
De
coisas menores (?) se ‘desimportam’ os consumidores… e
disso tiram vantagem os fornecedores!
“Uma avaria no fecho das portas de um
automóvel, uma deslocação à oficina, a reparação efectuada e a factura
apresentada no acto.
Volvidos 7 meses, repete-se
a avaria. Exactamente no fecho das portas
reparado. O regresso à oficina. A exigência de reparação. E, na recolha
do veículo, nova factura. Ora toma lá: “cento e noventa euros”!
O consumidor pagou. Mas
ficou a ruminar na ideia. Então não se tratou da mesma avaria? E as reparações estão fora das
garantias?”
Cumpre opinar:
É
que a reparação
Também
tem garantia
São
3 anos, sem excepção,
E
sem qualquer ‘amnistia’…
1. A Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 18 de Outubro
de 2021, em que de novo se disciplina a garantia de coisas móveis e imóveis,
diz de modo expresso na al. b) do n.º 1 do seu art.º 3.º:
“O presente [regime]
aplica-se aos bens [reparados] no âmbito de um contrato de prestação de
serviços”.
2. Ora, de harmonia com o n.º 1 do seu art.º 12.º, sob a
epígrafe “responsabilidade do profissional em caso de [não] conformidade”, se
prescreve que
“o [fornecedor ou
prestador de serviços] é responsável por qualquer [não] conformidade que se
manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.”
3. Logo, o consumidor, após a reparação, beneficia de uma
garantia de 3 anos sobre os pontos específicos objecto da intervenção do prestador
de serviços, no caso da oficina.
4. Não terá, por conseguinte, de efectuar qualquer pagamento
como se fosse uma nova e distinta reparação, quando, afinal, da mesma avaria se
tratou.
5. A cobrança do montante a que se alude – 190 € - é
susceptível de configurar um crime de especulação, previsto e punido pela Lei
Penal do Consumo de 1984, no seu art.º 35.
6. A moldura penal da especulação comina com prisão e multa:
prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias, sendo que
cada um dos dias, no limite, pode atingir 500 €.
7. Até se acredita que seja por ignorância do responsável pela
oficina que a factura do serviço prestado haja sido apresentada.
8. No entanto, a ignorância, neste passo não escusa.
9. Claro que há para aí umas ‘histórias’ mal contadas quando,
em estudo recente, encomendado pela Direcção-Geral do Consumidor, se afirma que
cerca de 90% dos agentes económicos conhecem os direitos dos consumidores. O
que é redondamente falso porque a informação, nem sequer a mais elementar, como
no caso, lhes chega… por incumprimento do Estado da sua missão de informar por
mor do art.º 4.º da Lei 34/2004 e do art.º 50 do DL 84/2021!
EM
CONCLUSÃO
a. A Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo não se restringe
simplesmente, como o nome sugere, à compra e venda, antes se aplica também à
empreitada, a outras prestações de serviços e à locação de bens móveis e
imóveis (DL 84/2021: art.º 3.º)
b. Aplica-se, por conseguinte a qualquer reparação de um bem
móvel, como no caso (DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º)
c. O prestador de serviço é responsável por qualquer [não]
conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem,
ou seja, uma qualquer reparação tem também uma garantia de três anos (DL
84/2021: n.º 1 do art.º 12)
d. Pretendendo o prestador cobrar por um serviço coberto pela
garantia, comete, ao que parece, um crime de especulação (DL 28/84: art.º 35)
e. A moldura penal do crime de especulação é de prisão e multa:
seis meses a três anos de prisão e multa não inferior a 100 dias (Dl28/84:
idem).
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal