O
”Le Figaro”, de sábado último, editado na Cidade Luz, oferecia aos
seus leitores dados com efectiva expressão a propósito
do actual momento em que a carestia atinge os
produtos das fileiras do agro-alimentar nos distintos segmentos do mercado de
consumo.
E aí se dizia:
“Os consumidores preferem
estes rótulos 24% a preços mais moderados do que os das grandes marcas.”
“Marque repère”
(Leclerc), “Reflets de France” (Carrefour) e “Pâturages” (Intermarché) são
quase tão conhecidos pelos clientes destas marcas como Danone, Lu ou Nestlé.
Após um período de desinteresse, a
popularidade das marcas privadas aumentou acentuadamente. Durante a crise
sanitária, os consumidores tinham procurado conforto e tranquilidade junto das
suas marcas nacionais favoritas. Nutella, Président e Caprices des Dieux...
raramente se tinham saído tão bem.
Mas as prioridades dos
consumidores mudaram. Com o aumento dos preços nos supermercados, o preço
tornou-se mais uma vez o principal critério de compra. No entanto, as marcas
privadas são 24% mais baratas do que a média dos produtos vendidos nos
supermercados.”
O facto é que é
surpreendente o que ocorre com os preços dos produtos do cabaz elementar e os
inesperados lucros das empresas da grande distribuição alimentar, os tais
“lucros caídos dos céus”, que os governos e, em particular, o que remanesce
entre nós, relutam em “taxar”.
Relutam em taxar e,
perante os efeitos da beligerância ocorrente que tudo condiciona, mostram-se indiferentes
e relapsos no que tange à limitação das margens de lucro num cabaz alimentar que
importaria se aferisse em função das necessidades básicas de cada um e todos e
de uma dieta nacional desenhada em função de critérios de base científica que fácil
seria decerto descortinar e definir…
Se a tão decantada
“responsabilidade social” tivesse conteúdo, decerto que as insígnias de renome (que
partilham quase que de modo concertado, entre si, o mercado) não apresentariam
preços tão especulativos que não escolhem o universo alvo a que se dirigem:
paga por uma lata de atum tanto o pobre como o rico. E o atum, para além dos
lucros que proporciona e da reduflação que eventualmente tende
a envolvê-lo, encarece mais ainda porque
em razão dos desvios a que se expõe, por ser produto popular que pode ser
confeccionado de mil maneiras, tem de
vir com um alarme anti-furto para que a mole imensa dos que à míngua de meios
intentam dessa forma iludir a fome sejam barrados à saída das caixas para que
apresentem contas à Justiça…
Ao menos, se os detivessem
por longo tempo, poderiam as vítimas da fome comer, nesse ínterim, à conta das
sopas do presídio, mas libertam-nos de seguida, a aguardar julgamento, para que
a “famina” os devore…
E nem sequer as escusas
do Chefe de Estado [à semelhança de um seu predecessor que jurava a pés juntos
que os portugueses não são nem corruptos nem tratam por tu a corrupção…] – com
o fundamento de que somos todos honestos e bem comportados - colhem porque,
afinal, não se “faz mão baixa” a produtos sumptuários, mas a coisas tão
elementares como a uma carcaça ou uma lata de atum.
Aliás, até talvez tenha
razão o primeiro magistrado da nação. Se quem tem fome se juntasse aos magotes
e hordas indefinidas fizessem ‘arrastões’ aos bancos ou aos hipermercados,
esvaziando-lhes cofres fortes e gôndolas para depois se locupletarem com os proveitos
dos roubos e das vendas, talvez o fenómeno pudesse ser perspectivado de modo
diferente…
São tão inábeis os pobres
que se limitam, com efeito, a fazer ‘mão baixa’ a coisas insignificantes, mas
que exigem, afinal, redobrados cuidados de segurança: não a segurança
intrínseca do produto analisada pela sua composição (em momento em que a
depreciação qualitativa dos produtos, como o proclama a Comissão Europeia, se
acha em voga e urge combater veementemente…), mas a segurança física do
produto, não vá alguém subtraí-lo para matar a barriga da fome!
Quantas latas de atum
cabem nos tão decantados 125 € de “bónus”, como todos lhes chamam, que os meios se habituaram a fazer coro com o
Governo, que mais não são, repartidos pelos 12 meses do ano, que meros 10,40€
/mês?
Sim, 10,40 €, que os
fazedores da imagem do Governo convertem em valor de “encher o olho”, como se
fora creditado em conta mês a mês o montante global ora atribuído…
Os cálculos serão, com
efeito, simples de fazer:
Uma lata de atum (posta)
de 250 gr, peso líquido (tamanho familiar?), custa cerca de 4,70 €; logo, o
famigerado “bónus” mensal dá para 2, 2 latas…
Se for de uma das marcas
tradicionais, em limão e jindungo, por exemplo, ao preço por
unidade de 2,90 €, sempre se leva para casa quase 3 latas e meia… para o
consumo do mês!
Se em vez de atum se
apontar para o bacalhau (o eterno mito do alimento dos pobres, dadas as mil e
uma maneiras de o confeccionar, poupando-o na mistura com outros ingredientes),
os 10,40€ já não chegam para um quilo do graúdo (de 12,00 a 13,00 €/ Kg) …
antes para o escamudo… que é uma espécie ‘degenerativa’ que espíritos menos
despertos e atreitos às sugestões e embustes confundem com a original!
Os poderes tendem a
dissimular o clima envolvente, fazendo crer que o mercado funciona normalmente [e
não se pode afrontar o sistema de economia de mercado, qual dogma irremovível…]
quando os condicionamentos são de monta e se reflectem designadamente nos
preços, como a ninguém escapa!
Condicionar as margens no
comércio por grosso e no retalho, como se faz em circunstâncias análogas, não é
crime contra o mercado em linha concorrência.
Crime é ignorar o
momento, as circunstâncias, e remeter os pobres para os furtos envergonhados da
carcaça e da lata de atum!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal