A
raspadinha, as novas lotarias e o enleante 761 das televisões
Agitam-se as hostes
porque os métodos viciantes das ‘raspadinhas’ levam à ruína as pessoas de
provecta idade, convictas de que podem fazer fortunas despendendo somas
ridículas que repetidas ‘sem conta nem peso nem medida’ lhes exaurem o
desbastado porta-moedas.
Mas nem por isso os
senhores que mandam na vida de todos e cada um, em regime aberto, deixam de
enxamear os ares com novas lotarias a que vai adicionada de modo directo e
reflexo a publicidade que subjuga, submete, escraviza…
Fala-se de ‘adições’
quando deviam estar todos preocupados com estas maciças ‘subtracções’ que
deixam as famílias em polvorosa.
Os concursos televisivos
são outra pecha que tem como universo-alvo as pessoas retidas em casa pela
condição física, pela idade, pela doença… E de euro em euro se vão ‘fortunas’!
“Grão-a-grão enche a
galinha o papo”, diz o povo que é destarte espoliado…
E, no entanto, a atitude
assediante dos apresentadores dos programas de TV que constitui como que o
passo primeiro para o esbulho continua impune.
Sabe o que é o assédio?
Sabe que o assédio é o
ingrediente propício das práticas desleais que, como tal, constituem um ilícito
de mera ordenação social passível de coima para quem dele lança mão de molde a enredar
na sua trama as pessoas?
Ora, assédio é…
Assédio é, segundo os
dicionários, “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão
constantes em relação a alguém.” E assediar significa perseguir com propostas,
sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar
súbita ou inesperadamente.
É vulgar ouvir-se falar
de assédio no plano sexual, como no moral, mas a figura surge na primeira
metade da década de 2000, sob novos influxos, no domínio do direito contratual
do consumo com absoluta pertinência e justificação. Como surgira já, aliás, no
plano da proibição da discriminação, mormente com reflexos na esfera negocial, ex
vi Lei 14/2008, de 12 de Março, resultado, aliás, da transposição da
Directiva 2004/113, de 13 de Dezembro, que define, no plano de que se trata,
assédio como segue:
“todas as situações em
que ocorra um comportamento indesejado, relacionado [ou não] com o sexo de uma
dada pessoa, com o objectivo ou o efeito de violar a sua dignidade e de criar
um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”.
Sem se referir obviamente
o Código do Trabalho ou o Código Penal que, no seu âmbito, recortam o conceito
para os fins específicos neles consignados.
Uma lei de 12 de
Fevereiro de 2019 (a n.º 12/2019) estende a disciplina do assédio ao
arrendamento urbano para habitação, em cujo artigo 2.º adita ao Novíssimo
Regime do Arrendamento Urbano uma norma com a redacção que segue, sob a
epígrafe “proibição de assédio”:
“É proibido o assédio no
arrendamento …, entendendo-se como tal qualquer comportamento ilegítimo do
senhorio, de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na
comercialização do locado, que, com o objectivo de provocar a desocupação do
mesmo, perturbe, constranja ou afecte a dignidade do arrendatário,
subarrendatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado,
os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso,
humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o
acesso e a fruição do locado.”
Agora já terá uma ideia
do que seja o assédio.
Algo a que se assiste em
três canais de televisão todos, mas todos os dias. Para desgraça alheia e
gáudio dos que esportulam à saciedade os hipervulberáveis sem uma palavra de
“quem de direito”!
O que faz a ERC – o
Regulador da Comunicação Social - a que
estas coisas, de si tão relevantes, escapam?
Mário Frota
presidente emérito da
apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal