sexta-feira, 3 de junho de 2022

Compras em excursões… prenhes de violações

 


consultório do CONSUMIDOR

‘As Beiras’

 (o habitual consultório das sextas-feiras que, por razões que se desconhecem, não veio hoje a lume nas páginas daquele matutino)

 

Compras em excursões…

prenhes de violações

 

E que não haja ilusões…

Se durante uma excursão

Se vender trens e colchões

30 dias p’rá retractação’!

 

“Sábado último, fui numa excursão da minha freguesia a Galiza, a Vigo, praticamente pelo  preço do almoço.

À passagem por Tui, o autocarro fretado pela empresa meteu-se por ‘trancos e barrancos’ e estancou junto de um armazém recheado de coisas. Houve quem comprasse trens de cozinha, outros, colchões, outros ainda faqueiros, equipamentos de cozinha, um monte de coisas…

Passaram-nos uma simples factura e fizeram-nos assinar um contrato de crédito.

Pensando melhor, comprei por “impulso”, já não quero a coisa, mas pedi ao promotor da excursão que dissesse para lá que não vale a pena mandarem entregar a máquina de cozinha, de que nem sequer preciso.

Que não, que depois de comprado tem de se honrar o compromisso, mais a mais em Espanha. Que seria uma vergonha voltar atrás com a palavra dada.”

Postas as coisas como as descreve o leitor, cumpre oferecer a solução que emana das leis em vigor:

1.    Em primeiro lugar, o contrato celebrado em tais circunstância tem de constar de papel ou de outro suporte duradouro (DL n.º 24/2014: artigo 9.º):

1 - O contrato celebrado fora do estabelecimento comercial é reduzido a escrito e deve, sob pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e na língua portuguesa, as [as cláusulas constantes da lei].

2 - O fornecedor … deve entregar ao consumidor uma cópia do contrato assinado ou a confirmação do contrato em papel ou, se o consumidor concordar, noutro suporte duradouro […]

2.    Logo, se se limitou a receber a factura, sem o clausulado devidamente subscrito, o contrato é nulo: a nulidade pode ser invocada a todo o tempo (e conhecida oficiosamente pelo tribunal).

 3.    Entrou, porém, em vigor, exactamente sábado último, 28 de Maio pretérito, na União Europeia, a norma segundo a qual “ o consumidor tem o direito de [se retractar d]o contrato sem incorrer em quaisquer custos, ..., e sem necessidade de indicar o motivo, … nos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial [exclusivamente, nos contratos ao domicílio e no decurso de uma excursão organizada pelo fornecedor], no prazo de 30 dias…”[DL 24/2014: n´º 1 do artigo 10.º].

 

4.    O prazo anteriormente conferido para todas as modalidades dos contratos fora de estabelecimento era de 14 dias: para as duas espécies contratuais enunciadas [domicílio e em excursão] passa a ser agora de 30 (trinta) dias.

 5.    “ Se o fornecedor … não cumprir o dever de informação pré-contratual […], o prazo para o exercício do direito de [retractação] é de 12 meses a contar da data do termo do prazo inicial …” [DL 24/2014: n.º 2 do art.º 10.º].

 “Se, no decurso do prazo previsto no número anterior, o fornecedor … cumprir o dever de informação pré-contratual [o do prazo de retractação e seus termos], o consumidor dispõe … nos contratos celebrados fora do estabelecimento [ao domicílio e no decurso de excursão por aquele organizada] de 30 dias para [se retractar do contrato] a partir da data de recepção dessa informação.[DL 24/2014: n.º 3 do art.º 10.º].

 6.    No entanto, como a consulente firmou um contrato de crédito para cobrir o montante da compra, ao invocar a nulidade do contrato de compra e venda (a todo o tempo, sem limite de tempo), não precisa nem dos 30 dias nem dos 12 meses que acresceriam aos 30 dias, se o contrato fosse passado a escrito [ou noutro suporte duradouro], já que a invalidade [a nulidade] da compra e venda faz cair o contrato de crédito:

 “A invalidade [a nulidade, a anulabilidade, a invalidade mista] … do contrato de compra e venda repercute-se, na mesma medida, no contrato de crédito coligado.” [DL 133/2009: n.º 2 do art.º 18]

 7.    Por razões de cautela, cumpre dar do facto parte ao banco para não se sujeitar ao pagamento das prestações do crédito [montante que o vendedor terá recebido na íntegra e que lhe cumpre devolver ao dador de crédito].

 

EM CONCLUSÃO:

a.    Os contratos fora de estabelecimento têm de ser de papel passado [ou constar de qualquer outro suporte duradouro], sob pena de nulidade.

b.    Nos contratos fora de estabelecimento regularmente celebrados pode o consumidor, em princípio, “dar o dito por não dito” em 14 dias após a entrega.

c.    Em duas das modalidades dos contratos fora de estabelecimento, a saber,  ao domicílio ou em excursões organizadas pelo promotor, o prazo de retractação passou a ser, desde 28 de Maio p.º p.º,  de 30 (trinta) dias.

d.    Como o contrato celebrado em excursão, numa localidade da Galiza, o não foi de papel passado, é nulo: e o consumidor pode invocar a nulidade a qualquer tempo.

e.    Como celebrou também um contrato de crédito para cobrir o preço da coisa, a nulidade do contrato de compra e venda faz cair o contrato de crédito que deixa assim de ser eficaz, não estando o consumidor sujeito ao seu cumprimento.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

 

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