A dispersão de diplomas que disciplinam os direitos do consumidor é, a todos os títulos, de proscrever.
A confusão é de tal ordem que, em anterior legislatura, Helder Amaral, presidente da Comissão Parlamentar da Economia, na esteira dos comerciantes belgas da Deco-Proteste, L.da, bramava por falta de enquadramento legal do denominado WAP billing [mecanismo destinado à dispensa de conteúdos nos “sites” WAP (Wireless Application Protocol) cuja cobrança se efectuaria directamente na factura do tlm] quando havia uma mancheia de normas a cobrir tais hipóteses. Como nos cancelamentos de viagens por mor da pandemia em que tantos “especialistas” nos impingiram as mais falaciosas interpretações das regras em vigor, as mais relevantes das quais de todo ignoravam… Ou quando os mercadores da Deco-Proteste, L.da, sustentam que quem ouse consumir o ‘couvert’ não encomendado terá de o pagar por exceder manifestamente os limites impostos pelo próprio direito e pelo seu fim social e económico. Contra lei expressa que ou ignoram ou cujo sentido e alcance mal entendem. Ou quando propalam aos setes ventos que nos contratos entre particulares não há garantias. Ou que nos brindes de Natal as trocas não correspondem a um direito antes são mera cortesia dos estabelecimentos.
Os diplomas avulsos que vêm sendo editados ultimamente são um autêntico quebra-cabeças: uns saem já desactualizados, outros - como os que transpõem em parte normas da denominada Directiva “Omnibus” - oferecem-nos uma algaraviada em si mesmo singular. E saem uns atrás dos outros sem qualquer coordenação.
Vai para 150 dias (cinco meses) que a regulamentação da popularmente denominada “Lei das Cláusulas com Letras Miudinhas” não surge, após os sessenta dias iniciais que a Assembleia concedera para o efeito ao Governo. A Lei das Garantias dos Bens de Consumo, omissa em tantos aspectos, e em pura perda para os consumidores no que tange às dos imóveis, viu a luz do dia três meses e 18 dias após as obrigações impostas por Bruzelas.
Nas considerações que expendemos há aspectos distintos: da dispersão do ordenamento à localização das normas e à interpretação dos dispositivos legais aplicáveis e das omissões legislativas aos injustificáveis retardamentos observados.
Sustentámos em artigo que a lume veio na edição de Novembro pretérito da Revista Judiciária:
“Com a ponderação que decorre de anos de profunda reflexão, inclinamo-nos, por ora, não para um Código de Direitos do Consumidor, antes para um Código de Contratos de Consumo: tal o acervo resultante de inúmeros diplomas avulsos que emergem da obra regulamentar e legislativa… da União Europeia.
O facto é que a dispersão de diplomas no particular dos contratos típicos de consumo (e tantos são, e disso nem sempre o vulgo se apercebe), ampliados superlativamente, conduz hoje em dia a que obtemperemos.
Ainda agora, mais um diploma veio a lume (Outubro de 21) – o de certos aspectos da compra e venda (e da empreitada e de outras prestações de serviços, como da locação), para além dos conteúdos e serviços digitais e das plataformas digitais, a engrossar a fileira da legislação avulsa que por aí grassa: quando se poderia entrever no ensejo a disciplina conjunta, em extensão e profundidade, do contrato de compra e venda de consumo. Proposta que carreámos, mas a que se não deu qualquer importância nas esferas do poder.
A ruinosa experiência havida, entre nós, com um anteprojecto bizarro, que marinou durante mais de uma década à mercê de uma comissão de pretensos “experts” e soçobrou perante um dilúvio de críticas, remeteu fragorosamente ao silêncio Parlamento, Governo (com o providencial ‘veto de gaveta’ de Fernando Serrasqueiro, ao tempo secretário de Estado da Defesa do Consumidor) e jurisconsultos, como se a solução vigente (a do cúmulo de diplomas legais que recrudesce, que exponencia a “obesidade” do sistema a cada dia) seja a mais curial…”
Que, entre nós, não tarde um Código-compilação ao estilo do que vigora em França, em que se fundam todos os diplomas legais em vigor e deles se expurguem as excrescências, sistematizando-se, com uma parte geral, comum aos contratos típicos e, depois, com as especificidades de cada uma das modalidades em sede de constituição, modificações e extinção da espécie de que se trata.
Um Código-compilação é algo de que se carece instantemente, entre nós, em obediência à máxima: “menos leis, melhor lei”!
Direito que se não conhece é direito que se não aplica! É Direito que permanece no mais fundo do labirinto legislativo… em detrimento da posição jurídica de quantos a lei visa naturalmente tutelar!
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITODO CONSUMO - Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário