Com um ligeiro declínio
face a 2021, as reclamações formalmente deduzidas perante a Administração
atingiram, em 2022, o cúmulo de 466 126.
De um tal universo, os
mais reclamados são os serviços de interesse económico geral: 104 672 nas
comunicações, 27 261 energia eléctrica e
gás.
Os dados não se nos
afiguram, porém, fiáveis: o Regulador das Comunicações regista, no específico
domínio que gere, não 104 762, veiculados pela DGC, mas 109 700…
Em 2021, as Comunicações
registaram 128 500 reclamações.
Em 2023, no decurso do I
semestre, os valores apurados atingem já
54 100.
As cifras negras (as dos
que reclamam pelo telefone ou verbalmente nas lojas e cujos registos se não
tomam) devem aproximar as reclamações, segundo cálculos, da ordem de um 1 000 000
/ano.
Em 2022, os processos
“negociais” dominaram o registo de reclamações: patente deslealdade, nas
vertentes da enganosidade como da agressividade, nos métodos adoptados, provocados
quiçá pela ânsia de coagir os consumidores a contratos de longa duração, ainda
que afectos aos concorrentes.
Destaque para activação
de serviços sem consentimento, fundamento que, aliás, mais disparou no cadastro
da NOS e da MEO e de que à Vodafone infligira, em 2022, pesada condenação o
Supremo Tribunal de Justiça em acção popular adrede instaurada, cujo montante
indemnizatório se estimou em 4 mil milhões de euros, reportados a quatro anos de
práticas reiteradas e prenhes de ilicitudes.
Classificámos em
distintas categorias tais métodos, aí avultando os contratos falsificados, fraudulentos,
forçados, forjados, “funcionalmente” ‘coligados’ e neles figurando ‘fantasiosa
facturação’.
Contratos falsificados: v.g., um advogado de Coimbra, desde sempre cliente da Cabo Visão /
NOWO, interpelado pela NOS para pagar valores em atraso, de há muito
prescritos, de pretenso contrato a si religado, a que jamais se ativera;
outrotanto de uma doméstica de Borba a quem a NOS reclamou cerca de 1000 € por contrato
rompido ou não cumprido, que jamais celebrara.
Os pseudo-contratos (autênticos casos de
polícia) aparecem com assinaturas
falsificadas ou meros rabiscos imperceptíveis não imputáveis aos ‘titulares’.
Contratos fraudulentos,
i. é, em fraude à lei, em que o universo-alvo é de idosos, hipervulneráveis,
persuadidos a contratar serviços com uma amplitude de que não carecem ante as
necessidades quotidianas experimentadas e consabidas pelas operadoras que devassam
sistematicamente as aldeias e os lugarejos mais recônditos, aliás, onde se anicham
as vítimas.
Contratos forjados: por meios
de comunicação à distância ou ao domicílio sem formalidades legais … considerando-se
como pretenso meio de prova a mera gravação dos contactos, que não cumprem,
porém, os requisitos legalmente estatuídos, mormente os de forma.
Contratos forçados: em
decorrência de renovações não consentidas nem suportadas pela lei como pelo
contrato, findas as fidelizações, em que
as empresas se dispõem a fornecer ininterruptamente o serviço com a
cobrança de montantes a que nem sequer se abatem os valor dos equipamentos,
entretanto, amortizados (renovação tácita de contratos que caducam com a subsistência de uma relação de facto não passível
de facturação (tais serviços consideram-se legalmente prestados a título
gratuito).
Contratos “funcionalmente
coligados”: contrata-se o serviço de telefone fixo e, por arrastamento, outros
se incluem na factura, com a infundada justificação de que não há serviços
destacáveis no pacote (ou todos ou nenhum…). Reza, porém, a lei: “é vedado ao
fornecedor… fazer depender o
fornecimento de um bem ou a prestação de um serviço da aquisição ou da
prestação de um outro ou outros.”
Contratos com “farta e fantasiosa facturação”: ou em razão de conteúdos e serviços digitais
não solicitados ou de serviços outros accionados sem prévia aquiescência do titular,
como nos do julgado da Vodafone. Aliás, a conhecida jornalista Fernanda Câncio
dá do facto nota em um editorial “como as telecom nos roubam com um click“, na sequência de algo que ocorrera com sua mãe,
senhora de provecta idade (91 anos), ludibriada ‘de mansinho’ pela Meo.
Este é, por estranho que pareça, o
arrepiante quadro em que se inscreve o nosso quotidiano.
“Seja a salvação do povo a lei suprema” (“Salus populi suprema lex
esto”)!
Mário Frota
presidente emérito da apDC –
DIREITO DO CONSUMO - Portugal