Diário
“As Beiras”
edição
de 25 de Novembro de 22
Haja,
senhores, o que houver, é que p’ra
“esse” eu já dei, mas no que toca ao
couvert… só há que cumprir a lei!
“Surpreendi-me
ao ler, num restaurante no Porto, um papel com o logotipo da Deco-Proteste,
Ld.ª, em que se diz que, nos termos da
lei, o consumidor não tem de pagar o couvert se o não solicitar. Mas se comer
os aperitivos que o formam, que constituem o couvert, tem de os pagar porque ao recusar-se a fazê-lo
há nisso abuso de direito de sua parte.
E
diz mais: “quem cala consente, mas se trincar consente mais”…
Então,
em que ficamos?”
Apreciada a questão, algo
surpreendente, aliás, cumpre responder:
1. Já
a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996, no n.º 4 do seu artigo 9.º,
prescreve:
“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de
bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou
solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe
cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a
responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”
1.1.
A razão de
ser da norma é, por um lado, a de isentar, nestas circunstâncias, o consumidor
de quaisquer encargos e, por outro, a de penalizar o fornecedor pelos abusos
decorrentes da imposição de um produto ou serviço a quem dele não carece e que
o não solicitou nem encomendou. Contra a velha teoria, adoptada nestas
circunstâncias, do enriquecimento sem
causa do destinatário do bem, que cumpre aqui recordar e que fazia as
delícias dos professores de Direito, nas suas distintas modelações.
2.
O DL
10/2015, de 16 de Janeiro, que rege em matéria de actividades de comércio,
serviços e restauração, diz expressamente no seu artigo 135:
“1
- Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de
preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para
disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:
a)
A indicação de todos os pratos, produtos
alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços,
incluindo os do couvert, quando existente;
b)
A transcrição do requisito referido no n.º 3.
2
- Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert
o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como
couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.
3
- Nenhum prato, produto alimentar ou
bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo
cliente ou por este for inutilizado.
...”
3. Frustrar-se-ia
o objectivo da lei, que é o de penalizar os abusos cometidos no tráfego
jurídico pelos fornecedores, que se “adiantam” desse modo para avolumar os seus
réditos, se se entendesse que o consumo pelos consumidores dos aperitivos, na
circunstância, ou a retenção de um livro enviado e não encomendado, por
exemplo, noutra qualquer situação, constituísse “abuso de direito” de banda do
consumidor: seria o esvaziamento do sentido e alcance da norma.
4. Não
tem, pois, qualquer sentido o que a antena da multinacional “Euroconsumers, S.A., a tal
Deco-Proteste, Ld.ª, anda para aí a
propalar, para agradar aos empresários, seus pares no comércio, pretendendo
subtrair direitos aos consumidores, alvo dos seus constantes logros no
dia-a-dia.
5. Daí
que os consumidores devam ignorar os dislates destes “aprendizes de direito”,
que outros disparates propagandeiam em detrimento do consumidor, no seu afã de
vender os produtos e serviços das gamas que comercializam, contra o que
apregoam aos sete ventos [que são ”a maior organização de consumidores do
País”], no que convencem muita gente e as entidades oficiais, que omitem a sua
intervenção, não pondo cobro a todas as patranhas que o facto envolve, contra o
seu estrito dever funcional.
6. Se
os aperitivos forem fornecidos sem haverem sido solicitados, ainda que os
consumam, ainda que os inutilizem, não terão os consumidores de os pagar: e
mandem ‘dar uma volta’ aos vendilhões do templo que por aí confundem
deliberadamente toda a gente e quem os segue, na cegueira que vem imperando…
EM CONCLUSÃO
a. Se o consumidor não solicitar, não
encomendar os aperitivos que constituem o couvert e tal lhe for servido,
consumindo-os ou não, inutilizando-os ou não, não terá de os pagar.
b. Tal não constitui, como o pretende,
com eco, a tal Deco-Proteste, Ld.ª, que ora na desinformação investe, “abuso”
de direito de banda do consumidor.
c. O escopo da lei não é o de penalizar
o consumidor, mas o fornecedor pela sua ousadia, pelo seu atrevimento, pela sua
ganância: e cumpre denunciar a ignorância!
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal