quarta-feira, 2 de março de 2022

COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS: os atropelos continuam…


  

RÁDIO VALOR LOCAL

DIRETO AO CONSUMO

Informar para Não Remediar”

PROGRAMA

1.º de MARÇO de 22

momento radiofónico semanal da apDC

 

COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS: os atropelos continuam…

 

Miguel Rodrigues (jornalista da Rádio Valor Local) [MR]

Por decisão de 8 de Fevereiro em curso, a ANACOM aplicou à MEO coimas no valor total de 329 mil euros pela prática dolosa de 16 contra-ordenações económicas graves, que se traduziram, dado o regime do cúmulo jurídico previsto na lei, numa coima única de 48 mil euros, o valor máximo legalmente permitido.

O professor tem criticado os atropelos sistematicamente cometidos pelas empresas de comunicações electrónicas que parece desrespeitarem de modo grave a Carta de Direitos dos Consumidores.

Para além dos ilícitos contra-ordenacionais, que redundam em coimas para os infractores, há ainda indemnizações e, como no recente caso da VODAFONE, com a activação de serviços adicionais não solicitados, o arbitramento de uma indemnização pelos prejuízos causados à bolsa dos consumidores que atingirá, ao que se crê, quatro mil milhões de euros.

O que se lhe oferece dizer a este propósito?

Mário Frota (apDC) [MF]

Convém dizer que a ANACOM é a Autoridade Nacional das Comunicações, ou seja, a Entidade Reguladora das Comunicações Electrónicas, que rege em matéria de telefones fixos, móveis, telecópia, internet, televisão por cabo, televisão terrestre digital e serviços de correios…

Na vertente situação está em causa a adopção pela MEO (a antiga PT, o monopólio das telecomunicações detido pelo Estado), que detém praticamente, após a liberalização dos serviços de interesse económico geral,  o monopólio na região Centro (no Pinhal Interior e ainda para além dessa linha de delimitação), de práticas comerciais desleais nas relações com os consumidores que, em virtude dos incêndios de Junho e Outubro de 2017, ficaram privados dos serviços de comunicações electrónicas, sem telefones, sem internet, sem televisão….

Práticas que denunciadas ao e detectadas pelo Regulador deram origem a autos que só agora, mais de quatro anos depois, terão chegado a bom termo com a aplicação das sanções, das coimas. Para além do eventual recurso aos tribunais, como lhe confere a lei.

Aquando da reposição dos serviços, verificou-se que a MEO

·        prestou falsas informações aos consumidores, designadamente o não ser possível o contrato só do serviço de telefone fixo, antes obrigar-se-iam os consumidores interessados a um contrato com um pacote de serviços diversos; ora, tal informação levou os consumidores ou a celebrar novos contratos – o que se registou em muitos casos por patente necessidade – ou a desistir de contratar porque as prestações oferecidas não estavam ao alcance da sua bolsa, ficando assim de todo privados de contactos por telefone com o mundo exterior.

M.R.

Mas é proibida essa prática, não é? A empresa oferece um pacote e o consumidor não pode optar por serviços desmembrados? Não tem de contratar o pacote por inteiro? Pode exigir um só dos serviços ou parte do pacote oferecido? Qual é, afinal, a solução?

 MF

Sempre se disse, neste espaço, que a Lei de Defesa do Consumidor - LDC, no seu artigo 9.º, o da protecção dos interesses económicos dos consumidores, proíbe o que os brasileiros denominam, com propriedade, as “vendas casadas”, algo que, entre nós, tem o nome de vendas ligadas, nuns casos, vendas associadas, noutros, como se retira de leis avulsas que regem neste domínio.

Com efeito, o n.º 6 do artigo 9.º da LDC estabelece, sem tirar nem pôr, que

É vedado ao fornecedor ou prestador de serviços fazer depender o fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da prestação de um outro ou outros.”

Com efeito, ao consumidor é dada a possibilidade de contratar os serviços que entender, não podendo forçar-se-lhe a mão a que subscreva um pacote de serviços em vez do serviço singular – esse e só esse - que pretende.

Contrariar um tal preceito constitui violação de um direito fundamental.

M.R.

E a situação é tanto mais gravosa quanto é certo que os consumidores do interior, naquelas circunstâncias, estavam numa posição de vulnerabilidade absoluta e, para além do mais, sem possibilidades de recorrer a qualquer outra empresa, porque nestas circunstâncias, há como que um monopólio de facto. E nem toda a gente sabe disso…

 MF

Com efeito, como diz o Regulador – a Autoridade Nacional de Comunicações -, “as práticas adoptadas pela MEO são especialmente gravosas, tendo em conta a vulnerabilidade (diríamos até…a hipervulnerabilidade!) dos consumidores, que ficaram privados dos serviços de comunicações electrónicas durante meses, na sequência de uma catástrofe que culminou na destruição de vidas, de bens materiais, de uma apreciável extensão de floresta e de áreas verdes, que eram o sustento de grande parte da população residente nas zonas afectadas pelos fogos de Junho e Outubro de 2017.”

E prossegue: “alguns dos consumidores afectados são ainda particularmente vulneráveis em razão da sua idade e pelo facto de viverem sozinhos, em locais isolados, e que acabaram por ficar sem comunicações durantes meses”… (fim de citação).

Daí a necessidade de levar o mais possível, nas regiões do interior, a INFORMAÇÃO aos consumidores, coisa por que desde sempre nos batemos, sem grande sucesso, porém, valha a verdade!

Parece que os poderes instituídos, por convicção ou menor propensão, se acham apostados nisso…

Há que criar Serviços Municipais do Consumidor em cada um dos Municípios, ou de modo singelo (em cada um dos municípios em si e por si) ou em jeito de cooperação entre Municípios (serviços intermunicipais com dimensão suficiente para acudir às necessidades das populações dos municípios coenvolvidos).

Recorde-se, uma vez mais, que, no Continente (em Portugal Continental), nos 308 municípios, há cerca de 70 e poucos centros de informação autárquicos, com quadros insuficientes, a laborar em condições precárias e sem a dignidade de um verdadeiro serviço, em tantos deles. É preciso dizê-lo sem receio de represálias…

Em Lisboa não existe nenhum. No Porto não existe nenhum. Em Coimbra não existe nenhum. Em Leiria não existe nenhum. E por aí fora…

Quando um Governo ou um Município descura esta vertente fundamental da CIDADANIA comete um clamoroso crime contra as populações, contra as gentes, contra os cidadãos, contra os munícipes.

Mas não há nem sensibilidade nem consciência social deste facto mesmo por parte dos eleitos locais que deveriam ter essa percepção para poderem ajudar a comunidade de que, em geral, são emanação e a que devem esse serviço.

E tantas vezes nem pelos Governos o fazem… porque nem política de consumidores têm.

 M.R.

A coima de 329 000 euros é ajustada às ilicitudes cometidas pela MEO, na circunstância? Foram 16 infracções cometidas (dezasseis). O que dá uma insignificância por infracção.

Nestes casos, tem de se ir fundo onde mais lhes dói: que é na bolsa… que é na bolsa…

E daí?

 MF

Repare que, como foram infracções do mesmo estilo, fez-se o chamado cúmulo jurídico e foi fixada a coima única de 48 000 euros.

Não são 329 000 euros: são 48 000 euros, o que é, na realidade, uma bagatela, uma miséria para uma empresa que soma milhões de euros lucro/ano, nem sempre lícito, valha a verdade, como temos vimdo a revelar.

E o facto é um convite a que continuem a violar a lei e a ofender os interesses e direitos dos consumidores.

A coima única em que a MEO foi condenada corresponde ao valor máximo legalmente permitido.

O que quer significar, pois… que “o crime compensa”!

Aliás, no entender da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), a entidade Reguladora, como se assinalou e de harmonia com as preocupações oportunamente manifestadas e recentemente reforçadas com a determinação/orientação da Comissão Europeia para que os Estados Membros assegurem a aplicação de sanções “…efectivas, proporcionadas e dissuasivas…”, o limite máximo da moldura das coimas previsto para as práticas comerciais desleais (de 24 mil euros) não é suficientemente dissuasor da adopção desse tipo de práticas no sector das comunicações.

Daí que limite o efeito preventivo que se pretende atingir com a aplicação de sanções – o que demonstra a necessidade instante, urgente, de revisão desse regime” (ainda agora revisto, para baixo, em 9 de Janeiro de 2021, com a uniformização do regime de contra-ordenações nos sectores económicos do mercado de consumo e penalidades demasiado suaves, de todo injustificáveis).

Mas não tem havido quaisquer preocupações a esse propósito.

O primeiro-ministro deveria ser sensível a estas situações (ele que diz ter tido problemas com determinadas empresas das comunicações electrónicas) e instruir os ministros competentes a que se prepare legislação que cumpra deveras as directrizes emanadas da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia.

Só assim a coisa poderá entrar nos eixos…

De outro modo, os operadores até zombam do Regulador e dos próprios consumidores! Como vem acontecendo, aliás, com os monopólios e os oligopólios, autênticos Estados dentro do Estado, em todos os domínios que abarcam. É o seu objectivo! É a fatalidade dos que deles dependem para satisfação das suas necessidades básicas!

M.R.

O que recomenda sempre que haja violações aos direitos dos consumidores?

Que recomendações nos deixa?

 MF

Em primeiro lugar, os consumidores terão de estar informados para terem consciência de que determinados procedimentos constituem violações aos seus direitos e devem ser instantemente denunciados.

Daí que se insista na INFORMAÇÃO como principal suporte do consumidor.

Só há um bem: o conhecimento. Só há um mal: a Ignorância!

Quem nem sabe é como quem não consegue ler se não tiver tido iniciação à leitura.

Por conseguinte, é preciso insistir na INFORMAÇÃO, que compete ao Estado e às associações.

E terá de estar disponível no serviço público de radiodifusão sonora e de radiotelevisão, como manda a lei.

E nas Câmaras Municipais, com serviços adequados, como manda também a lei. Que, valha a verdade,  não se cumpre, quase diria, ostensivamente pelos Governos.

Depois, insistir para que apresentem – apresentem invariavelmente – as reclamações ou nos livros respectivos (físicos) ou nos formatos digitais, na internet.

Só assim poderemos alcançar, não direi, o pleno, mas ao menos não dar tréguas aos infractores… a ver se emendam a mão!

A Informação previne a lesão.

A lesão obriga à reclamação.

Como se diz, aliás,  no cabeçalho do programa…

 “Informar para Não Remediar”!

 M.R.

E a finalizar, que outros dados nos traz, que outras informações quer que veiculemos?

 MF

A FINALIZAR, pois,

 Em tema de reclamações no âmbito das comunicações, o último relatório disponível é o do 3.º trimestre do ano de 2021, no Portal da ANACOM.

E o que nos revela?

Algo nada lisonjeiro, a despeito das anormais condições de vida que ainda são as das pessoas, um pouco por toda a parte:

“Só no terceiro trimestre de 2021, pois, registaram-se  32,3 mil reclamações, mais  14% face ao trimestre anterior.

Os serviços postais motivaram 12,3 mil reclamações (38% do total do sector), mais 2,6 mil reclamações do que no segundo trimestre de 2021.

As comunicações electrónicas continuam a ser as mais reclamadas, registando 20 mil reclamações, mais 7% face ao trimestre anterior: e representam 62% das reclamações totais do sector das comunicações.

A NOS (empresa de comunicações electrónicas) foi o prestador mais reclamado no terceiro trimestre de 2021 (35% das reclamações do sector) e também o que registou mais reclamações por mil clientes (2,5).

Segue-se a MEO, com 32% das reclamações do sector, sendo este o operador que apresenta a menor taxa de reclamação no período em análise (1,1 reclamações por mil clientes).

A Vodafone representou 29% das reclamações, tendo registado 1,5 reclamações por mil clientes.

A Nowo foi responsável por 4% das reclamações.

Todos os prestadores mais reclamados viram aumentar o n.º de reclamações face ao segundo trimestre de 2021.”

M.R.

E quais os segmentos mais reclamados?

 MF

 Ei-los:

A demora ou reparação deficiente de falhas nos serviços, sobretudo fixos, foi o motivo que mais preocupou os utilizadores de serviços de comunicações electrónicas, visado em 18% das reclamações do sector no terceiro trimestre de 2021.

Neste período, aumentaram pelo segundo trimestre consecutivo as reclamações sobre a activação de serviços sem consentimento (+ 2 p.p.).

 No mesmo sentido registaram-se dificuldades na renegociação do contrato por alteração de morada e dificuldades na apresentação do pedido de cancelamento de serviços (ambas igualmente com + 2 p.p.).

Em sentido contrário, evoluíram positivamente as queixas sobre a demora ou ligação inicial deficiente de serviços fixos (-3 p.p.) e a demora ou não resolução de reclamações (-2 p.p., em tendência decrescente pelo segundo trimestre consecutivo).

No serviço postal, os CTT foram o prestador mais reclamado, com 11,1 mil reclamações, o que perfaz 90% do total de reclamações do serviço.

A DPD foi alvo de seiscentas reclamações, o mesmo número dos restantes operadores deste serviço.

As dificuldades com o desalfandegamento de objectos postais subiram ao topo das queixas dos utilizadores dos serviços postais.

E, por ora, é isto.

Aguardemos pelo Relatório do 4.º trimestre que, pelos vistos, tarda…

 

 Mário Frota

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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