Parece que a expressão carece de fundamento, já que o que parece haver é, como muitos vêm propalando, uma “Justiça para ricos e uma ignominiosa INJUSTIÇA para os pobres”…
De Ivo Filipe de Almeida, transcrevemos, com a devida vénia, o trecho que segue, recolhido algures:
“O Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva (art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa) não está assegurado. É tempo de dizer que “o rei vai nu!”, por muito faustosas que as suas indumentárias possam parecer.
O Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) é inútil quando falha sistematicamente, na aferição de quem tem ou não, acesso à isenção de taxas de justiça.
Hoje, qualquer cidadão com um rendimento acima de € 326,82 mensais, fica excluído da isenção das taxas de justiça.
Sendo um dos “afortunados” a quem seja permitido o pagamento faseado, uma taxa de justiça de € 612,00 transforma-se em € 2.448,00, que o cidadão terá de pagar em mensalidades de € 60,00.
Não fosse a insuficiência patrimonial do cidadão, e seria mais económico que este contraísse um crédito pessoal com taxas de juro grotescas, do que as absurdas taxas de justiça em pagamento faseado.
O Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva, existe hoje apenas para o cidadão que tem uma condição económica capaz de pagar as taxas de justiça e advogados, e para o cidadão que vive em pobreza extrema ou em risco desta.”
Como é possível fixar-se um rendimento tão baixo, para o efeito, quando o salário mínimo geral se acha nos 705€?
E, pior, quando o limiar mínimo de dignidade, segundo dados reconhecidos oficialmente, se situa nos 783€ (reportados a 2018)?
Os consumidores viram reconhecer-se-lhes, na esteira do que prescreve o art.º 20 do Texto Fundamental, “uma justiça acessível e pronta” (LDC – Lei de Defesa do Consumidor: art.º 3.º)
Que se traduziu originalmente entre outros, de harmonia com a versão primeira da LDC (1996), na “isenção de preparos e custas” nos feitos introduzidos em juízo cujo valor não excedesse os 5.000€ (valor da alçada da primeira instância).
Tal direito veio a ser-lhes negado por Sócrates, em 2008, com a publicação do Regulamento das Custas Judiciais que, de uma penada só, revogou todas as disposições em contrário.
Logo, passou a penar e, nos conflitos gerados o seio dos negócios jurídicos de consumo, a suportar as taxas de justiça, como qualquer outro mortal noutro qualquer feito…
Também os pleitos que hoje decorrem perante os tribunais arbitrais de conflitos de consumo estão sujeitos a encargos, variáveis segundo cada um dos órgãos, já que não há uniformidade, havendo até, em certos casos, isenções.
Com a Lei 63/2019, de 16 de Agosto, a LDC, no seu artigo 14, passou a ter a seguinte redacção:
“1 - Incumbe aos órgãos e departamentos da Administração Pública promover a criação e apoiar centros de arbitragem com o objectivo de dirimir os conflitos de consumo.
2 - Os conflitos de consumo de reduzido valor económico estão sujeitos a arbitragem necessária ou mediação quando, por opção expressa dos consumidores, sejam submetidos à apreciação de tribunal arbitral adstrito aos centros de arbitragem de conflitos de consumo legalmente autorizados.
3 - Consideram-se conflitos de consumo de reduzido valor económico aqueles cujo valor não exceda a alçada dos tribunais de 1.ª instância [€ 5.000].
4 - Nos conflitos de consumo a que se referem os n.ºs 2 e 3 deve o consumidor ser notificado, no início do processo, de que pode fazer-se representar por advogado ou solicitador, sendo que, caso não tenha meios económicos para tal, pode solicitar apoio judiciário, nos termos da lei que regula o acesso ao direito e aos tribunais.
5 - Nos conflitos de consumo a que se referem os n.ºs 2 e 3, o consumidor fica dispensado do pagamento prévio de taxa de justiça, que será apurada a final.”
A redacção não é feliz, podendo entender-se que não há razões para se excluir esse aparente benefício se se tratar de acções propostas quer nos tribunais judiciais quer nos julgados de paz…
A legislatura está no começo, há que dar uma volta muito séria ao acesso à Justiça porque não há sistema mais injusto do que este que veda aos injustiçados que reivindiquem, onde quer que seja, em condições adequadas, o recurso ao sistema de administração de justiça que os contribuintes custeiam, afinal.
Oxalá estas palavras não caiam em saco roto!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
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