‘INFORMAR PARA NÃO REMEDIAR’
PROGRAMA
20 de Dezembro de 22
QUESTÃO
O economista Jorge Gouveia Alves parece que veio, em tempos, a terreiro, denunciar, com dados concretos, uma situação a que o Professor já aludiu neste espaço algumas vezes, de modo pontual: trata-se de uma empresa que no mercado se faz passar por organismo de defesa do consumidor numa burla de uma enorme dimensão. Com lucros enormíssimos.
Que o Professor desvendar o logro?
RESPOSTA
Em momento em que se queimavam os últimos cartuchos dos quartos de final do Mundial de Futebol, houve quem trouxesse à queima um artigo intitulado
“Deco, defesa? Olhe que não!”,
da lavra de um economista, o Dr. Pedro Gouveia Alves, que de forma aparentemente divertida remata:
“DECO, defesa? Olhe que não. Antes um excelente médio: o “mágico”, esse grande jogador que desequilibrava a defesa adversária. Um dos maiores maestros de sempre da selecção nacional.”
Mas o articulista principia de forma muito terra-a-terra a sua apreciação, centrada no que fora uma associação de consumidores e de modo desvirtuante se converteu numa cadeia de interesses que importa denunciar, já que anda tudo, com efeito, envolto num denso embuste susceptível de enredar os mais néscios dos consumidores.
“Mais de quarenta anos depois [da sua criação], a DECO já não é … uma associação. É um grupo de empresas. Mais. É uma complexa organização comercial. Em conjunto com a empresa multinacional Euroconsumers, S.A., detém a empresa DECO Proteste, Lda., uma sociedade por quotas, que pertence em 25% à Deco e em 75% à Euroconsumers, S.A..
No ano de 2015, a DECO Proteste, Lda. fechou o exercício com 47 milhões de euros de volume de vendas, segundo relatórios publicados. Sim, 47 milhões! Portanto, uma sociedade comercial por quotas que é uma grande empresa.
Mas não ficamos por aqui.
Porque razão a DECO Proteste, Lda. detém a 100% uma mediadora de seguros, a Proteste Seguros – Mediação de Seguros Sociedade Unipessoal, Lda.?
E detém a 100% a Proteste Investe – Consultoria para Investimento, Lda.?”
E, como se vem revelando mais recentemente, a sua intervenção numa extensa mancha de negócios, como o dos vinhos, o dos colchões, o da gestão de condomínios, e agora uma outra antena - a DECO EMPRESAS, em que se filiam sociedades como ALDI, AUCHAN, LIDL, EMMA, MEO…, numa promiscuidade sem par!
Claro que a roda de negócios é imparável.
E os próprios jornais, rádios e televisões fazem-lhes publicidade de borla, qualificando-a como associação ou organização de consumidores, como amiúde se vê, numa ingenuidade sem paralelo, que só lhes traz ganhos.
Pedro Gouveia Alves diz de modo certeiro ante as falaciosas “escolhas acertadas”:
“Então, afinal as escolhas acertadas da DECO não são as mais certas para mim, enquanto consumidor?
Para mim, não. Porque enquanto consumidor, o que me dá mais gozo é a minha liberdade de escolher. A liberdade de navegar na net e comparar por mim. A liberdade de falar com os meus amigos e pedir a sua opinião. De confiar nas marcas, em quem as representa, nos gestores e nas pessoas. E, livrem-se estes de me enganarem. Troco de marca, de fornecedor, de prestador de serviços. E, se quiser reclamar, escrevo no livro de reclamações da entidade reguladora respectiva, seja da ASAE, da ASF nos seguros, do Banco de Portugal nos serviços financeiros, da ANACOM, nas telecomunicações, etc., etc. “
E acrescenta:
“Tropecei aqui há tempos numa notícia publicada pelo jornal Público que dava conta do famoso leilão de tarifas de electricidade promovido pela DECO no ano de 2013. Não se conhecendo os contornos das consultas que foram feitas por aquela organização ao mercado, nem as negociações inerentes, foi a ENDESA que acabou por ganhar o concurso. As marcas nacionais como a EDP ou a GALP, escusaram-se a concorrer. Mas, diz a notícia, que a DECO acabara por não resistir a ganhar uma comissão por contrato angariado nesse concurso, numa lógica puramente mercantil.”
Em nosso entender, o Ministério Público deveria tomar a sério esta situação e obrigar a empresa, o conglomerado de empresas a assumir-se como tal, deixando de trapacear, no mercado, o consumidor.
A Autoridade da Concorrência, por paradoxal que pareça, deveria fazê-lo de idêntico modo porque essa cadeia de empresas faz concorrência desleal às escassas associações autênticas, autónomas e genuínas que se perfilam entre nós.
A Direcção-Geral do Consumidor, em nosso entender, tem também uma palavra a dizer a este propósito!
QUESTÃO
O atendimento deficiente nos Serviços Públicos deve ser alvo dos cuidados dos cidadãos.
Com efeito, nem sempre as reclamações ao nível das bases são adequadamente digeridas e as retaliações sobre para quem exerceu um dever cívico em ordem à salvaguarda da qualidade dos Serviços ou em vista à consecução de tais objectivos abatem-se inexoravelmente,.
Parece que há aqui o lamento de uma consumidora que fala do mau atendimento nos HUC, os Hospitais da Universidade de Coimbra.
RESPOSTA
Serviços Públicos: qualidade, sensibilidade, reclamações, retaliações
OS EFEITOS PERNICIOSOS DAS RECLAMAÇÕES: AS RETALIAÇÕES
De uma consumidora, associada da ACOP, o lamento que segue:
“Já fiz 2 reclamações por escrito no livro de reclamações dos HUC pela forma como têm lidado com a situação preocupante da minha mãe, de 94 anos, doente com insuficiência cardíaca, com pacemaker e que, desde 25 de Novembro até hoje, já foi às urgências do HUC 4 vezes e 4 vezes lhe deram alta.
Por ter dado uma entrevista ao Notícias de Coimbra, julgo ser aos olhos dos HUC (das urgências) pernona non grata. E tanto a minha mãe, como eu, já estamos a sofrer retaliações.
O telefone directo para o gabinete de informações dos HUC está sempre interrompido…
A enfermeira que está de vigilância na ala dos doentes com alta recusa-se a falar comigo pelo telemóvel da minha mãe.
Disse mesmo à minha mãe que não falava comigo porque eu tinha feito reclamações...
Para vir de ambulância para casa, já que também me encontro doente, é preciso que o serviço dos HUC passe uma credencial de transporte.
Na localidade em que nos achamos domiciliadas, os bombeiros não fazem retorno de doentes (…).
Só os bombeiros de uma localidade próxima o fazem mas não me sabem dizer qual o dia em que o farão... e o preço será acima dos 40€ (nem nos dizem o valor certo...).
A minha mãe precisa de cuidados de saúde continuados.
Se o Hospital a internar pode, com mais rapidez, procurar vaga na rede integrada destes organismos, dando-me tempo para tratar da sua passagem para um local onde possa estar com cuidados 24 sobre 24 horas.
São coisas burocráticas que demoram muito mais tempo para nós, familiares, do que para o Hospital Central da Universidade de Coimbra.
Nunca foi essa a minha posição, pois a minha mãe, com quem vivo, ia mantendo alguma independência. Mas as coisas mudaram muito depressa, e é já ela que pede para ir para um lar, é já ela que pede para não a levar, mais e mais uma vez, para o HUC... mas, para já, não tenho alternativa.
Nas urgências do HUC, se já pouco lhe davam atenção, agora é pior!!!”
Ante tais factos, cumpre indagar: deixar de reclamar? Com receio das retaliações? De todo, reclamar sempre e mais sempre que os direitos dos pacientes estejam a ser preteridos!
QUESTÃO
O Professor tem bramado contra a mora na estruturação e instalação da Comissão das Cláusulas Abusivas criada em 2021, que deveria ter sido dada como operacional em Julho do ano passado para funcionar em pleno em Agosto de 2021. Já está a acabar o ano de 2022. E o Estado-Governo não cumpre o que o Estado-Parlamento lhe manda. Que comentário se lhe oferece esta situação, que já cheira que tresanda…
RESPOSTA
A ‘INDESEJADA’ COMISSÃO QUE NÃO SAI DO PORÃO…
Ora aí está uma interessante questão que obriga a veemente intervenção.
Quem beneficia de tamanhas delongas?
E cerca de ano e meio depois… descarrilou a carroça e debandaram os bois!
A Comissão das Cláusulas Abusivas deveria ter sido regulamentada até 26 de Julho de 2021. Para que a lei, devidamente aparelhada, entrasse em vigor a 25 de Agosto do ano passado.
Cerca de ano e meio volvido, da Comissão… nem um ténue rasto! Nem um qualquer bosquímane, os cuancalas do Sul de Angola, exímios pisteiros detectam qualquer sinal. Hibernou de todo, no esboço que dela se traçaria. E a lei não entra, por conseguinte, em vigor…
Já alertámos o Parlamento para esta ofensa à legalidade cometida por um Governo que manda às urtigas a Lei de Defesa do Consumidor e as leis emanadas do órgão legiferante por excelência que é a Assembleia da República.
Mas não há quem se comova!
Nem uma só manifestação, entretidos com outras coisas, talvez menos relevantes.
Um escândalo autêntico, que a ninguém parece importar.
Aos Governos só interessam os contribuintes no dia-a-dia: e os eleitores, em princípio, de quatro em quatro anos…
Que objectivos se assinaram à Comissão das Cláusulas Abusivas criada em Portugal pela Lei n.º 32/2021, de 27 de Maio, e cuja regulamentação tarda à exaustão?
A lei refere, num dos seus dispositivos, de forma algo ambígua, é certo, que “a regulamentação … inclui a criação de um sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas, garantindo que as cláusulas consideradas proibidas por decisão judicial não são aplicadas por outras entidades.”
Mas daqui o que se tira, segundo o nosso entendimento, é que o objectivo é o de:
a. Dar forma à Comissão das Cláusulas Abusivas (com um amplo leque de atribuições na análise dos contratos pré-elaborados seja qual for o suporte adoptado em vista da sua exclusão);
b. Conferir ao caso julgado das decisões proferidas nas acções inibitórias sentido e alcance diverso do que ora se lhe reconhece – de “ultra partes” a “erga omnes” (ou seja, uma dada decisão em concreto proferida sobre uma determinada cláusula passaria a ter eficácia geral: aplicar-se-ia a todas e quaisquer cláusulas iguais constantes de formulários com condições gerais predispostas por outros contraentes e, de análogo modo, em relação a contratos singulares já celebrados e cujas cláusulas emerjam de tais condições gerais havidas por proibidas (incidentalmente nulas nos contratos singulares de que se trata).
O Governo, porém, talvez por não haver discernido convenientemente a situação, entendeu regulamentar a Comissão, a que chama das Cláusulas Contratuais Gerais, nestes termos [algo de um anteprojecto que, por portas travessas, nos chegou às mãos…]:
“O sistema administrativo de controlo e prevenção de cláusulas abusivas visa prevenir a utilização de cláusulas contratuais consideradas proibidas por decisão judicial transitada em julgado ou decisão administrativa que constitua caso decidido por outros proponentes em contratos com uso de cláusulas contratuais gerais.”
A Comissão “visa prevenir a utilização das cláusulas proibidas por decisão judicial” (e outras administrativamente decididas pelos reguladores?) “por outros proponentes” que as usem em formulários oferecidos no mercado?
A Comissão pôr-se-á de “atalaia” a ver se as condições gerais proibidas são recomendadas por esse ou por outros predisponentes?
Com franqueza, não se nos afigura que essa seja a filosofia.
A Comissão terá esse papel sem se “mexer” na eficácia do caso julgado?
É algo que nos escapa…
Com franqueza, são equívocos a mais para tão curta ambição!
QUESTÃO
Mas o Professor também tem tomado posição acerca da influência que a tal Deco-Proteste, que nunca se apresenta com o Limitada, de sociedade comercial, tem na imprensa em que se faz passar como a maior organização de consumidores do País.
E isto porque, como se julga saber, se serve de uma “tal bandeira” feita de embustes que é a maior associação ou organização de consumidores do País…
Não lhe parece qu seria o mesmo que chamar à SONAE-Distribuição, do Modelo-Continente, ou à Jerónimo Martins, do Pingo Doce, ou ao Auchan ou à Mercadona, organizações de consumidores?
RESPOSTA
Tem inteira razão.
Parece ser exactamente a mesma coisa. Um conglomerado de empresas com especializações em vários ramos, de faz do lucro o seu objectivo, considerar-se organização de consumidores é, para além do mais, um escarro estampado no rosto dos consumidores, é tornar-nos e tomar-nos como parvos, entes destituídos de inteligência, neste comer e calar em que se transformaram os grupos económicos que fingem estar ao serviço dos consumidores, mas estão, isso sim, ao serviço de si mesmos e do lucro a que almejam…
No caso dos órgãos de comunicação social, é tomar os jornais e as rádios como trouxas, ao induzirem a que lhes façam publicidade à borla…
Se a tivessem de pagar…
Nem mais nem menos…
Fazem-se passar como associação de consumidores e, nessa medida, beneficiam do tapete vermelho que lhe estendem quando se aproveitam manhosamente da generalizada ignorância existente para alcançar a publicidade gratuita que lhes fazem. Se tivessem de pagar custar-lhes-ia, como dizem os brasileiros, uma nota preta…
Eis o teor de uma mensagem de que nos fizemos eco perante o director de um diário da região centro depois da publicação com destaque da notícia do pretenso simulador de crédito que mais não é do que uma forma indirecta de colherem dados pessoais dos que se propõe efectuar as simulações:
Salve, meu caro director!
Releve-me a “injunção”!
Creio que de forma inadvertida, o periódico, como dizia o saudoso Lencastre de Campos, continua a promover a Deco-Proteste como “associação” ou “organização de consumidores”, de modo gracioso, quando, afinal, é de publicidade gratuita que o vosso jornal diário faz à antena de uma multinacional, instituída sob a forma capitalista de “sociedade por quotas”.
Cfr., por obséquio, a edição de hoje.
Com efeito, estes equívocos levam a que os ‘tipos’ da multinacional belga – a EUROCONSUMERS, S.A., uma sociedade anónima - que povoam a Europa de sociedades por quotas (estilo Deco-Proteste, Limitada, Altro Consumo, em ltália, OCU, em Espanha, e “Cadre de Vie”, em França, etc.) beneficiem de uma visibilidade à custa do logro de se apresentarem como ‘organização de consumidores’ quando é de empresas que se trata e que potenciam lucros à custa da ingenuidade de quantos lhes dão graciosamente suporte.
No artigo em anexo, de um economista lisbonense (quadro do Montepio?), que terá passado despercebido ao vulgo, traça-se, com efeito, o real perfil destes descarados “vendilhões dos templos” que avolumam proveitos à custa dos néscios e sem que ninguém queira, com efeito, ignorá-los em sua real expressão e nas suas autênticas vestes, quais burlões que se passeiam impunemente num mercado permissivo que os acolhe e aplaude!
Querem publicidade… paguem-na, que podem bem com os milhões que auferem através dos artifícios, sugestões e embustes com que “douram a pílula” e levam a “malta” “na curva”.
Desculpe “qualquer coisinha”!
QUESTÃO
Troca de brindes: direito ou favor?
Há também o caso da troca de brindes em que os da Deco-Proteste continuam a dizer, em favor dos comerciantes, que a troca de bens, nestes períodos festivos sobretudo, não é direito do consumidor, mas um simples favor dos estabelecimentos que, se quiserem, fecham a porta a qualquer devolução e troca.
RESPOSTA
Desmistificar as interpretações jurídicas, denunciar as promiscuidades
TROCA DE PRODUTOS: DIREITO OU FAVOR?
O respeito que os consumidores merecem aos media exige da informação isenção, rigor, exigência e se busque quem domine os temas para que os eventuais esclarecimentos não perturbem e não confundam ainda mais os seus destinatários.
A propósito das prendas de Natal e da susceptibilidade das trocas, um
jornal de referência recorreu, em tempos, a alguém pretensamente ligado à tal DECO” a fim de esclarecer todos e cada um.
E o que ficou da opinião transcrita é que não há qualquer direito à troca de produto por outro similar ou distinto. E que se trata de um favor, uma mera cortesia, repete-se, de UM FAVOR dispensado aos consumidores, fruto da política de cada uma das empresas. E ao livre arbítrio de cada uma delas!
Nada de mais erróneo!
Talvez conheçam tais opinadores os contratos fora de estabelecimento (ou porta-a-porta) ou a tal assimilados, talvez não ignorem o regime dos contratos à distância (por qualquer meio não presencial), mas, ao que parece, ignoram o mais...
E não é isento de particularismos o naipe de contratos equiparados aos celebrados fora de estabelecimento comercial, nem sempre como tal havidos.
Com exemplo, neles figuram os:
· Celebrados no estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado num local que não seja o do estabelecimento comercial do fornecedor respectivo;
· Celebrados no domicílio do consumidor;
· Celebrados no local de trabalho do consumidor;
· Celebrados em reuniões em que a oferta de bens ou de serviços seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor ou do seu representante ou mandatário;
· Celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou por seu representante ou mandatário, fora do respectivo estabelecimento comercial;
· Celebrados no local indicado pelo fornecedor de bens, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita pelo fornecedor de bens ou pelo seu representante ou mandatário.
Nestes contratos, os consumidores dispõem, por lei, de 14 dias para dar o dito por não dito. Não são contratos firmes. Estão sujeitos a um período de reflexão ou ponderação dentro do qual os consumidores podem retractar-se, ou seja, “dar o dito por não dito”, desfazendo-os. Salvo nos contratos celebrados por ocasião de excursões organizadas pelos fornecedores e os que se concluem no domicílio do consumidor, em que o período para se dar o dito por não dito é agora de 30 dias.
Ignoram decerto tais senhores a existência de outras modalidades de contratos, disciplinados, de resto, pelo Código Civil, cuja consulta se recomenda vivamente.
Ignoram os contratos a contento, cujo regime se acha plasmado nos artigos 923 e seguinte do Código Civil.
Como ignoram os contratos “sujeitos a prova”…
1. VENDA A CONTENTO: o que é?
É a que é feita sob reserva de a coisa agradar ao consumidor.
Mas a compra e venda a
contento apresenta-se sob duas modalidades:
. a primeira, como mera proposta de venda;
. a segunda, como contrato (há já um contrato e não uma mera proposta contratual) susceptível de resolução, vale dizer, de ao contrato se pôr termo, se a coisa não agradar ao consumidor.
1.1. Venda
a contento na primeira modalidade
No caso da proposta de venda, a coisa deve ser facultada ao consumidor para
exame.
A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não
pronunciar dentro do prazo da aceitação que se estabelecer (por exemplo, 8, 10,
15 dias…).
Neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas, como se disse, uma proposta contratual. O que pode é haver uma qualquer entrega do valor da coisa equivalente ao preço, a título de caução.
Devolvida a coisa, restituir-se-á a caução na íntegra. Não há cá vales, menos ainda vales com prazos de validade, curtos ou longos, com o fito de se vender ulteriormente, pelo seu valor, uma outra coisa.
1.2. Venda
a contento na segunda modalidade
Se as partes estiverem de acordo sobre a resolução (a extinção) da compra e
venda, isto é, sobre a faculdade de se pôr termo ao contrato no caso de a coisa
não agradar ao comprador, o vendedor pode fixar um prazo razoável para tal, se
nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos
“comerciais”.
A entrega da coisa não impede que o
consumidor ponha termo ao contrato.
A devolução da coisa obriga à restituição
do preço, na íntegra, de imediato, sob pena de o vendedor incorrer em mora.
Neste aspecto, como há já contrato, se a ele se puser termo, terá de se operar a restituição do preço e a devolução da coisa.
De há muito que defendemos neste particular que se deveria legislar, a fim de
se preverem coimas (sanções em dinheiro e sanções acessórias) para o caso de o
vendedor se atrasar a restituir o preço ou se o quiser fazer por outro modo,
seja através de vales ou por qualquer outra modalidade de pagamento. Coisa que
se não admite: o consumidor entregou dinheiro, deve ser-lhe restituído o valor
em numerário e não por qualquer outra forma; pagou por cartão de débito ou de
crédito, deve ser feito de imediato o cancelamento do pagamento, de modo
inequívoco e sem prejuízos de qualquer espécie.
Como se fez agora quer no que se refere, de forma ampla, às Garantias dos Bens de Consumo como no que se reporta à violação da Lei das Condições Gerais dos Contratos.
Dúvidas sobre a modalidade da venda
Em caso de dúvida sobre a modalidade que as partes tiverem tido em mira, presume-se que é a primeira a adoptada: ou seja, não que tivessem escolhido um contrato de compra e venda susceptível de a ele se pôr termo se a coisa não agradar ao consumidor, mas uma mera proposta de venda.
2. COMPRA E VENDA SUJEITA A PROVA: o que é?
A compra e venda sujeita a prova está regrada no artigo 925 do Código Civil. Aplica-se subsidiariamente aos contratos de consumo.
O regime é o que segue:
A venda sujeita a prova considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a
coisa ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas
pelo vendedor.
Condição suspensiva é aquela segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico.
Por conseguinte, se o acontecimento futuro ocorrer, estaremos perante uma condição suspensiva: o negócio jurídico produz os seus efeitos normais.
A venda sujeita a prova pode estar sujeita a uma condição resolutiva.
A condição resolutiva é aquela segundo a qual as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a extinção do negócio.
Se o acontecimento se verificar, a condição será resolutiva: o negócio não produzirá os seus efeitos.
A coisa deve ser facultada ao comprador para prova.
A prova deve ser feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos.
Se tanto o contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que razoáveis.
Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se refere o parágrafo anterior, a condição tem-se por verificada quando suspensiva (isto é, o negócio produz os seus efeitos normais, o contrato passa a ser firme) e por não verificada quando resolutiva (o mesmo se dará aqui nessa hipótese).
Mas ignoram ainda, ao que parece, o princípio da autonomia da vontade, segundo o qual sob a epígrafe
Liberdade contratual se diz que |
“1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. E o facto é que os contratos que fornecedores e consumidores celebram nestas circunstâncias (e é essa tanto a vontade de uns e de outros, fundidas em negócio jurídico que - se assim não fora - nem os consumidores comprariam nem os comerciantes venderiam) são-no com a faculdade de troca em um dado período de tempo (que outrora fora de oito dias, pelo recurso paralelo ao prazo do proémio do artigo 471 do Código Comercial, que, de resto, constava das notas emitidas pelos estabelecimentos). Contrato que é um híbrido do contrato de venda a contento ou sujeita a prova com consequências menos gravosas para o comerciante que os verdadeiros e próprios contratos típicos, nominados, como supra se definem, com a faculdade de troca do bem, já que se pactua a substituição da coisa que não a sua devolução pura e simples. E isso de há muito que faz parte também dos usos comerciais que, nessa medida, vinculam. Não de trata de uma cortesia, de um mero favor, de uma condescendência, que possa ser recusada a cada instante, com uma instabilidade enorme para as partes e nefastas consequências para o comércio. Se se pactuar, porém, um contrato típico de venda a contento ou sujeita a prova, de modo esclarecido, os efeitos jurídicos são exactamente os que ali se prevêem: a devolução da coisa e a restituição do preço. Que não a simples troca ou substituição. Não se fale, pois, em favor nem em mera cortesia. Não se diga que os fornecedores não estão obrigados a efectuar as trocas com as consequências daí emergentes. Porque, nestes termos, estarão obrigados a tal. Sem discussões. Mas seja qual for a modalidade do contrato, impera aqui a lei da garantia dos bens de consumo:
Em caso de desconformidade, o consumidor pode, em termos de razoabilidade e adequação, lançar mão, no período de 2 anos, dos remédios conhecidos, não sujeitos a qualquer precedência: ou envereda pela reparação da coisa ou pela sua substituição ou pela redução do preço ou por pôr termo ao contrato com a devolução da coisa e a restituição do preço. Contanto é que, no lapso de 60 dias, denuncie ao fornecedor a não conformidade da coisa (o vício, o defeito, etc…). |
Por conseguinte,
AS TROCAS DE BRINDES, DE PRENDAS,
nesta como em outras ocasiões,
NÃO SÃO MEROS FAVORES,
ANTES ALGO REGRADO NO CÓDIGO OU EM RESULTADO DO ACORDO DAS PARTES.
Estão no cerne das negociações comerciais, estão previstas na lei, são por tal disciplinadas, decorrem da livre negociação entre as partes, resultam de usos comerciais consolidados.
Favor é o consumidor propender à troca num contrato a contento ou sujeito a prova quando a lei lhe confere o direito à devolução pura e simples da coisa.
Entendamo-nos, pois! Para que não haja nem subversão de DIREITOS nem prejuízos para a parte mais débil, em princípio, em contratos desta natureza.