terça-feira, 23 de novembro de 2021

A REVISTA LUSO-BRASILEIRA DE DIREITO DO CONSUMO: sua revivescência


A Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo renascerá!

 A Revista Luso-Brasileira como que terá hibernado na expectativa de que novos actores se entusiasmassem pelo projecto e abrissem as suas portas à prossecução de um tal traço de cooperação entre as duas ribas do Atlântico em singular domínio qual seja o dos direitos das pessoas que se movem no mercado e que quotidianamente são afrontadas pelos artifícios, sugestões e embustes de que são pródigos os que se propõem mercadejar, em acepção o mais ampla possível, nesta que ora tende a ser a sociedade digital.

  Eis o editorial do número que  corresponde ao termo da I série da publicação (Dezembro de 2017) cujo escopo foi e é o de  estreitar as relações entre Portugal e o Brasil no domínio dos Direitos da Cidadania, afinal.

  “SETE ANOS DE PASTOR JACOB SERVIA..."

 Com a edição que ora se vos oferece cumpre-se um septenato, na singularidade do gesto e no magnânimo propósito que serviu de berço à cooperação luso-brasileira (tantas vezes alargada a outras latitudes…), na ânsia de estreitar ordenamentos, de revelar as diferenças e de influenciar decisões.

 Com Camões se pode fundadamente dizer:

 

“Sete anos de pastor Jacob servia

Labão, pai de Raquel, serrana bela;

mas não servia o pai, servia a ela,

que a ela só por prémio pretendia.

 

Os dias, na esperança de um só dia,

passava, contentando-se com vê-la;

porém o pai, usando de cautela,

em lugar de Raquel lhe dava Lia.

 

Vendo o triste pastor que com enganos

lhe fora assi negada a sua pastora,

como se não a tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,

dizendo: Mais servira, se não fora

pera tão longo amor tão curta a vida!”

 

Sete anos de profundo amor pelos espaços por onde os portugueses se passearam, edificando, moldando e moldando-se às circunstâncias das terras e das gentes. E dos ordenamentos que lhes quadram e servem de referência no que tange ao “direito do quotidiano”!

 Sete anos de profícua cooperação para que o mais relevante dos ramos de direito – o Direito do Consumo ou, como se pretende no Brasil, o Direito do Consumidor -, na economia dos mais segmentos do jurídico, pudesse ser entendido nas suas assimetrias e disfunções… numa e noutra das ribas do Atlântico.

 Sete anos de fundas perturbações que os projectos, ainda que consolidados, não são imunes às oscilações do quotidiano nem às flutuações das bases em que os interesses se plasmam e postulam.

 Sete anos de convincente labor em prol de um estatuto talhado para o consumidor e moldado nos mais elevados níveis de protecção, seja qual for a latitude em que se radique.

 E as instigantes exortações de um Paulo Arthur Lencioni Góes, antigo diretor-executivo da Fundação PROCON, de São Paulo, no Congresso Internacional de Natal, a marcar o compasso:

 “Lá na Europa não tem Samsung? Não tem Nokia? Não tem Suzuki? Não tem Toyota? Não tem Toshiba? Não tem …? Então porque é que na Europa a garantia dos bens de consumo é de 2 anos e no Brasil só de 90 dias?”

 [Sabemos que a interpretação mais conforme não é patentemente essa, mas reflecte, em si, a ânsia de afinar diapasões, de soerguer o ordenamento e conferir o melhor direito a todos e a cada um, independentemente das distâncias e das fragmentações intercontinentais, como o não ignoraria também o ilustre jurisconsulto].

 Sete anos a pugnar por que o Código de Defesa do Consumidor, em que cooperámos nos idos de oitenta do século passado, enquanto fundador e primeiro presidente da AIDC/IACL – Associação Internacional de Direito do Consumo, pudesse afinar pelo diapasão dos padrões europeus e por que a legislação portuguesa seguisse os avanços mais significativos do ordenamento tupiniquim.

 Sete anos de uma notável cooperação do Desembargador Joatan Marcos de Carvalho, vice-presidente do Conselho de Direção, e de Anita Zippin, ora presidente da Academia de Letras José de Alencar e sua chefe de Gabinete no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no propósito de o projecto editorial não vir a esgotar-se, fenecendo e abrindo-se destarte uma enorme brecha na cooperação jurídica luso-brasileira.

 [Sem ignorar o esforço originário de Edson Ferreira Freitas, ao tempo, professor da UNIPE, de São Paulo, que fora de análogo modo co-fundador do projecto, na forma como o abraçou e nel despendeu energias muito para além do que a amizade consentiria.]

Sete anos de permanente debate com o Editor e das frutíferas discussões com o Dr. Luiz Fernando de Queiroz o acerto de tantas das decisões para a projecção e o prestígio da publicação.

 Sete anos em que se não achou, afinal, um modelo de difusão de tão prestante periódico no macrocosmos do país-continente que o Brasil indubitavelmente é e que ainda mais a projectaria se a distribuição se incrementasse após a defecção da Livraria J.C. Moreira que de tal se incumbira, para depois debandar, aquando da edificação, da consecução do projecto e no seu decurso.

 Sete anos de expectativas, de temores, de incertezas, de porfiado labor para que o denodado esforço que transluz das mais de 2 500 páginas até então vindas a lume se não extinguisse e não viesse a constituir um capítulo mais de uma história que tende a obnubilar-se… nesta austera, apagada e vil tristeza, como a qualificava o príncipe dos Poetas – Luís Vaz de Camões!

 Sete anos em que cooperaram 169 autores com temas do mais diverso jaez imbricados na temática-mãe da publicação.

 Sete anos de um inestimável contributo para a literatura jurídica centrada nos ordenamentos jurídicos de consumo estabelecidos tanto em Portugal como no Brasil.

Sete anos que chegam agora ao seu termo, esgotadas outras soluções que se buscavam em ordem ao seu auto-financiamento.

 Sete anos de tocante generosidade de quantos emprestaram à revista o seu fulgor intelectual e o brilho dos seus escritos.

 E em que uma renovada esperança se delineia já, lá na distante e sempre fidalga Paraíba, onde o Direito do Consumidor permanece vivo e em cuja constelação nomes como os de Glauberto Bezerra pontificam, a justo título.

 A II série, que principiará com a edição de Março de 2018, representará decerto uma justificável “evolução na continuidade” após o marcante exemplo do Paraná e do suporte inquebrantável do Instituto Bonijuris, de Curitiba, enquanto perdurou e o inextinguível Ideal ali teve tradução mais que simbólica.

 Que deplorável seria condenar às galés uma iniciativa editorial tão prestante quão meritória como esta de que vimos curando há sete anos e que artilhámos com tantos os que no Brasil ocupam, afinal, a mesma trincheira, que é a da Cidadania.

 

“Sete anos de pastor Jacob servia…

Começa de servir outros sete anos

Dizendo: mais servira se não fora…

pera tão longo amor tão curta a vida!”

Que os astros nos acompanhem nesta tão desmedida ânsia de servir!

E que quem se quiser fazer ao caminho, se não renegue a fazê-lo…

Que raras são as obras de Homem só!

Tenham dó…

Que este projecto não subsistirá

Se muitas mãos se não cerrarem

Que este veículo se não moverá

Se mulheres e homens se não concertarem

Sem suporte visível, sem pujante acção

Da mais funda cooperação!

 

Felizes Festas! Felizes Festas no aconchegante seio, no regaço íntimo das Famílias!

 

Coimbra, Villa Cortez, Natal de 2017”.

 

O projecto acabou por não se concretizar, mercê naturalmente de dificuldades insuperáveis com que se terá confrontado, na Paraíba, esse amigo singular que é o infatigável Francisco Glauberto Bezerra, um Homem da Cooperação, de que não temos notícias, aliás, há tempos, mergulhados que ainda nos achamos na onda pandémica que persiste em submergir-nos.

 Eis que de há algum tempo a esta parte, o director da Escola Superior de Defesa do Consumidor do Estado do Rio Grande do Sul, o Dr. Diego Ghringhelli Azevedo, de Porto Alegre, se propôs restaurar o projecto nele se congraçando outros intérpretes e partícipes, de molde a que este potencial esteio de novo se reerga e ofereça às comunidades de povos do Brasil e Portugal um firme suporte de reflexões em torno do evoluir do direito de todos os dias (“do quotidiano”, o denominava o jusfilósofo Jean-Baudrillard) numa e noutra das ribas do Atlântico. Como expressão de um direito que tende a ser universal, que nas suas afinidades conceituais se redescobre a cada instante de molde a afeiçoar-se aos desenvolvimentos de que padece a sociedade neste incessante cavalgar das tecnologias e na transformação fisionómica “visceral” do ordenamento.

 Com a inestimável cooperação de Diego Azevedo, estamos em crer que o projecto não fenecerá.

 E sabemos ainda do empenho de Rogério da Silva, antigo director da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo e hoje seu Vice-Reitor para a Extensão, para além do seu fidelíssimo amigo, o coordenador do PPG/FD/UPF, Liton Pilau Sobrinho, Homem dos Sete Ofícios do Direito e artífice de iniciativas singulares de que o Brasil tem sido privilegiado beneficiário (como o “relicário” dos 30 anos do CDC, notável iniciativa que há que enaltecer autonomamente).

 Como do director da Escola Judicial de Goiás, o Desembargador Marcus da Costa Ferreira, que também nos honra com a sua amizade e é um ardoroso defensor do projecto.

 Como de tantos outros que radicados se acham do Oiapoque ao Chuí.

 O pecúlio admirável que é a Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, em momento em que nos despedimos da presidência da apDC – sociedade científica de intervenção que à promoção dos interesses e à protecção dos direitos dos consumidores se vota –, não pode esgotar-se no ingente esforço que transluz da primeira série.

 Há que associar à gesta a Prof.ª Doutora Susana Almeida, que nos sucedeu na presidência da apDC e a sua vice-presidente, a Prof.ª Doutora Rute Couto, que terçam ardorosamente armas pela consecução e pela renovação da Obra, nesta suma preocupação de religar o Brasil a Portugal, no diálogo constante em torno das problemáticas do direito do quotidiano.

 Para nós, nados e criados em Angola, com cinco gerações de conexão àquele sagrado espaço, o triângulo Brasil - Portugal – Angola, sem menoscabo dos mais territórios por onde os portugueses se “passearam” ao longo dos séculos (na acepção mais nobre do termo), constitui, com efeito, domínio privilegiado em que há que investir empenhadamente para que, em pareceria e em plena paridade, os povos beneficiem do esforço que neste particular se puder desenvolver porque é de cada um e todos que se trata no seu envolvimento nos diferentes segmentos do mercado de consumo, ora em vertiginosa mutação com a transição ecológica e a transformação digital.

 Não debandaremos sem lograr convergir no projecto o braço de uma Angola remoçada e desperta para os candentes problemas da cidadania, com o é hoje patente propósito de Anta Weba e de Wassamba Neto, ambos directores-nacionais adjuntos do Instituto Nacional de Angola de Defesa do Consumidor, que à Causa se consagram em plenitude, para além dos seus meros deveres funcionais.

 Que a energia aditivada que ora vem do Sul do País-Continente, que tão bem nos acolhe, se traduza, a breve trecho, num remoçado projecto em que todos, sem excepção, se revejam.

 Que não tarde a II Série da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, traço de união entre povos e, sobretudo, entre os jusconsumeristas empenhados nas transformações consentâneas dos ordenamentos jurídicos de consumo numa e noutra das bandas do Atlântico!

 

Que os Céus abençoem este ansiado projecto!

 

Coimbra – e Casa Dignidade, à Rua do Brasil, 4 -, aos 20 de Novembro de 2021

(no XXXII aniversário da apDC, instituição-nicho do ILBDC - Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo)

 

 Mário Frota

Presidente do ILBDC – Instituto Luso-Brasileiro de Direito do Consumo - Coimbra

 

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