A notícia
de que a Deco-Proteste, L.da (uma
empresa mercantil que se faz passar fraudulentamente, entre nós, por associação
de consumidores, com o ‘beneplácito’ das autoridades) considera como mero favor
a troca de brindes, já que – ao que diz – não há na lei nada que consigne um tal
direito ao consumidor, talvez surpreenda (ou nem isso!). Por nos haver
habituado às suas “interpretações heterodoxas” em desfavor, isso sim, do
consumidor! (Recordam-se do ‘couvert’? “Quem cala consente, quem trinca
consente mais”…?)
Urge desmistificar
tendenciosas “interpretações jurídicas”, denunciar promiscuidades no seio do
mercado, perniciosas conivências e cumplicidades, oferecendo à comunidade
jurídica as soluções que se têm, em rigor, por fidedignas, como dizia o
laureado Mestre Pereira Coelho.
Na ausência de regra expressa no ordenamento jurídico de consumo, há que
recorrer supletivamente ao Código Civil: nele se disciplina a venda
a contento e a venda sujeita a prova.
A ‘venda
a contento’ é feita sob reserva de
a coisa agradar ao consumidor; a ‘venda
sujeita a prova’ sob condição de a coisa ser idónea
para o fim a que se destina e ter as qualidades pelo vendedor asseguradas.
A venda a contento [Código Civil: art.ºs 923 s] reveste duas modalidades:
·
a primeira, mera proposta de venda: que se considera
aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não pronunciar dentro do prazo
da aceitação (8, 10…, o que se fixar); neste caso, não haverá pagamento, mas
mera entrega do valor da coisa, a título de caução.
·
a segunda, como contrato: há já um contrato, a que o
consumidor porá termo se a coisa lhe não servir ou a terceiro, se não for
idónea para o fim a que se destina; devolvida a coisa, restituir-se-á na
íntegra o preço.
A ‘venda sujeita a prova’ [Código Civil: art.º 925] depende, em princípio, de uma condição suspensiva: i., é, segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento
futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio; se servir, se for idónea, o
negócio produz os seus efeitos normais, se, pelo contrário, o não for, o contrato extingue-se.
A prova deve ser feita
dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos
usos.
Em caso de dúvida,
presume-se que a modalidade adoptada, dentre as enunciadas, é a primeira: a da proposta contratual.
Mas, na circunstância,
poderá haver ainda o recurso ao ‘princípio
da autonomia da vontade’ [Código Civil: art.º 406], em cujo n.º 2, sob a epígrafe “liberdade contratual”, se
diz:
“As partes podem ainda reunir no mesmo
contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na
lei.”
E o facto é que os
contratos celebrados nestas circunstâncias (e é essa a vontade dos contraentes,
fundidas em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os consumidores
comprariam o que quer que fosse nem os comerciantes venderiam) são-no com a
faculdade de troca em um dado período de tempo (que outrora fora de oito dias,
pelo recurso paralelo ao prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial,
que, de resto, constava das notas emitidas pelos estabelecimentos).
Contrato que é um
híbrido da venda a contento ou sujeita a prova com consequências menos gravosas para o
comerciante que os verdadeiros e próprios contratos típicos, como se
definiram, com a faculdade de troca do bem, já que se pactua a substituição
da coisa que não a sua devolução pura e simples e a restituição do
preço.
Não se fale, pois, em favor ou em mera cortesia nem se diga que os comerciantes não estão obrigados a
efectuar as trocas com as consequências daí emergentes: porque, em termos tais, a isso se obrigam, no interesse próprio.
“Só há, com efeito, um
bem… o conhecimento”, como asseverava Sócrates, o grego.
Pior que a ignorância,
muito pior, é a cumplicidade, o conluio, o comprometimento com os que defraudam o consumidor e atentam contra os
seus mais elementares direitos.
E, como
empresa que é, a Deco/Proteste,
L.da… afina pelo diapasão mercantil que não pelo do
direito pontuado pelos princípios e regras, como no caso.
Haverá necessidade de
dizer mais?
Mário Frota
presidente emérito da
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal