Há uma curiosa asserção que cumpre registar, no vão olvido das coisas, por mais simples que se apresentem: “aos amigos tudo, aos outros o rigor da lei!”
O título que encima o presente escrito reflecte adequadamente a situação que ocorre com as associações de consumidores que são menos caras ao poder e foram excluídas do bolo orçamental em momento em que pontificava ainda no Instituto do Consumidor um homem que foi, em verdade, o coveiro do espírito associativo e a pior das pechas, em um juízo de apreciação política, para os consumidores portugueses pela ineficácia que fora a nota característica da sua presença à frente da instituição.
E, no entanto, para mal da comunidade de consumidores, os sucessivos governos mantiveram-no ao longo de 16 anos à testa do que fora o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor e da instituição que lhe sucedeu.
A quem ousasse afirmar a sua independência, e com a impunidade que em democracia parece ser o tom, fez o "mal e a caramunha"...
Nem sequer importa revelar seu nome, tão ignorado foi como pretensa figura pública.
Registem-se, sim, os malefícios que trouxe aos consumidores e às suas instituições mais caras.
E, na segregação, na discriminação, nos jogos de interesses a afecção mais que significativa das instituições que nasceram em Coimbra e estão indissoluvelmente ligadas ao progresso dos direitos do consumidor em Portugal, e que ao descaso têm sido votadas pelos poderes a que cabe financiar ou conceder subvenções.
As associações que à tutela dos consumidores se consagram carecem de afirmar a sua independência perante os distintos poderes.
Daí que não possam, em verdade, envolver-se em compromissos susceptíveis de prejudicar a imagem, mas sobretudo a essência da sua actuação.
Tal não significa que não dialoguem com o mercado, com o tecido empresarial que o preenche. Porém, concertação de interesses é algo que se não pode confundir nem com o domínio das associações pelas forças do mercado nem com a sujeição a qualquer preço aos acordos celebrados.
O segundo programa de acção que a Comissão Europeia delineou em 19 de Maio de 1981 assumia uma tal perspectiva ao proclamar-se num dos segmentos por que se reparte:
“O novo programa terá como objectivo... esforçar-se por criar condições para um melhor diálogo e uma concertação crescente entre os representantes dos consumidores e os dos produtores e distribuidores”.
Em todas as circunstâncias, porém, a problemática do financiamento das associações vem a lume.
Por ocasião da II Assembleia Europeia das Associações de Consumidores promovida pela Comissão Europeia, em Bruxelas, de novo veio a terreiro tão candente questão. De todos os quadrantes e de representantes de distintos países. E o tema regressará em Novembro, aquando da Assembleia, aprazada de novo para Bruxelas, este ano.
E o que se afirmou, na altura, é que, com excepção da Irlanda, os demais Estados-membros financiavam as instituições de consumidores que relevam da sociedade civil, constituídas por cidadãos livres no uso da liberdade de associação por que cumpre pugnar.
Em Portugal, o Estado obriga-se a financiar as associações por força de lei. De lei que, apesar de tudo, parece não ter uma consistência por aí além, já que o Estado a ignora, como e quando lhe convém. Lei que se acha formulada nestes termos:
“Incumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais proteger o consumidor, designadamente através do apoio à constituição e funcionamento das associações de consumidores e de cooperativas de consumo, bem como à execução do disposto na presente lei.”
Porém, por razões que ora não importa revelar, o Estado parece ter predilecções peculiares, ou seja, favorece uns, desfavorece outros, avantaja um ou um número escasso, em detrimento de outro ou outros interventores.
Se compulsarmos os últimos dados publicados, verificaremos o quadro que segue:
BENEFICIÁRIO BENEFÍCIO AUFERIDO
CDC – Centro de Direito Consumo / instituição de docentes da Faculdade de Direito de Coimbra 17.000.000$00
DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor 208.650.000$00
CGTP-IN – Grupo Sindical para a Defesa do Consumidor 3.500.000$00
Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra / Figueira da Foz 5.150.000$00
Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto 2.661.000$00
Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave 3.600.000$00
Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa 12.520.000$00
FENACOOP – Federação Nacional das Cooperativas de Consumo 7.120.000$00
UGC - União Geral dos Consumidores 5.290.000$00
Do que precede, parece poder afirmar-se que, concorrendo às subvenções as associações em pé de igualdade, deveriam ser privilegiadas as que trabalho mais volumoso e de qualidade realizam e, nesse quadro, as que intervenções mais valiosas subscrevem.
Ora, tanto a apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo -, como a ACOP - Associação de Consumidores de Portugal -, têm um trabalho notável em seu favor e, por isso, deveriam ser naturalmente contempladas.
A apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo -, p. e., apresentara um sem número de projectos em períodos confortáveis. Em vão. Nem um só projecto foi contemplado. Nem um só projecto foi objecto de uma subvenção. Por demérito dos projectos? Obviamente que não. Por razões outras sobre que não importa por ora determo-nos.
E o que dizer da escandalosa subvenção concedida à Deco - 208.650.000$00?
Em que critérios se terá baseado o Governo para tamanho avantajamento?
No facto de afirmar ter uma massa de sócios que o não são por direitas contas, antes reflexo da lista de assinantes de uma publicação, propriedade de uma multinacional belga de testes e publicações (a Deco- Proteste, Lda.) ?
Como justificar tamanhos desníveis e aceitar significativas discriminações?
Há, no entanto, meios de obviar a que o Estado denegue direitos àqueles que os têm deferidos por lei.
Uma das soluções para que o financiamento se processe através do orçamento do Estado é a que se prende com a inserção, nas declarações de impostos, de casas com a denominação das associações de consumidores a que o contribuinte quer atribuir parte dos seus impostos, a definir por lei.
Isso obriga a que as associações tirem as máscaras que continuam afiveladas sem quaisquer outros elementos, e digam o que são, com verdade. É preciso separar as associações das empresas a que eventualmente se acham ligadas... É preciso que haja associados, na realidade, e não meras ficções. É preciso que haja uma realidade por trás do papel “couché” que os Notícias e os Expressos trazem como publicidade de multinacional de origem, inspiração e cega obediência belga.
É preciso que haja o propósito de servir o consumidor e não de dele se aproveitarem e de se apropriarem da sua bolsa de forma despudorada e abjecta...
É preciso que o Estado se não limite a favorecer as “correias de transmissão”, por muito louvável que seja a filiação do senhor primeiro-ministro... É preciso que o Estado seja uma pessoa de bem. E não algo de distinto ungido pelo sufrágio universal. Ou o menos marcado dos grupos de duvidosa procedência.
Não é pela negativa, mas pela positiva que importa assumir posições.
Se forem os contribuintes a fazer esse juízo de valor nas declarações de impostos, decerto que cada um de nós fará o melhor. Porque é um milagre estar em permanente actividade, durante mais de uma década, como é o caso da apDC - Associação Portuguesa de Direito do Consumo -, sem meios que garantam o funcionamento normal das suas estruturas.
Quem jamais soube o que era suportar uma renda e as despesas de funcionamento de quaisquer instalações (consumíveis, luz, gás, despesas de higiene, saúde e conforto), por se achar religado ao Estado e a entidades outras, em que nada lhes sai do bolso, jamais poderá intuir das necessidades ou achar-se apto a perceber do ciclópico esforço que mister será desenvolver para manter abertas de par em par as portas de uma qualquer estrutura física do jaez da nossa.
Força é que o financiamento, tal como a lei o visualiza e prescreve, seja assegurado pelo Estado. De forma insofismável, efectiva, consequente.
Força é que o financiamento seja convenientemente equacionado.
Força é que, sem detença, se encare a questão e se busque resolvê-la em definitivo, em homenagem à salus publica.
Que isto é serviço à comunidade!
E não faz sentido que quem já se devota generosamente a tais actividades haja de afectar a sua magra bolsa às actividades que, com enorme sacrifício e sentido de renúncia, desenvolve em prol da sociedade.
A paixão perene por isto não pode ter outros custos que não sejam os da erosão dos sentimentos... e os do desgaste natural de quem padece pelos problemas alheios! Sem cuidar sequer dos próprios!
Mário FROTA
apDC - Direito do Consumo - Coimbra
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