A segundas das leis de
Defesa do Consumidor, editada em 31 de Julho de 1996, acaba de cumprir 26 anos…
A primitiva lei, datada
de 22 de Agosto de 1981, perfará dentro de dias 41 anos.
“Menos leis, melhor
lei!”
Já o escrevemos noutro
ensejo:
“Nada pior que a
dispersão. Nada melhor que a condensação, que a fusão da multitude de diplomas
esparsos que por aí campeiam, em consequente esforço tendente à simplificação,
à eliminação das excrescências que poluem o ordenamento.”
“Um Código é, segundo
as enciclopédias: colecção, compilação de leis, regulamentos, preceitos,
convenções, fórmulas, regras…
O vocábulo código vem
do latim codex ou caudex.
Os comerciantes
designavam codices accepti et recepti os seus livros de escrituração e os
simples títulos ou documentos públicos eram também codices: daí advém o nome
por que se intitulavam os maços de documentos antigos recolhidos nos arquivos e
bibliotecas.
Porém, só no século III
é que o termo codex foi aplicado a colecções de leis.
Daí que se registem os Códigos Gregoriano, Teodoniano e
Justinianeu”.
A palavra código
reveste hoje, porém, um sentido eminentemente técnico.
Não lhe quadra tão só o
conceito que visa a exprimir simples colecções, compilações ou incorporações de
leis: código é um corpo jurídico ordenado sintética e sistematicamente de
harmonia com um plano, metodológico e científico, susceptível de abarcar as
regras que a determinado ramo de direito ou acervo normativo, segundo os melhores
juízos, compitam.
Um Código de Direitos
do Consumidor afigurar-se-nos-ia, ao tempo, adequado: nele se compendiariam as
regras, de harmonia com um quadro próprio, vertidas em inúmeros domínios
susceptíveis de recondução à temática do consumo e à sua interconexão com os
consumidores (para abarcar os que Jean Calais-Auloy, emérito Mestre, considera
constituírem o núcleo essencial da disciplina).
O direito do consumo é
considerado em diferentes latitudes como um ramo de direito, dotado de
autonomia, com particulares complexidades, é facto, dada a sua
transversalidade.
O direito do consumo tem objecto próprio, método próprio, dispõe de
princípios contradistintos dos mais ramos de direito privado. Tal como o
direito comercial e o direito do trabalho. E, no entanto, continua a
negar-se-lhe, entre nós, autonomia e a pretender-se que o Código é ou utopia ou
rematado disparate de uma perspectiva lógico-construtiva.
O Código seria o modelo
de organização mais simples em que se enunciariam e desenvolveriam princípios e
nele se plasmariam congruentes regras.
Milhares de diplomas
esparsos, incoerentes na sua concepção, no seu desenho original, incongruentes
nas soluções a que tendem, sobreponíveis, plenos de brechas, de lapsos, de
omissões, de lacunas, dominam este peculiar segmento do universo jurídico.
Há quem entenda, num
seguidismo germânico de proscrever, que tais matérias (residualmente?) deveriam
figurar no Código Civil porque a tanto vocacionadas.
Há quem entenda que a
solução da codificação é catastrófica porque de direito em constante mutação se
trata. Que as normas não são definitivas. Que se não pode cristalizar em acervo
de regras estanque algo que é volúvel e voga ao sabor da evolução, do progresso
da ciência, em constante fluir, em mutação contínua, das apetências das
políticas legislativas…
Afinar por um tal
diapasão significa ignorar a capacidade de previsão do direito, as técnicas de
modelação ou de plasticização de que o direito se socorre para captar condutas
e lhes definir o sentido. A generalidade e abstracção da norma jurídica. De
outro modo, ignora-se não só a realidade e a mutabilidade dos factos como as
técnicas de que o legislador se socorre para acudir às situações do quotidiano.
Um Código de Direitos do Consumidor seria um primeiro passo para a
dignificação do direito do consumo, como o imaginávamos nos primórdios.
Com a ponderação que
decorre de anos de profunda reflexão, inclinamo-nos, de momento, não para um Código de Direitos do Consumidor, antes para um Código de
Contratos de Consumo. Tal o acervo resultante de inúmeros diplomas avulsos
com a chancela da obra regulamentar e legislativa das instâncias legiferantes
da União Europeia.
