A Lei de Defesa do Consumidor, cumpriu ontem, domingo pretérito, mais um ano …
Uma lei breve, centos
de diplomas avulsos…
“Nada pior que a dispersão. Nada melhor que a
condensação, que a fusão da multitude de diplomas esparsos que por aí campeiam,
em consequente esforço tendente à simplificação, à eliminação das excrescências
que inquinam o ordenamento.”
“Um Código é, segundo
as enciclopédias: colecção, compilação de leis, regulamentos, preceitos,
convenções, fórmulas, regras….
O vocábulo reveste
hoje, porém, um sentido eminentemente técnico.
Não lhe quadra tão só o
conceito de simples colecções, compilações ou incorporações de leis: código é
um corpo jurídico ordenado sintética e sistematicamente de harmonia com um
plano, metodológico e científico, susceptível de abarcar as regras que a
determinado ramo de direito ou acervo normativo, segundo os melhores juízos,
compitam.
O direito do consumo é considerado, em diferentes latitudes, como um
ramo de direito, dotado de autonomia, com particulares complexidades, é facto,
dada a sua transversalidade.
O direito do consumo tem objecto próprio, método próprio e
rege-se por princípios contradistintos dos mais ramos de direito privado.
Tal como o direito comercial e o direito do trabalho.
E, no entanto, continua
a negar-se-lhe autonomia, entre a intelectualidade reinante neste chão de
muitos matizes, e a pretender-se que o Código seja ou mera utopia ou rematado
disparate de uma perspectiva lógico-construtiva.
O Código seria o modelo de organização mais simples em que se
enunciariam e desenvolveriam princípios e nele se plasmariam congruentes regras
conformadoras.
Centos de diplomas
esparsos, incoerentes na sua concepção, incongruentes nas soluções,
sobreponíveis, plenos de brechas, de lapsos, de omissões, dominam este peculiar,
mas extenso, segmento do universo jurídico.
Há quem entenda que a
solução da codificação é catastrófica porque de direito em
constante mutação se trata. Que as normas não são definitivas. Que se não pode
cristalizar, em acervo de regras estanque, algo que é volúvel e voga ao sabor
dos ventos, do progresso da ciência, da revolução do digital, em constante
fluir, em mutação contínua, ao livre alvedrio das apetências legislativas
dominantes…
Com a ponderação que
decorre de anos de profunda e acurada reflexão, inclinamo-nos, de há muito, para
a elaboração, não de um Código de Direitos do Consumidor, como
de início se aventara, mas de um Código de Contratos de Consumo.
Na Europa, o exemplo da França de 90/92 – o de um
código-compilação -, que não de um texto de raiz, mercê de dificuldades formais
que tendiam a tornar ciclópica a tarefa, é, a todas as luzes, de uma grandeza ímpar,
plena de significações.
Que se não recuse,
entre nós, um Código-compilação, em
que se expurguem as excrescências dos diplomas avulsos e se sistematize uma
parte geral que discipline a mancheia de contratos típicos ora recortados e,
depois, se ocupe autonomamente das especificidades de cada um deles: constituição,
modificações subjectivas e objectivas e extinção das subjacentes relações. É
algo de que se carece instantemente, até em obediência à máxima:
“menos leis, melhor lei”!
Um
código cumpriria, entre nós, um papel de largo alcance em
termos de inteligibilidade das leis, de acessibilidade, da harmonia das regras,
da sua estrita observância em todos os estratos do cosmos jurídico.
Também neste particular
Portugal carece de disciplina para que os direitos se sustentem e efectivem e o
Direito, enfim, se cumpra!
Direito
que se não conhece é direito que não vigora, é direito que não se aplica!
Um Código de Contratos de Consumo que não um código de Direito
do Consumo ou de Direitos do Consumidor [de raiz].
A menos que os detentores
do poder entendam preferível um código
de raiz: e nele se não adultere
nem subverta a essência dos normativos da União Europeia que lhes serviriam
obviamente de alicerce. E tal não seja pretexto para se eternizar a “tarefa”…
Dos contratos de fornecimento de serviços de
interesse económico geral aos de serviços
fúnebres há um largo espectro a regular de forma consequente, que o quadro
actual [mal] oferece de modo avulso, incongruente, desconexo… e a que há que
pôr cobro instantemente!
Em Portugal, porém,
poder-se-ia ensaiar o esboço de um Código
Europeu dos Contratos de Consumo, longe dos corredores em que se “eterniza”
o labor e servem de freio aos mais nobres propósitos.
Haja em vista que a
primeira iniciativa abortada, cometida a gente que não era do “ofício”, teve um
longo parturejar: dez anos para
‘parir’, perdoe-se-nos o plebeísmo, um ‘aborto
jurídico’ e mais quatro para as
operações de cirurgia plástica que a ninguém convenceram por quase nada
haverem acrescentado a um corpo com tamanhos aleijões. Resultado: o caixote do
lixo num requintado gabinete da Rua da Horta Seca… onde nada, por óbvio, do que
se “plantara” vicejou!
Que o Parlamento recomende ao Governo um Código de Contratos de Consumo como prémio a
um povo que merece que os seus direitos se reúnam numa só Carta para que os
possa dominar e exercer, eis o que apetecemos aos grupos parlamentares e aos
partidos de deputado único a que, a tal propósito, nos dirigimos!
Seria algo de elementar!
Há que acalentar a vaga
esperança de que tal possa ainda ocorrer!
Mário Frota
Presidente emérito da
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal