PREFÁCIO
Da vastíssima obra do médico e
poeta português Miguel Torga, nascido Adolfo Correia Rocha, que chegou a
trabalhar em lavouras cafeeiras de um tio nas Minas Gerais do Brasil, colhe-se
o poema “Recomeçar”.
“Recomeça... se puderes,
Sem angústia e sem pressa,
E os passos que deres,
Nesse caminho duro do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto, queiras só a
metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões
sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo o
logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura onde com
lucidez, te reconheças...”
As quadras do poema
imediatamente remetem o pensamento ao insaciável culto da virtude, que
dedica-se todo, por inteiro, à realização do mais sublime ideal, sem se importar
com nada além do próprio ideal, que se mistura ao sonho de um mundo mais justo
e fraterno, onde possam todos alcançar a felicidade através da dignidade.
Sotor Mário Frota é isso: o
Sonhador mais dedicado à concretização de seus honoríficos ideais de Justiça e
fraternidade, baseados na dignidade da pessoa humana.
Não escora-se apenas em
profundos conhecimentos doutrinários, mas, sobretudo, busca a realização da
justiça, através da correta elaboração das leis e de seu mais fiel cumprimento,
sempre em favor do vulnerável, do frágil, do débil, daquele que, na maioria das
vezes, não tem sequer uma voz a seu favor.
Dá-se por inteiro, muitas
vezes sozinho, ao relento, tal quem prega no deserto, pela defesa dos
consumidores, o angolano de nascença e português por destino, que não
restringiu a divulgação de seus ideais e a difusão de seu incomparável conhecimento
jurídico a terras europeias, sendo um dos fundadores e primeiro presidente da Associação
Internacional de Direito do Consumidor.
Em tal qualidade, foi um
grande entusiasta e colaborador na realização e, sobretudo, na difusão do
Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor, tornando-o, junto a grupo
de valorosos juristas nacionais, conhecido de norte a sul, de leste a oeste, propiciando
que a Lei n. 8.078/1990, como se diz no Brasil, e apenas no Brasil, “pegasse”, ganhando
verdadeiro apego popular e utilização, equilibrando forças entre os vulneráveis
consumidores e os fornecedores, sujeitos relacionais reconhecidamente mais fortes.
Quando me especializei em
Direito dos Contratos e do Consumo, na Universidade de Coimbra, tive a
oportunidade de estreitar relacionamento com o amigo de décadas, com o
privilégio de conviver proximamente com sua amada família, bem como de acompanhá-lo,
ora como ouvinte, ora como companheiro de bancada, a boa parte dos rincões
portugueses, fazendo com a que admiração já existente pelo jurista se transformasse
em idolatria pelo homem de ideias elevados e incansável luta, levando-me ao ardente
desejo de um dia, quando crescer, ser alguém semelhante a Mário Frota.
Fora a admiração pessoal,
nunca será demais relembrar que o Brasil não tem ideia do quanto deve a Mário
Frota por tudo que sempre fez, faz e fará pela defesa dos consumidores em nosso
país e no mundo, o que leva à conclusão da modéstia da presente coletânea,
editada pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, face ao
nome do homenageado.
O presente volume, Estudos
sobre o Direito do Consumidor: uma homenagem ao Professor Mário Frota pela
Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, presta um tributo ao
legado do Professor Mário Frota. Reunindo contribuições de especialistas da
área, esta obra coletiva promove uma reflexão crítica sobre os desafios atuais
e futuros das relações de consumo, abordando desde a hipervulnerabilidade dos
consumidores até a necessidade de regulamentação digital e adaptação às novas
dinâmicas do mercado. A variedade de temas explorados evidencia a crescente complexidade
do consumo na sociedade contemporânea e reforça a urgência de um aprimoramento
contínuo do arcabouço legislativo e jurisprudencial, garantindo uma proteção
mais eficaz e equilibrada aos cidadãos.
Os artigos foram organizados
por temas, facilitando a leitura e possibilitando a correlação entre os tópicos
abordados.
Seção
1: Sustentabilidade, Solidariedade e Cooperação
A proteção ambiental diante da
utilização de obsolescência programada em uma sociedade de consumo de massa
(Oscar Ivan Prux e Marina Weiss Gonçalves)
→ Analisa os impactos da
obsolescência programada no meio ambiente e no Direito do Consumidor,
demonstrando a necessidade de regulamentação para equilibrar desenvolvimento
sustentável e proteção do consumidor.
Princípio da solidariedade
aplicado na sociedade de consumo: a economia de compartilhamento no combate ao
superendividamento no Brasil (Antônio Carlos Efing e Romy Gorny Becher)
→ Explora o conceito de
economia compartilhada como alternativa ao hiperconsumo e ao superendividamento,
destacando o princípio da solidariedade nas relações de consumo.
Neurobiologia e a importância
das técnicas de resolução consensual de conflitos, controvérsias e problemas
para a saúde física, mental e para a produtividade e resolutividade nas
instituições (Paulo Valério Dal Pai Moraes)
→ Aborda o papel da
neurobiologia na regulação das relações de consumo e a aplicação de métodos
consensuais para resolução de conflitos no mercado de consumo.
Seção
2: Vulnerabilidade e Proteção do Consumidor
A efetivação dos direitos das
pessoas com deficiência a partir do uso de tecnologia assistida (Antônio Carlos
Efing e Ana Carolina Fontana de Mattos)
→ Examina a tecnologia
assistiva como meio de garantir mais autonomia a consumidores hipervulneráveis.
A necessidade de proteção
especial ao consumidor idoso: golpes virtuais e telefônicos, concessão
irresponsável de crédito e reajustes abusivos na área da saúde suplementar
(Cristiano Heineck Schmitt e Camila Possan de Oliveira)
→ Explora os desafios
enfrentados pelo consumidor idoso, como golpes virtuais, concessão
irresponsável de crédito e reajustes abusivos em planos de saúde.
Aprimoramento da rotulagem
nutricional de alimentos como instrumento de informação ao consumidor (Simone
Maria Silva Magalhães e Amanda Mattos Dias Martins)
→ Discute a necessidade de
rótulos mais claros e informativos, para garantir escolhas saudáveis e
conscientes pelos consumidores.
Vulnerabilidade, pessoa
consumidora e Defensoria Pública: angústias e caminhos sobre a difícil
conjugação entre direito e a justiça no “consumo” de todo dia (Amélia Soares da
Rocha e Enzo Perdigão e Silva)
→ Analisa a vulnerabilidade
estrutural dos consumidores e o papel da Defensoria Pública na defesa dos seus
direitos.
Seção
3: Relações de Consumo e Responsabilidade Civil
A superação do argumento do
“mero aborrecimento” promovida pela Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor na
jurisprudência brasileira (Marcos Dessaune)
→ Investiga como a teoria do
desvio produtivo tem sido aplicada para garantir a reparação de danos sofridos
pelo consumidor.
Compensa ser uma empresa
racista no Brasil? (Jonas Sales Fernandes da Silva)
→ Analisa decisões judiciais
sobre discriminação racial em relações de consumo e a insuficiência das
indenizações aplicadas pelo Judiciário.
O dano moral nas relações de
consumo: os pressupostos para reparação, a judicialização e a criação de
obstáculos a partir do exemplo do transporte aéreo
(Maria Luiza Baillo Targa)
→ Examina os pressupostos para
reparação do dano moral e a judicialização excessiva de conflitos
consumeristas.
Contratos de cartão de crédito
e a responsabilização das instituições financeiras: uma análise da proteção do
consumidor sob o prisma da boa-fé objetiva e os deveres contratuais anexos
(Daniel Oliveira Coelho, Marcelo Magalhães Mesquita e Rogério Nakae da Silva
Junior)
→ Discute as práticas abusivas
em contratos de cartão de crédito e a necessidade de maior proteção ao
consumidor contra fraudes bancárias.
Comércio de ingressos online:
responsabilidade solidária entre fornecedores por fato do serviço, vício
informacional e venda casada às avessas, indireta ou dissimulada (Vitor Vilela
Guglinski)
→ Examina a responsabilidade
dos fornecedores no comércio eletrônico, abordando práticas abusivas e a
proteção do consumidor.
Seção
4: Direito Digital e Comércio Eletrônico Comércio Eletrônico e a transformação
da ordem digital
Impactos das políticas
públicas e relações internacionais nos hábitos de consumo on-line (Diógenes Faria
de Carvalho, João Paulo Peixoto Stival e Gabriel Freitas Jabur Bittar)
→ Analisa o impacto do
comércio eletrônico nas relações de consumo e as dificuldades na regulamentação
desse novo modelo de negócios.
O papel dos princípios nas
conformidades da LGPD e a proteção do consumidor (Flávio Maimone e Ana Zuin)
→ Examina a interconexão entre
a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Código de Defesa do Consumidor na
proteção de dados pessoais dos consumidores.
Seção
5: Crédito e Superendividamento
Lei 14.181, LGPD e crédito
responsável (Marcus da Costa Ferreira e Thallita Muriel Cardoso Rodrigues)
→ Explora a relação entre
proteção de dados e concessão responsável de crédito, prevenindo o
superendividamento.
Abusive practices on consumer
over-indebtedness (Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira)
→ Analisa a Lei n. 14.181/2021
e suas medidas para prevenir o superendividamento, abordando práticas abusivas
no setor bancário.
A Escola Judicial do Tribunal
de Justiça do Estado de Goiás sente-se honrada em apresentar esta obra, que não
apenas presta homenagem a um dos maiores expoentes do Direito do Consumidor no
mundo, mas também aprofunda temas fundamentais para a proteção do consumidor no
Brasil e no mundo.
Esperamos que esta coletânea
contribua para reflexões, debates e ações concretas que fortaleçam os direitos
dos consumidores e promovam uma sociedade mais justa e equitativa, cumprindo os
ideais que embalam a vida do homenageado; qualquer tributo sempre será
insuficiente frente ao gigantismo de seu proceder, sem jamais esmorecer, em
diário e eterno recomeço, como sugere Miguel Torga em linhas anteriores.
Muito obrigado, professor
Mário Frota
Boa leitura!
Desembargador MARCUS
DA COSTA FERREIRA
Corregedor-Geral da Justiça