celebração do contrato?

 

Mário Frota

Tem de ser entregue ao consumidor ou em  momento anterior, ANTES ou no acto da celebração do contrato

A declaração em que se encerra a garantia comercial, independentemente do idioma em que possa ser lavrada, tem de ser obrigatoriamente redigida em língua portuguesa. Com as  características de clareza, transparência e inteligibilidade, nem sempre ao alcance de agentes económicos que menosprezam a simplicidade e dela não fazem de todo profissão de fé.

Miguel Rodrigues

E garantia, mesmo de papel passado ou noutro suporte duradouro, basta-se, é suficiente, com o número de anos mais em que funcionará e o preço por que o consumidor pagará por isso?

Mário Frota

Não. As coisas são mais complexas do que possa parecer à primeira vista.

Dela têm de constar um sem-número de menções obrigatórias, que a lei – por serem obrigatórias, que não facultativas - expressamente prevê e impõe.

Miguel Rodrigues

E quais são as tais menções obrigatórias?

Mário Frota

Da declaração de garantia comercial terão de constar imperativamente um sem-número de menções, a saber (pela ordem que não é a da lei):

          O nome e o endereço do garante [fornecedor e / ou produtor];

          A designação dos bens aos quais a garantia comercial se aplica;

          Duração e âmbito territorial da garantia;

          A declaração clara de que o consumidor é titular dos direitos à reposição da conformidade [reparação e substituição], à redução do preço ou à extinção do contrato [por meio da figura da resolução por incumprimento] previstos na lei, e de que tais direitos não são de nenhum modo afectados pela garantia comercial: o que é extraordinariamente importante para se não misturar alhos com bugalhos…

          Menção clara e expressa a respeito do objecto da garantia comercial, benefícios atribuídos ao consumidor por meio do exercício da garantia, bem como as condições para a sua atribuição, incluindo a enumeração dos encargos, nomeadamente os relativos às despesas de transporte, de mão-de-obra e de material, e ainda os prazos e a forma de exercício da garantia, incluindo a quem incumbe provar a falta de conformidade e o prazo aplicável a tal ónus;

          O procedimento [prático, material e formal] a adoptar pelo consumidor para executar com sucesso a garantia comercial.

 

Miguel Rodrigues

Se o garante [o fornecedor, o produtor] falhar, se fugir a pôr lá isso, a garantia comercial não tem valor?

Mário Frota

Ainda que os requisitos ínsitos nos dois  pontos precedentes  se não observem, tal não afecta a validade da garantia, que é susceptível de se opor ao fornecedor e ou ao produtor [isto é, ao garante,  que da responsabilidade que lhe cabe se não pode de todo furtar, eximir, fugir]. Para além da responsabilidade por danos patrimoniais [materiais] e não patrimoniais [morais]  que no caso couberem e o consumidor [ou terceiro adquirente] se propuser requerer.

 

 

Miguel Rodrigues

Mas se, por exemplo, o consumidor vender a coisa a outra pessoa ou até a uma empresa, a garantia comercial desaparece?

É que no Brasil diz-se que a garantia contratual, lá chama-se contratual, que não comercial, não se transmite a quem compre a coisa.

Que é só entre quem primeiro contratou: comerciante e consumidor. Que se o consumidor a vender, aquele que a comprar já não beneficia da garantia.

Mário Frota

A garantia recai sobre a coisa, o objecto mediato do contrato, que não sobre o sujeito.

Se recai sobre a coisa, então a garantia transmite-se, diz-se e diz a lei, ao adquirente.

Os direitos compreendidos  na garantia comercial transmitem-se imperativamente ao terceiro adquirente do bem, seja a título gracioso, seja oneroso.

A garantia não é “intuitus personae”: a garantia inere à coisa, ao bem.

Logo, operando-se a transmissão do bem [coisa corpórea ou com a incorporação de conteúdos ou serviços digitais] aquele a quem se transmite a coisa, quer se trate de pessoa singular [consumidor ou mero particular] quer de pessoa colectiva, beneficia da garantia e nos termos em que tal se conferiu ao primitivo adquirente.

 

Miguel Rodrigues

E se houver problemas, isto é, se o terceiro adquirente, aquele que compra do consumidor, quer se trate de particular quer deuma empresa,  tiver de accionar a garantia como é que a coisa funciona?

Os meios de tutela é que são distintos segundo as situações perspectivadas:

§  se se tratar do consumidor adquirente originário, o recurso aos tribunais arbitrais necessários, no âmbito da competência em razão do valor [até 5.000 €], impor-se-á;

 

§  se se tratar de mero particular a quem por contrato se haja transmitido a titularidade da coisa, já o recurso aos tribunais arbitrais parece estar vedado, ainda que se trate de transmissão dos direitos de consumidor nos quais haja ficado sub-rogado: é que tratando-se de contrato de compra e venda entre particulares, com um contrato de compra e venda dissociado do original, competente não será o tribunal arbitral de conflitos de consumo, antes o julgado de paz, se o houver na jurisdição, ou o tribunal de primeira instância territorialmente competente e em razão da matéria;

 

§  tratando-se de pessoa colectiva [pessoa jurídica] o mesmo é susceptível de se observar - ou julgado de paz ou tribunal de primeira instância competente em razão da matéria, do valor  e do território.

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