Um consumidor a quem
havia sido recusada a prerrogativa legal de pagar, no “Dallas Burger”, em São
Bento, Lisboa, uma refeição ligeira com notas e moedas de euro, denunciou tempestivamente
o facto ao Banco de Portugal.
Com patente estranheza, o
BdP asseverou-lhe, invocando preceitos do Regulamento do Euro de 98 e da Recomendação
da Comissão Europeia de 2010, que “os normativos não estabelecem sanções
relativas à recusa de aceitação de notas e moedas metálicas em euros para
satisfação de um crédito.“
Nem teriam de estabelecer.
Tal caberia aos Estados-membros. E Portugal primou pela negligência, omitindo a
medida coercitiva que enquadraria a norma na moldura perfeita… E, que se saiba,
o BdP jamais instou o legislador a que o fizesse.
A moeda com curso legal (na
ausência do euro digital, ora na “forja”)
é, afinal, moeda com curso forçado: não pode ser recusada em favor de
“valores outros”… sem o “devido troco”!
E os textos em
preparação, conferindo ao euro digital curso legal, consideram-no sempre complementar…
primazia dada ao euro em espécie!
Rumores não confirmados atribuem ao BdP o carrear das reclamações para
a Autoridade de Segurança Económica.
O BdP é, porém, o garante
da moeda com curso legal, como a Vossa Excelência não escapará…
A Autoridade de Regulação
do Mercado avoca a si as competências no domínio dos preços por expressa
imputação das leis.
O BdP não pode ignorar levianamente
as leis vigentes. E tem, perante as circunstâncias, o estrito dever de agir.
O ordenamento não se
esgota no Regulamento do Euro: o BdP tem ao seu alcance o expediente da
notificação aos infractores a que afeiçoem a conduta aos cânones legais sob pena de desobediência,
ao abrigo do Código Penal. E os efeitos das penalidades (prisão até um ano e
multa até 120 dias) far-se-iam sentir com todo o peso, tanto em termos de prevenção
especial como geral.
Com a evolução operada,
entretanto, independentemente da inexistência de moldura sancionatória directa,
para acudir a tais situações, outros quadros normativos se aditaram ao direito posto.
A norma original é imperfeita:
não há, pois, de modo directo, medida coercitiva em caso de incumprimento (nem
o desenho da moldura sancionatória caberia ao Conselho da CE).
Em 2019, entenderam as
instâncias europeias que às condições gerais dos contratos absolutamente
proibidas (cláusulas contratuais gerais as denominam com impropriedade), a lei respectiva, para além
das acções inibitórias que no caso couberem, deveria associar-lhes uma sanção
adequada, proporcionada e dissuasiva.
E o legislador português,
em 10 de Dezembro de 2021 (DL 109-G),
para valer a partir de 28 de Maio de 2022, aparelhou uma moldura adequada,
considerando que, em tais circunstâncias, se estaria face a uma contra-ordenação económica muito grave (nem
leve nem grave, antes a mais draconiana das sanções).
E a lei, nos aditamentos
que entretanto conheceu, confere ao regulador, “in casu” o BdP, afinal,
competências para o efeito. Sem tirar nem pôr.
Como pode o Banco, cujos
destinos repousam nas mãos de Vossa Excelência, ignorar esta singularidade?
Porque, afinal, as condições gerais de exclusão da moeda cabem nesse desenho.
Perante este quadro, o que
faltará ao BDP para adequar os seus procedimentos à lei em vigor,
“fiscalizando, instruindo os autos e infligindo as devidas sanções” aos
infractores?
Tem sido interessante,
independentemente dos desígnios que em tal se perscrutam, a peregrinação que
Vossa Excelência encetou pelas escolas do País.
Não sabemos se os alunos
já lhe terão perguntado como fazer quando, acossados pela fome ou pela
necessidade de chegar a casa, se detêm num dos pontos de venda da Rede de
Pastelarias Gleba ou nos eléctricos da Carris e lhes recusam o pagamento da
carcaça ou do bilhete de transporte se se limitarem a apresentar notas ou
moedas metálicas com curso legal para pagamento…
De qualquer sorte, o BdP
presta um péssimo serviço à cidadania, insistindo na tónica de que a norma
imperativa sem sanção o impede de agir.
Seria interessante que
Vossa Excelência reflectisse nisso, no denegar sistemático da aplicação da lei
vigente a estes tenebrosos casos da vida… em que, ao que parece, em Portugal, como
diria Sampaio, “a lei não impera, não manda, não obriga, antes é uma mera
sugestão”…
Triste fado!
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DOCONSUMO- Portugal