sexta-feira, 29 de abril de 2022

‘Couvert’? O qu’houver…

 


Se o couvert for aviado


Sem ter sido encomendado

Por muito que ‘abocanhado’…

                                             O débito é recusado!

 

 

“Num restaurante, em Coimbra, fomos surpreendidos por, ao ocuparmos a mesa,  esta se achar já municiada de uma cesta com dois papo-sêcos descorados e encruados, um pires com azeitonas e duas reduzidas nozes de manteiga.

Um dos comensais inutilizou um pão porque intragável.

E, facto pouco recomendável, pagou sem conferir o talão.

O seu conviva deu-se conta, porém, de que à conta do pretenso  “couvert” haviam cobrado uns 3,5 €…

O facto é que, ulteriormente, perguntou-se a um dos empregados a razão da cobrança e não é que ele expendeu um sem-número de argumentos a justificar a parcela constante do talão e a cobrança efectuada?

Parece que andam para aí muitos “juristas” a servir à mesa dos restaurantes, tal a afoiteza com que se dispõem a interpretar (em seu favor) as regras da lei.

Trata-se, crê-se, de procedimento contrário às normas legais em vigor. Ou não?”

 

Cumpre apreciar e oferecer a solução que se nos afigura decorrer do ordenamento jurídico vigente.

1.    A LDC – Lei de Defesa do Consumidor – determina no n.º 4 do seu art.º 9.º:

O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

2.    A Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008 (DL 57/2008, de 26 de Março) diz na alínea f) do seu artigo 12:

“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais:

Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado, …”.

3.      A Lei dos Contratos à Distância e de Outras Práticas Negociais de 14 de Fevereiro de 2014 reza, no seu artigo 28:

1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.

4.    A Lei do Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração (DL 10/2015, de 16 de Janeiro) estabelece especificamente no seu artigo 135:

“1 - Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:

a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;

b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.

2 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.

3 - Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.

...”

5.    O que quer significar exactamente a última expressão?

Não pode ser cobrado qualquer prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, se cliente o não solicitar. Ainda que o coma. Ou que o  inutilize.

Se, como sucedeu, se tiver cobrado o montante reclamado, o empresário comete o crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo (DL 28/84, de 20 de Janeiro: artigo 35), cuja moldura penal é a que segue: pena de prisão de 6 meses a 3 anos e de multa não inferior a 100 dias.

Para além da contra-ordenação, passível de coima que, consoante as circunstâncias, para as micro-empresas (pessoa colectiva com menos de 10 trabalhadores), como parece ser o caso, comporta uma amplitude considerável, de 250 € a 11 500€,  acrescem sanções acessórias de grau e intensidade variáveis:

CONTRA-ORDENAÇÕES

§  leve:      250,00 a 1 500,00 €

§  grave: 1 700,00 a 3 000,00 €;

§  muito grave: 3 000,00 a 11 500,00 €

SANÇÕES ACESSÓRIAS

Para além de outras,

§  Interdição do exercício da actividade por um período até dois anos;

§  Encerramento do estabelecimento por um período até dois anos;

§  Suspensão de autorizações ou outras permissões administrativas relacionadas com o exercício da respectiva actividade.

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO – PORTUGAL

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