O facto é que a
dispersão de diplomas no particular dos contratos típicos de consumo (e tantos
são, e disso nem sempre o vulgo se apercebe), ampliados superlativamente,
conduz hoje em dia a que obtemperemos.
Ainda há tempos, mais
um diploma veio a lume – o de certos aspectos da compra e venda (e da
empreitada e de outras prestações de serviços, como da locação), para além dos
conteúdos e serviços digitais e das plataformas digitais, a engrossar a fileira
da legislação avulsa que por aí grassa: quando se poderia entrever o ensejo
como o da disciplina, em extensão e profundidade, do contrato de compra e venda
de consumo.
Proposta que carreámos,
mas a que se não deu qualquer importância nas esferas do poder.
Para além de inúmeras
alterações decorrentes da denominada “Directiva Omnibus” de 2019… que
surgiram em inúmeros diplomas internos, cuja disciplina entrou em vigor a 28 de
Maio pretérito.
A ruinosa experiência
havida, entre nós, com um anteprojecto bizarro, que marinou durante mais de uma
década à mercê de comissão de pretensos “experts” que soçobrou perante um
dilúvio de críticas, remeteu fragorosamente ao silêncio Parlamento, Governo
(com o providencial ‘veto de gaveta’ de Fernando Serrasqueiro, ao tempo
secretário de Estado da Defesa do Consumidor) e jurisconsultos de nomeada, como
se a solução vigente (a do cúmulo de diplomas legais que recrudesce, que
exponencia a “obesidade” do sistema a cada dia) fosse a mais curial…
Na Europa, o exemplo da
França, o de um código-compilação, que não de um código de raiz, mercê de
dificuldades formais que tendiam a tornar ciclópica a tarefa, é, a todas as
luzes, de uma grandeza plena de significações.
Um código-compilação `”à
droit constant”, susceptível, pois, de actualização permanente, um
código aberto, apto a recolher todas as inovações, como ora se observa.
Que, entre nós, não
tarde um Código-compilação do
estilo, mas em que se expurguem as excrescências e se sistematize uma parte
geral que discipline a mancheia de contratos típicos e, depois, se ocupe
autonomamente das especificidades de cada um quanto à constituição,
modificações e extinção, é algo de que carecemos instantemente em Portugal em
obediência à máxima: “menos leis, melhor lei”!
Um código do jaez
destes cumpriria, entre nós, um papel de largo alcance em termos de
inteligibilidade das leis, da sua acessibilidade, da sua efectiva vigência, da
sua observância em todos os estratos do cosmos jurídico.
Também neste particular
Portugal carece de ordem e disciplina para que os direitos se sustentem e
efectivem e o direito triunfe!
Direito
que se não conhece é direito que se não aplica!
Inclinamo-nos ora, por
conseguinte, mais por um Código-compilação
de Contratos de Consumo do que por um código de raiz de Direito
do Consumo ou de Direitos do Consumidor. Mas com uma estrutura
singular, como já o propusemos noutro momento e com maior detalhe.
A menos que os
detentores do poder entendam que preferível será enveredar pela tipologia de um
código de raiz, conquanto se não adultere nem subverta a essência dos
instrumentos normativos da União Europeia que lhes servem de suporte, mormente
quando se trata de directivas-quadro, a saber, de normas maximalistas de
protecção, insusceptíveis de flutuações com a outorga de níveis de tutela tanto
inferiores como superiores.
É uma tarefa exaltante
que o CEDC - Centro de Estudos de Direito do
Consumo de Coimbra, adstrito à apDC, estará em condições de empreender
se uma tal missão lhe for cometida.
Dos contratos de fornecimento de serviços de
interesse económico geral aos de serviços
fúnebres sociais há um largo espectro a regular de forma consequente, que o
quadro actual (mal) oferece de modo avulso, incongruente, desconexo… e a que há
que pôr cobro instantemente!
Em Portugal, porém,
poder-se-ia encetar o passo primeiro, longe dos corredores que “eternizam” o
labor e servem de freio aos mais nobres propósitos.
Apostem na “expertise”
do CEDC e os resultados não tardarão!
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO - Portugal