"por razões que nos escapam não veio hoje a lume o consultório que "as Beiras" publicam usualmente às sextas-feiras."
‘AFASTA,
AFASTA O MEU
DEDAL… COMO O DINHEIRO COM CURSO LEGAL?
Apetecia
cantarolar, ao jeito da Beatriz Costa na ‘Canção de Lisboa’: ai chega, chega,
chega , chega a minha agulha…
Cenário
§ Local:
Leroy Merlin em Oeiras (Oeiras Parque).
§ Dia/Hora:
Domingo, à tarde, cerca das 16.00h
§ Havia
habitualmente nesta loja 3 ou 4 caixas com atendimento presencial onde se podia
pagar com dinheiro e com cartão. Adicionalmente, havia 3 ou 4 pontos de
pagamento em regime self service e só
com base no cartão.
§ No
dia indicado, havia apenas 2 caixas com atendimento pessoal sem que estivessem
a funcionar.
§ Havia
também 7 ou 8 caixas self service, e
apenas numa delas se permitia o pagamento em dinheiro.
§ Nesse
momento, 3 ou 4 trabalhadores que em vez
de se acharem nas caixas com atendimento
presencial, andavam a pressionar os clientes para fazer pagamentos com cartão
de uma forma bastante insistente, diria até demasiado e inaceitavelmente
insistente.”
Ante
a factualidade revelada, cumpre oferecer a solução que decorre da lei:
1. Uma
tal prática, pelo assédio que lhe subjaz, é qualificada pela lei como
agressiva:
“É
agressiva a prática comercial que, devido a assédio, coacção ou influência
indevida, limite ou seja susceptível de limitar significativamente a liberdade
de escolha ou o comportamento do consumidor em relação a um bem ou serviço e,
por conseguinte, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma
decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.” [DL 57/2008: n.º 1
do art.º 8.º]
2. Na
aferição da prática…”atende-se ao caso concreto e a todas as suas
características e circunstâncias, devendo ser considerados os seguintes
aspectos:
a)
Momento, local, natureza e persistência da
prática comercial;
…
c)
Aproveitamento consciente pelo profissional de qualquer … circunstância
específica que pela sua gravidade prejudique a capacidade de decisão do
consumidor, com o objectivo de influenciar a decisão deste em relação ao bem ou
serviço…” [DL 57/2008: n.º 2 do art.º 8.º]
3. A
moldura sancionatória é a da contra-ordenação económica grave: grande empresa (250
ou mais trabalhadores) - coima de 12 000 a 24 000 € [DL 57/2008: n.º
1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. v da alínea b) do art.º 18].
4. A
moeda com curso legal (notas e moedas de euro) não pode ser postergada em favor
do dinheiro digital (dos cartões de pagamento electrónicos): a Comissão Europeia define de modo imperativo que
i.
Os comerciantes não podem recusar pagamentos em numerário, a menos que as
partes [os próprios e os consumidores] acordem entre si a adopção de outros
meios de pagamento.
ii.
A afixação de letreiros ou cartazes a indicar que o comerciante recusa pagamentos
em numerário… não é por si só suficiente nem vinculante para os consumidores.
iii.
Para que produza efeitos, terá o comerciante de invocar fundadamente razão
legítima às entidades que superintendam nos sistemas de pagamento.
iv.
Entidades públicas que prestem serviços essenciais não poderão aplicar
restrições ou recusar em absoluto pagamentos em numerário… [Recomendação
2010/191/EU, de 22 de Março de 2010, JOUE de 30.03.2010]-
1. Sempre
que em presença de situações como as descritas supra, o Banco de Portugal notificará,
sob pena de crime de desobediência, as empresas que subscrevam tais atitudes em
ordem a afeiçoarem-se ao regime vigente no País e na Zona Euro [Código Penal:
art.º 348].
2. A
moldura para a desobediência simples é de prisão até um ano ou multa até 120
dias; a desobediência qualificada sobra a medida abstracta da pena.
EM
CONCLUSÃO
a. As
práticas adoptadas pelos trabalhadores para que os consumidores sejam desviados
(como que compelidos) para as caixas em
que o pagamento o é por meios digitais constitui um ilícito de mera ordenação social
cominado com uma contra-ordenação económica grave: coima de 12 000 a
24 000 €, tratando-se de grande empresa [DL 57/2008: n.º 1 do art.º 8.º,
nº 1 do art.º 21; DL 9/2021: sub. V,
al. b) do art.º 18].
b. A
recusa da aceitação de notas e moedas com curso legal constitui um ilícito
susceptível, após notificação não acatada do Banco Central, de incorrer no tipo
legal de desobediência simples cuja moldura é a
prisão até um ano e multa até 120 dias [Cód. Penal: al. b) do n.º 1 do
art.º 348].
Tal
é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal