“Ouvi numa destas conferências, há dias, que a partir de
agora haveria um prazo de 30 dias para
as pessoas desistirem dos contratos feitos por meios electrónicos.
Que a lei tinha mudado e que as pessoas beneficiavam, não
de 14 dias, como antigamente, mas
de 30 dias. Em todos os contratos
digitais.
Pareceu-me muito, mas dito assim, com a autoridade de quem fala
numa conferência, fiquei a saber que agora terei muito mais tempo para
o efeito.
Será mesmo assim?
Que me pode dizer a esse propósito?”
Apreciada a questão, cumpre oferecer a resposta fundada na
lei:
1.
Só uma leitura precipitada da lei poderá
consentir numa tal solução: para os contratos
à distância [que abrangem não só os electrónicos, mas através de outros
meios de comunicação] o prazo de 14
(catorze) dias mantém-se.
2.
A lei só altera lo prazo de reflexão ou ponderação em
vista da retractação (a faculdade de
“dar o dito por não dito”) em duas hipóteses:
2.1. a
dos contratos ao domicílio e
2.2. a
dos contratos celebrados durante uma
qualquer excursão organizada pelo promotor.
3.
Com efeito, nem em todos os contratos electrónicos se confere o direito de retractação (o de dar o dito por não dito depois de
celebrado). Há excepções. A lei
prevê a hipótese de haver um acordo em contrário. Mas tal raramente acontece, tanto
quanto se sabe.
4.
E quais as excepções
?
4.1. Prestação de serviços com obrigação de
pagamento, quando:
o
Os serviços tenham sido integralmente prestados após
o prévio
consentimento expresso do consumidor; e
o
O consumidor reconheça que perde tal direito se o contrato tiver sido plenamente
executado, em tal caso, pelo prestador de serviço.
4.2. Fornecimento
de bens
§
ou serviços cujo preço dependa de flutuações de
taxas do mercado financeiro que o fornecedor não possa controlar susceptíveis
de ocorrer durante o período de ponderação em vista do exercício do direito de
retractação;
§
confeccionados de acordo com especificações do
consumidor ou manifestamente personalizados;
§
que, por natureza, não possam ser reenviados ou
sejam susceptíveis de se deteriorar ou de ficar rapidamente fora de prazo;
§
selados não susceptíveis de devolução, por
motivos de protecção da saúde ou de higiene quando abertos após a entrega;
§
que, após a sua entrega e por natureza, fiquem
inseparavelmente misturados com outros artigos (exemplo: compra de um “bidão”
de combustível que se verte para um outro depósito);
§
bebidas alcoólicas cujo preço tenha sido
acordado aquando da celebração do contrato de compra e venda, cuja entrega
apenas possa ser feita após um período de 30 dias, e cujo valor real dependa de
flutuações do mercado que insusceptíveis de controlo pelo fornecedor;
§
gravações
áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o consumidor
tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega;
§
um jornal, periódico ou revista, com excepção dos
contratos de assinatura para remessa de
tais publicações;
§
Celebrados em hasta pública;
§
de alojamento, para fins não residenciais,
transporte de bens, serviços de aluguer de automóveis, restauração ou serviços
relacionados com actividades de lazer se o contrato previr uma data ou período
de execução específicos;
§
de conteúdos digitais não fornecidos em suporte
material com uma obrigação de pagamento quando:
o
O consumidor consentir prévia e expressamente
que a execução tenha início durante o período de ponderação em vista da
retractação e reconhecer que o seu consentimento implica a perda do direito de
retractação; e
o
O fornecedor de conteúdos digitais tenha
fornecido a confirmação, nos termos do n.º 2 do artigo 9.º ou do artigo 6.º
§
Prestação de serviços de reparação ou de
manutenção a executar no domicílio do consumidor, a seu pedido ( é aplicável,
porém, o direito de retractação nos
serviços prestados além dos especificamente solicitados pelo consumidor ou na
dispensa de bens diferentes das peças de substituição imprescindíveis para o
efeito).
EM CONCLUSÃO
a.
As alterações à Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento não
afectaram o direito de retractação
previsto para os contratos à distância
(em que se incluem os electrónicos): continua a ser de 14 dias o período para
“dar o dito por não dito” se se respeitarem todos os requisitos formais.
b.
Se não se respeitarem, a tal prazo acrescem 12 meses, a menos que, nesse
ínterim, surja a comunicação e então, a partir daí, começa a contar-se o prazo
para o efeito.
c.
Só os contratos fora de estabelecimento, em duas
precisas situações, passaram a beneficiar dos 30 dias para o efeito (ao domicílio e os celebrados durante excursões
por iniciativa do promotor): em nenhuns outros tal se observará.
d.
O direito
de retractação não vale para todos os contratos do estilo: há uma mancheia
de excepções que importa conferir em 4.
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Portugal