“Depois de ter ouvido
falar de um novo direito – o direito à reparação – como algo que visa prolongar
a vida das coisas, evitando-se o desperdício e os resíduos, pergunto-me se isso
abrange todo e qualquer bem duradouro de consumo e como é que as coisas se
processarão porque, com os elevados preços de mão-de-obra, num mercado de
escassa concorrência, é sempre mais
barato descartar, substituindo, que reparar.”
Apreciada a questão, cumpre oferecer adequada
resposta:
1. O
novo direito resulta de um sem-número de Resoluções do Parlamento Europeu – de
04 de Julho de 2017, 25 de Novembro de 2020 e 07 de Abril de 2022 – e dos
Planos de Economia Circular de 02 de Dezembro de 2015 e de 11 de Março de 2020.
2.
Com tradução na a Directiva (EU)
2024/1799, de 13 de Junho de 2024.
3. Directiva
que os ordenamentos dos Estados membros terão de transpor tempestivamente de
molde a que entre em vigor em cada uma das geografias a 31 de Julho de 2026.
4. A
Directiva não tem, enquanto tal, um alcance universal: restringe a produtos
“regulados” o novo direito e enumera-os exaustivamente, a saber:
4.1.
Máquinas de lavar roupa para uso doméstico
e máquinas combinadas de lavar e secar roupa para uso doméstico [Regulamento
(UE) 2019/2023 da Comissão]
4.2.
Máquinas de lavar louça para uso doméstico
[Regulamento (UE) 2019/2022 da Comissão Europeia]
4.3.
Aparelhos de refrigeração
[ Regulamento (UE) 2019/2019 da Comissão
Europeia]
4.4.
Ecrãs electrónicos
[Regulamento (UE) 2019/2021 da Comissão
Europeia]
4.5.
Equipamento de soldadura
[Regulamento (UE) 2019/1784 da Comissão
Europeia]
4.6.
Aspiradores
[Regulamento (UE) n.º 666/2013 da Comissão
Europeia]
4.7.
Servidores e produtos de armazenamento de
dados
[Regulamento (UE) 2019/424 da Comissão
Europeia]
4.8.
Telemóveis, telefones sem fios e tábletes
[Regulamento (UE) 2023/1670 da Comissão
Europeia]
4.9.
Secadores de roupa para uso doméstico
[Regulamento (UE) 2023/2533 da Comissão
Europeia]
4.10.
Bens em que estejam incorporadas baterias
de meios de transporte ligeiros
[Regulamento (UE) 2023/1542 do Parlamento
Europeu e do Conselho]
5. No
entanto, na esteira de outros normativos, o consumidor terá sempre direito a
assistência pós-venda de todo e qualquer bem de consumo duradouro:
“O
consumidor tem direito à assistência [pós-venda], com incidência no
fornecimento de peças e acessórios, pelo período de duração média normal dos
produtos fornecidos.” (Lei 24/96: n.º 5 do art.º 9.º).
6. Como
se lhe garante a existência de acessórios ou sobresselentes por um período
dilatado para que se assegure, noutros moldes, a reparação seja de que bem for:
“Sem
prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à responsabilidade do fornecedor
ou do produtor pela não conformidade dos bens, o produtor é obrigado a dispor
das peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor, durante
o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do bem
respectivo (DL 84/2021: art.º 21).
7. O
que quer significar, ao contrário do que possa supor-se, que o direito à
reparação em geral reveste uma característica de universalidade fora do quadro
dos bens “regulados”, por paradoxal que pareça, em vista das observações precedentes.
EM
CONCLUSÃO:
a.
A Directiva de 13 de Junho de 2024, cujas
disposições entrarão em vigor no EEE a 31 de Julho de 2026, confere o direito à
reparação a uma dezena de produtos especificamente regulados (Anexo II).
b.
Os consumidores gozam, porém, de
assistência pós-venda dos bens de consumo que adquiram, independentemente da
sua categoria ou classificação (Lei 24/96: n.º 5 do art.º 9.º).
c.
E disporão, para reparação dos bens, de
peças, acessórios e sobressalentes por um período de 10 anos após o lançamento
no mercado da última das unidades do modelo de que se trate (DL 84/2021: art.º
21).
d.
O que inculca a ideia de que o direito de
reparação é universal e não se circunscreve aos que o anexo II da Directiva
enuncia.
Mário Frota
presidente do Instituto
Luso-Brasileiro de Direito do Consumo